A China comprou armas à Rússia e os Estados Unidos resolveram impor novas sanções tanto a Pequim como a Moscovo, numa decisão anunciada quinta-feira à noite. A reação de indignação não se fez esperar, mas a justificação de Washington deixou muitas pessoas perplexas.
Esta foi a primeira vez que os Estados Unidos se atreveram a sancionar um
Governo estrangeiro pela aquisição de material de Defesa à Rússia, neste
caso, aviões de caça e mísseis terra-ar.
Num contexto de guerra comercial sino-americana, Pequim reagiu com palavras duras e ameaças. O porta-voz da diplomacia chinesa, Geng Shuang, não se conteve.
"Este gesto dos Estados Unidos viola gravemente os princípios fundamentais das relações internacionais e fere seriamente as relações entre os dois países e os seus exércitos", declarou Shuang, sublinhando que Pequim já protestou junto de Washington e exige uma retratação norte-americana, sob pena de "sofrer as consequências".
Também Moscovo reagiu sem meias-palavras e acusou Washington de ameaçar a "estabilidade mundial".
"Seria bom lembrarem-se de uma noção como a estabilidade mundial, que fazem abanar de uma forma irrefletida", denunciou o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergueï Riabkov, em comunicado. "Brincar com o fogo é estúpido, pois pode tornar-se perigoso", avisou ainda.
Riabkov reparou também que parece existir nos Estados Unidos "um prazer nacional em adotar medidas anti-russas", calculando que já rondam as 60 iniciativas desde tipo desde 2011.
Na verdade, o alvo era a Rússia
Washington diz que a compra de Pequim viola as sanções impostas à Rússia pela sua ingerência nas eleições presidenciais de 2016 e pela intervenção militar no leste da Ucrânia.
A medida, explicou à imprensa sob anonimato um alto diplomata norte-americano, não se dirige, por isso, contra a China. "O objeto final destas sanções é a Rússia", afirmou, citado pela Agência France Presse. "Não se trata de minar a Defesa de nenhum país em particular", garante.
Outros países que façam o mesmo podem ser igualmente sancionados, acrescentou, num aparente recado à Turquia.
Mesmo com esta justificação sui generis, as sanções parecem ter sido vistas como uma oportunidade de os EUA atingirem, de uma única penada, dois adversários de peso na cena internacional.
"A Rússia é agressiva, a Rússia tenta ingerir-se nas nossas eleições (...) mas a longo termo, se falarmos daquilo que ameaça os rendimentos dos americanos, que ameaça verdadeiramente o crescimento económico americano, a China representa, e de longe, a maior ameaça aos Estados Unidos", lembrou há dias o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo.
Retratem-se!
As sanções americanas irão abranger 33 novas pessoas e entidades russas, incluindo empresas e agências, nos setores militar e de vigilância.
Entre outros, serão sancionados Igor Korobov, o patrão do GRU, a agência de informações russa, a organização paramilitar Wagner, ativa na Ucrânia e na Síria, e o financiador Evguéni Prigojine, próximo do Presidente russo, Vladimir Putin.
Já o Departamento de Desenvolvimento de Equipamentos do Ministério da Defesa chinês, e o respetivo diretor, Li Shangfu, foram sancionados pela compra de caças Soukhoï Su-35 e por equipamentos ligados ao sistema de defesa anti-aérea russa S-400.
A imporem-se as sanções, não só não poderão exportar produtos para os EUA, como irão ver embargadas eventuais propriedades que detenham em território norte-americano. Quaisquer transações financeiras suas nos EUA serão também vetadas.
Pequim apresentou uma queixa formal contra uma iniciativa "irracional". "Exigimos firmemente aos Estados Unidos que resolva este problema e retire estas sanções", afirmou Geng Shuang.
Parceiros estratégicos
O porta-voz da diplomacia chinesa lembrou ainda que China e Rússia são "parceiros estratégicos" na defesa dos "interesses legítimos dos dois países assim como a paz e a estabilidade regionais".
Os seus intercâmbios baseiam-se em confiança mútua e também, sublinhou Shuang, no cumprimento das normas internacionais.
Pequim e Moscovo têm estreitado as suas relações bilaterais nos últimos seis anos, desde que Xi Jinping chegou ao poder.
Xi e Putin são amigos e os dois países partilham a noção de que a ordem mundial atual necessita de ser reformada. Ambos olham igualmente com desconfiança os Estados Unidos da América.
O estreitamento dos laços já passou da área económica inicial para a área da Defesa.
Além das compras de armamento, a China participou como convidada nas recentes manobras militares russas, consideradas as maiores desde a Guerra Fria, na presença de Putin e de Xi, no inicio de uma visita do chefe de estado chinês a Vladivostok.