A procuradoria francesa pediu esta segunda-feira a pena máxina de 20 anos de prisão por "violação agravada", para Dominique Pelicot, julgado por ter organizado os abusos da própria mulher, Giséle, por mais de 50 homens, entre julho de 2011 e outubro de 2020. O primeiro-ministro de França, Michel Barnier, prometeu que o caso "irá marcar um antes e o depois" na violência contra as mulheres no país.
O
Tribunal de de Vaucluse, em Avignon, deverá reunir novamente dia 20 de
dezembro para proferir as sentenças, num dos casos criminais mais negros
da História moderna em França e que poderá fazer jurisprudência,
agravando judicialmente os castigos por violação. Dominique drogou Giséle várias vezes com sedativos ao longo de uma década, deixando-a inconsciente, recrutando depois outros homens através da internet para abusarem da mulher. Giséle terá sido violada mais de 200 vezes, metade das quais pelo próprio marido. O septuagenário reconheceu os factos.
Laure Chabaud, a procuradora-geral, declarou perante um tribunal apinhado, que o réu "é totalmente responsável" pelas suas ações. Uma sentença que pode ser "ao mesmo tempo muito longa e demasiado curta", considerou. Longa, mas "demasido curta se atentarmos a gravidade destes atos".
"Existem muitos exemplos na História de criminosos capazes de se apresentar como encantadores e que são ao mesmo tempo capazes das maiores atrocidades. Dominique Pelicot é um destes casos. Ele era atencioso enquanto marido, pai e avô", referiu a procuradora.
"Ele não sofre de qualquer doença mental, por isso é totalmente responsável pelos atos que cometeu. Temos de nos questionar quanto ao futuro, que nos parece sombrio. Ele é considerado incrivelmente perigoso", acrescentou.
A defesa de Dominique tentou lançar dúvidas sobre a versão de Giséle, que garante nunca ter sabido do que se passava, apesar das dores e problemas físicos causados pelos abusos.
Esta segunda-feira, Chabaud frisou que, "não podemos dizer em 2024 que, porque ela não disse nada, consentiu". "Não houve nada de ambíguo quanto a Giséle Pelicot que pudesse fazer os homens pensar que ela tinha consentido", acrescentou a procuradora.
Os representantes do Ministério Público prosseguiram durante a tarde a acusação contra cada um dos réus, processo que deverá durar três dias, começando pelos casos menos pesados.
Foram já pedidas penas importantes de até 10 anos de prisão efetiva, incluindo para os raros acusados que não estão a ser julgados por violação agravada.
Quanto a Jean-Pierre M., considerado um discípulo de Dominique Pelicot e que reproduziu o procedimento com a sua própria mulher, foram pedidos 17 anos de prisão. É o único réu julgado por abusos sexuais da mulher mas não de Giséle.
"Um antes e um depois"
Perante o tribunal, o advogado-geral Jean-François Mayet considerou que no centro deste caso está o "domínio masculino sobre as mulheres", referindo que o seu objetivo é "mudar fundamentalmente as relações entre homens e mulheres". Em tribunal, Dominique reconheceu os factos, ocorridos na aldeia de Marzan, sudeste de França, explicando que realizou a sua "fantasia", de "dominar uma mulher insubmissa", por "puro egoísmo".
Os manifestantes têm adoptado como slogan a frase a vergonha tem de mudar de lado, proferida por Giséle Pelicot, para explicar a sua vontade de se submeter a um julgamento público apesar do embaraço.
Giséle, de 71 anos, denunciou no último dia do julgamento a cobardia dos acusados e uma "sociedade que banaliza a violação".
"Toda a minha vida vou ter de viver com isso. Vou ter de viver toda a vida com o facto de os homens me terem violado. Toda a minha vida", afirmou, admitindo que "é uma ferida que não vai curar".
O início dos argumentos finais do caso, esta segunda-feira, coincidiu com o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.
Entrevistado pela ocasião, o primeiro-ministro francês reconheceu que a queixa de Giséle quanto ao peso criminal de uma violação tem de ser ouvida.
O processo irá "marcar um antes e um depois", garantiu Michel Barnier, anunciando que kits de deteção de submissão química passarão a ser reembolsados pela Segurança Social, "em diversos departamentos do país", numa data a definir.