China e Rússia são "aliados desconfiados" - analistas

por Lusa

China e Rússia olham-se com desconfiança mútua e continuam separados por divergências estratégicas, mas aproximam-se sempre pelo objetivo comum de impedir a hegemonia global dos EUA, segundo analistas ouvidos pela Lusa.

No dia em que o Presidente russo, Vladimir Putin, se deslocou a Pequim para assistir à abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, ao lado do seu homólogo, Xi Jinping, China e Rússia denunciaram, numa declaração conjunta, a influência dos Estados Unidos e o papel das alianças militares ocidentais na Europa e na Ásia como desestabilizadores.

No documento, os dois países afirmam-se "contrários a qualquer futuro alargamento da NATO" e denunciam a "influência negativa da estratégia (para o) Indo-Pacífico dos EUA sobre a paz e a estabilidade na região", revelando uma sintonia coordenada sobre os seus inimigos comuns, numa altura em que escala a tensão nas fronteiras da Ucrânia.

A declaração parece ser uma validação da renovação por cinco anos, feita em 2021, do Pacto de Boa-Vizinhança e Cooperação Amiga, assinado em 2001 e que assegura os fins comuns das duas potências.

"Mas que não restem ilusões: Moscovo e Pequim não confiam um no outro. As suas parcerias e alianças sempre foram táticas e transitórias. Contudo, desde as sanções ocidentais à Rússia, por causa da anexação da Crimeia, em 2014, que os dois países se aproximaram e estão agora mais ligados do que alguma vez estiveram desde os tempos de Estaline e de Mao", disse à Lusa Chris Miller, diretor do programa Eurásia no Foreign Policy Research Institute.

Miller acredita que a China não vê com bons olhos a ameaça de uma eventual invasão da Ucrânia, mas está certo de que Pequim ficará do lado de Moscovo se existirem novas sanções económicas contra a Rússia.

Também Susana Brites, uma investigadora portuguesa a trabalhar no departamento de Relações Internacionais da Universidade de Salamanca, lembrou que Pequim tem alimentado em Moscovo a sensação de que, perante confrontos com o Ocidente, os dois países estarão do mesmo lado.

"Em 2008, durante os Jogos Olímpicos na China, Putin estava em Pequim, enquanto a Rússia invadia a Geórgia", lembrou Brites, acrescentando que não ficaria espantada se agora, durante os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, também na China, o Presidente russo repetisse a manobra, desta vez na Ucrânia.

"Mas estou certa de que Pequim preferiria que os soldados russos não atravessassem a fronteira da Ucrânia. A China nunca ficou confortável com a anexação da Crimeia e receia sempre as ambições territoriais da Rússia", acrescentou a investigadora.

Para Miller, as ameaças norte-americanas de impor fortes sanções à Rússia, no caso de invasão da Ucrânia, são sintomáticas de um posicionamento duro perante os rivais a oriente.

"Pequim pressente que essa seria a atitude de Washington no caso de um conflito com Taiwan ou no Mar do Sul da China", referiu o analista do Foreign Policy Research Institute, considerando que o regime chinês está muito mais preocupado com o equilibro de forças no Indo-Pacífico do que com as ambições territoriais russas na Ásia central.

Curiosamente, ambos os analistas referem que Pequim e Moscovo têm a favor da sua aproximação o clima de empatia entre os povos dos dois países, o que pode funcionar a favor das alianças e parcerias que possam ser estabelecidas.

Um recente estudo do Pew Research Centre revelava que 71% dos russos têm uma perspetiva favorável da China e idêntica percentagem dos chineses consideram que a Rússia tem um papel favorável na geopolítica.

Na Economia, a China também tem sido um pilar essencial para que a Rússia procure ultrapassar as suas mais recentes crises, em particular quando o preço do petróleo desceu substancialmente, há uma década, e quando apertavam as sanções do Ocidente.

"Em 2014, perante as sanções ocidentais por causa da anexação da Crimeia, foi a China quem estabilizou o rublo (a moeda russa), com garantias bilionárias no sistema financeiro internacional", explicou Susana Brites, admitindo que Xi Jinping tenha dado idênticas garantias a Putin, agora que a Rússia está sob ameaça de novas sanções económicas.

Em termos militares, a China e a Rússia têm posições ambíguas, de cumplicidade e de conflitualidade, acrescentou Brites, recordando que, a par das operações aéreas conjuntas no Pacífico, em 2020, houve alguns episódios de acusações mútuas de desrespeito por negócios de compra e venda de armas.

"São aliados... desconfiados", concluiu a investigadora, sublinhando que a força das suas parcerias depende, em última análise, do interesse comum em fazer frente aos Estados Unidos, seja por razões militares (como no caso de Moscovo), seja por razões económicas (como no caso de Pequim).

Tópicos
PUB