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Ceder território em troca da paz? Moscovo e Kiev respondem a Kissinger

por Andreia Martins - RTP
Carlos Barria - Reuters

Em Davos, o antigo chefe da diplomacia norte-americana sugeriu há dias que a Ucrânia deve ceder território à Rússia para que fosse rapidamente alcançado um acordo de paz. Moscovo pede que a "situação real" seja reconhecida, enquanto Kiev rejeita qualquer concessão territorial.

A declaração do histórico secretário de Estado norte-americano no Fórum Económico Mundial de Davos, na última terça-feira, fez eco das propostas que têm sido alinhavadas no Ocidente nas últimas semanas e que sugerem que Kiev deverá assumir determinadas perdas territoriais em troca de um fim imediato do conflito.

Aos 98 anos, Henry Kissinger, chefe da diplomacia norte-americana durante a Guerra Fria, considerou que as negociações de paz deveriam arrancar em breve. “Prolongar e insistir na guerra muito mais tempo levará a que passe a ser não uma questão de liberdade da Ucrânia mas antes uma nova guerra contra a própria Rússia”, afirmou.

O ex-secretário de Estado disse ainda que as negociações deveriam ter como ponto de partida “o regresso ao status quo que existia”, assinalando que a Ucrânia teria de ceder parte do território à Rússia para alcançar a paz.

Apelou também aos ucranianos para que “correspondam ao heroísmo que demonstraram com sabedoria”, Kissinger defendeu que a Ucrânia deve assumir um papel de Estado independente e neutral, e não de uma fronteira da Europa.

Recordando o papel de Moscovo no equilíbrio de poderes durante a Guerra Fria, o antigo secretário de Estado considerou que os líderes europeus não devem procurar “uma derrota pesada” da Rússia. Tal situação, avisa, “teria efeitos desastrosos na estabilidade da Europa” e poderia colocar a Rússia na rota de uma aliança permanente com a China.

Em Moscovo, em resposta aos comentários de Kissinger, o porta-voz do Kremlin afirmou que a Ucrânia terá de reconhecer a "situação real" para que as negociações de paz possam avançar.

"Moscovo espera que Kiev aceite as suas exigências e tome consciência da situação real, da situação de facto no terreno", afirmou o responsável no briefing diário à imprensa.

Desde o início da invasão russa, a 24 de fevereiro, que a Rússia exige o reconhecimento da Crimeia – península anexada em 2014 - como parte da Rússia e ainda dos territórios no Donbass, no leste da Ucrânia como estados independentes.
“Kissinger não está em 2022, mas em 1938”
Também em resposta ao histórico diplomata norte-americano, o presidente ucraniano rejeitou de forma inequívoca qualquer reconhecimento ou cedência territorial de áreas ocupadas pelas forças russas.

“Os grandes geopolíticos que sugerem isto estão a desconsiderar os interesses dos ucranianos comuns, dos milhões que realmente vivem no território que estão a propor trocar por uma ilusão de paz”, sublinhou Volodymyr Zelensky no discurso diário à nação.

O presidente ucraniano falou mais em concreto do comentário feito pelo ex-chefe da diplomacia norte-americana.

“Em Davos, por exemplo, o senhor Kissinger emergiu de um passado longínquo e disse que se deve dar um pedaço da Ucrânia à Rússia para que não haja alienação da Rússia à Europa. Parece que o calendário do senhor Kissinger não está em 2022, mas em 1938. Pensava que estava a falar para uma audiência não em Davos, mas em Munique”, ironizou o chefe de Estado norte-americano.

Zelensky refere-se desta forma ao histórico Acordo de Munique, assinado entre os líderes das maiores potências democráticas da Europa e Adolf Hitler para resolver a questão da Checoslováquia. França e Inglaterra acabaram por ceder e o território viria a ser invadido pela Alemanha nazi, nas vésperas da II Guerra Mundial.

O presidente ucraniano considerou ainda que a potencialidade do país é muitas vezes desconsiderada: “Muitos simplesmente não querem ter a Ucrânia em consideração, mas têm por hábito ter a Rússia em consideração”, afirmou.

Por isso, Volodymyr Zelensky afirma que se deverá fazer “tudo o possível para que o mundo ganhe o hábito permanente de ter a Ucrânia em consideração, que os interesses dos ucranianos não sejam sobrepostos pelos interesses dos que estão com pressa para outra reunião com o ditador”, vincou.

No último fim de semana, o conselheiro presidencial de Zelensky, Mykhailo Podolyak, já tinha descartado qualquer acordo de paz que implicasse a cedência de território a Moscovo.

No domingo, em discurso no Parlamento ucraniano, em Kiev, o presidente polaco defendeu que apenas a Ucrânia tem o direito de decidir o seu próprio futuro.

"Têm surgido declarações preocupantes que afirmam que a Ucrânia deve ceder às exigências de Putin. Mas só a Ucrânia tem o direito de tomar decisões sobre o seu futuro", afirmou Andrzej Duda.
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