O atual vice-primeiro-ministro de Itália, ministro de Infraestruturas e secretário-federal do partido Liga Norte, de extrema-direita, está a ser acusado de sequestro e de abuso de poder, por ter impedido, há cinco anos, o desembarque em Palermo de 147 migrantes socorridos pela ONG espanhola Open Arms, quando era ministro da Administração Interna de Itália.
Matteo Salvini arrisca 15 anos de prisão.
Nas redes sociais, Salvini mostrou-se convicto de que procedeu na defesa do país e disse que faria tudo novamente.
"Defender as fronteiras de imigrantes ilegais não é um crime. Arrisco 15 anos de cadeia, e faria tudo outra vez", afirmou.
Opinião diferente tem o Ministério Público, que pediu este sábado a condenação do ministro, a seis anos de prisão.
Perante o Tribunal de Palermo, que está a ajuizar o caso desde outubro de 2021, a procuradora Marzia Sabela argumentou, numa longa alocução, que "a recusa consciente" desse navio por parte de Salvini "prejudicou a liberdade pessoal de 147" imigrantes "sem uma razão compreensível".
Solidariedade de Meloni
Nas redes sociais, a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, defendeu o seu vice-primeiro-ministro e ministro da Infraestrutura e dos Transportes, considerando que apenas fez o seu trabalho.
"É incrível que um ministro da República Italiana arrisque seis anos de prisão por ter desempenhado a sua função de defesa das fronteiras da nação, conforme exige o mandato recebido dos cidadãos", escreveu.
Segundo Meloni, "transformar em crime o dever de proteger as fronteiras italianas da imigração ilegal é um precedente gravíssimo". "Minha total solidariedade ao ministro Salvini", concluiu.
O próprio Salvini reagiu ao pedido de prisão da procuradoria, destacando que "nunca nenhum Governo e nenhum ministro na história foram acusados e julgados por terem defendido as fronteiras do seu próprio país".
Lembrou igualmente "o artigo 52 da constituição italiana" o qual "afirma que a defesa da pátria é um sagrado dever do cidadão". "Declaro-me culpado de ter defendido a Itália e os italianos, declaro-me culpado de ter mantido a minha palavra", concluiu.
Primazia dos Direitos Humanos
Salvini, que está a ser julgado depois de ter perdido a sua imunidade por decisão do Senado, em julho de 2020, não compareceu à audiência, sendo representado pela sua advogada, Giulia Bongiorno.
Esta criticou sobretudo as declarações do procurador substituto, Colagero Ferrara, que, antes do pedido de condenação, rejeitou intenções políticas no processo, sustentando que estão a ser julgados "atos administrativos" praticados pelo político de extrema-direita na sua qualidade de ministro.
Após Salvini ter assumido a pasta da Administração Interna, em 2028, "as decisões sobre desembarques foram transferidas para o seu gabinete pelo Departamento de Liberdades Civis e Imigração", lembrou Ferrara.
"Foi o ministro que decidiu e este é um elemento-chave", argumentou, lembrando a primazia do respeito pelas pessoas resgatadas. "Há um princípio fundamental e incontroverso: entre os direitos humanos e a proteção da soberania do Estado, no nosso sistema jurídico deve prevalecer o primeiro", afirmou ainda o procurador italiano.
Para a advogada de defesa, a alegação de Ferrara foi "um pouco contraditória", ao considerar que o arguido está a acusar "uma linha política".
A falta de solidariedade europeia
Salvini tem defendido que, além de defender as fronteiras de Itália, pretendia forçar uma partilha de migrantes na Europa.
Por ser o ponto terrestre mais próximo do norte de África, o país é um dos principais destino da imigração ilegal que atravessa o Mediterrâneo. Na prática, impede a maioria destes de prosseguir caminho até ao centro da Europa, nomeadamente França e Alemanha.
O caso remonta a 2019.
Salvini, então ministro da Administração Interna, impôs a sua política rigorosa de portos fechados para combater a imigração e impediu o desembarque em Itália de 147 migrantes que tinham sido resgatados no Mediterrâneo pela organização não-governamental espanhola Open Arms.
O impasse durou 20 dias, até à noite de 20 de agosto de 2019. Nesse período foram sendo aos poucos retirados migrantes, por razões médicas. Foi uma decisão judicial que permitiu o acesso do navio ao porto da ilha italiana de Lampedusa e o desembarque dos 83 migrantes que permaneciam a bordo.
A decisão judicial sobre a conduta de Matteo Salvini está prevista para o próximo mês de outubro, três anos depois do início do julgamento.