Centro Carter critica processo e diz que eleição venezuelana não foi democrática

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Pedro Rances Mattey - Anadolu via AFP

O Centro Carter veio esta terça-feira dizer que a eleição na Venezuela não pode ser considerada democrática. Depois de já se ter juntado a vários dirigentes políticos da região na exigência da divulgação das atas do escrutínio, o centro norte-americano que costuma acompanhar processos eleitorais como observador, e que esteve também aqui presente na eleição de domingo, sublinha em comunicado que “as eleições presidenciais da Venezuela de 2024 não respeitaram os parâmetros e padrões internacionais de integridade eleitoral e não podem ser consideradas democráticas”.

Num país marcado pela incerteza de um período pós–eleitoral quente, o Centro Carter cancelava na manhã de terça-feira a divulgação de um relatório preliminar sobre o ato eleitoral para decidir retirar do país todo o ser pessoal face ao contexto de violência nas ruas e prévio anúncio de que seriam suspensos os voos para vários países a partir da noite desta quarta-feira.

Horas depois, já durante a noite, divulgou um relatório muito duro em que conclui que as eleições não podem ser consideradas democráticas já que de forma alguma “respeitaram os parâmetros e padrões internacionais de integridade eleitoral”.

O processo eleitoral da Venezuela não cumpriu os padrões internacionais de integridade eleitoral em nenhuma das suas fases e violou numerosas disposições das suas próprias leis nacionais. A eleição ocorreu num ambiente de liberdades restritas para atores políticos, organizações da sociedade civil e meios de comunicação”, considera o Centro Carter, denunciando que “a CNE demonstrou um claro viés a favor do incumbente” ao longo de todo o processo eleitoral.

Entre as irregularidades apontadas pela ONG norte-americana fundada há mais de quatro décadas pelo antigo presidente Jimmy Carter, estão “os prazos demasiado curtos do recenseamento eleitoral”, a existência de “poucos locais de inscrição e informação pública mínima [com] os cidadãos no estrangeiro a enfrentar requisitos legais excessivos para se registarem, alguns dos quais parecendo ser arbitrários”.

Esta situação, considera o Centro Carter, “impediu a maioria da população migrante [de participar nas eleições], resultando num número muito reduzido de eleitores no estrangeiro”. Da mesma forma, também o registo de partidos e candidatos não terá cumprido as normas internacionais.

É ainda apontado o apoio às campanhas dos candidatos que ocupam posições de poder em relação a candidatos na oposição, com o que será um financiamento mediante meios estatais, o que foi constatado nos meios de que dispunha o incumbente, Nicolás Maduro, durante as suas ações de rua junto das populações.

Da mesma forma, é deixada uma crítica à cobertura realizada pelos media venezuelanos: “O incumbente também desfrutou de uma cobertura positiva esmagadora na televisão e no rádio (…) com o principal candidato da oposição a receber uma cobertura escassa”. Igualmente grave é o facto de “as autoridades tentarem frequentemente restringir as atividades de campanha da oposição [com] assédio ou intimidação de pessoas que forneceram serviços ou bens à principal campanha da oposição”.
As atas que todos querem conhecer

O Centro Carter, à semelhança de líderes regionais como o presidente brasileiro Lula da Silva, já tinha deixado o pedido ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) para a divulgação das atas de votação. Face à indisponibilidade até ao momento da CNE no sentido de responder a este apelo, o centro considera que os seus observadores não podem verificar ou corroborar a autenticidade dos resultados das eleições declarados pelo CNE.

A exigência das atas tem sido uma constante transversal na comunidade internacional para reconhecer os resultados do escrutínio. Trata-se de um dos instrumentos que legitima os resultados da eleição e que tem sido esgrimido pela oposição, com a líder deste bloco, María Corina Machado, a garantir que tem na sua posse atas que mostram de forma clara a derrota do presidente Nicolás Maduro, no poder há mais de uma década e reeleito para novo mandato até 2031 no domingo passado.

O Centro Carter vem assim denunciar o facto de a CNE “não ter ainda anunciado resultados discriminados por secção de voto”, o que constitui uma grave violação dos princípios eleitorais.

Logo na segunda-feira, dia seguinte à eleição na Venezuela, tinha apelado ao conselho eleitoral no sentido da publicação imediata de “todas as atas das mesas de voto instaladas durante a jornada eleitoral celebrada em 28 de julho” considerando que a “informação das atas transmitidas ao CNE é indispensável [para a sua] avaliação e fundamentalmente para o povo venezuelano”.

“A nossa missão técnica, enviada à Venezuela a convite da CNE, tem por objetivo avaliar as eleições presidenciais em conformidade com o quadro jurídico venezuelano, assim como com as normas regionais e internacionais em matéria de eleições democráticas”, sublinhava o Centro Carter, organismo internacional autorizado a monitorizar o acto eleitoral de domingo quando, por exemplo, a União Europeia viu a sua delegação de observadores ser impedida de entrar no país.

Nicolás Maduro teria sido reeleito com 51,20 por cento dos votos, a que correspondem 5,15 milhões de votos, enquanto o principal candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, obteve cerca de 4,5 milhões de votos, o que dará 44,2 por cento, segundo informação do CNE, mas a oposição reivindica vitória com 70 por cento dos votos. Corina Machado fala de 6,27 milhões de votos em Edmundo González, contra 2,7 milhões para Maduro.
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