Casamento, poligamia, herança. Marrocos propõe reforma do Código da Família mais favorável às mulheres
O Reino de Marrocos prepara-se para proceder à reforma do Código da Família, conhecida como Moudawana, após dois anos de consultas. O ministro marroquino da Justiça, Abdellatif Ouhabi, apresentou na terça-feira um conjunto de propostas destinadas a reforçar os direitos das mulheres e das crianças no país, que não cumprem as expetativas de igualdade das defensores dos direitos das mulheres. O projeto de lei deverá ainda ser submetido à aprovação do Parlamento.
Foram reveladas esta terça-feira, em Rabat, as dez propostas de alteração do Código da Família da lei marroquina previamente validadas pelo Conselho Supremo dos Ulemás - órgão religioso composto por teológos que detém o monopólio dos pareceres religiosos, designado fatwas - mas que deverão ainda ser aprovadas pelo poder legislativo.
"É uma nova versão da Moudawana que tem em conta a evolução da sociedade", declarou o ministro da Justiça de Marrocos.
Entre as dez sobreviventes das mais de 100 previamente propostas, figuram a probição do casamento de menores, uma regulamentação mais rigorosa da poligamia e o alargamento dos direitos das mulheres em matéria de tutela e guarda dos filhos em caso de divórcio, ou até em caso de novo casamento. Pelo caminho ficaram propostas como a utilização de testes genéticos para estabelecer a filiação paterna.
Casamento de menores de 17 anos proibído
A idade legal para o casamento continuará a ser de 18 anos em Marrocos, mas os juízes poderão conceder dispensas para menores de idade desde que tenham 17 anos, contra os atuais 15 anos.
Fouzia Yassine, membro do Conselho de Administração da Association Démocratique des Femmes du Maroc, afirmou ao Libération que "esta não é a reforma global e radical que esperávamos", embora reconheça que haja "alguns avanços positivos".
"A manutenção da poligamia e as excepções concedidas pelos juízes para o
casamento de raparigas de 17 anos são inaceitáveis. A filosofia do
código da família, baseada no patriarcado, não se alterou", criticou a defensora dos direitos das mulheres.
Poligamia à mercê da opinião da mulher
Apesar da pressão feita pelas associações feministas em Marrocos para que se abolisse a poligamia, tal não aconteceu. A proposta de alteração do Código da Família relativamente a este ponto prevê a possibilidade ser incluída no contrato de casamento uma claúsula a pedido da mulher, na qual proíba o marido de contrair uma nova união.
Ainda assim, estão previstas exceções para que o homem possa contrair um segundo casamento em casos específicos, nomeadamente em caso de infertilidade da primeira mulher ou de doença que impossibilite as relações conjugais. Situações que deverão ser analisadas por um juíz com um elevado grau de objetividade.
Mãe beneficiará da tutela legal dos filhos
Até ao momento, a tutela dos filhos era automaticamente atribuída ao pai em caso de divórcio, por ser um direito exclusivamente reservado a si. Mas a proposta de alteração não só concede à mãe a possibilidade de partilhar a tutela legal dos seus filhos, como também de conservar a guarda dos filhos em caso de novo casamento, de acordo com o Ministério marroquino da Justiça.
A advogada Ghizlane Mamouni, presidente da associação Kif Mama Kif Baba, disse ao Libération ser um "passo em frente neste processo de reforma há esperado" mas mostrou sérias reservas quanto à falta de pormenor de algumas medidas.
"Infelizmente, a reforma do Código da Família continua presa entre uma referência religiosa e os direitos humanos universais", afirmou Ghizlane Mamouni. "Precisamos de tomar uma posição clara para podermos avançar”.
Outras propostas de alteração da Moudawana dizem respeito, por exemplo, ao direito das mulheres à herança - atualmente herdam apenas metade da parte dos homens - mas deverão poder receber doações ilimitadas, mesmo sendo menores. Ou ainda ao direito de dois cidadãos marroquinos residentes no estrangeiros poderem contrair matrimónio sem a presença de dois testemunhas muçulmanos.
Esta é segunda revisão do Código da Família na lei marroquina solicitada pelo Rei Mohammed VI, em 2022. Acontece 20 anos depois da primeira reforma que marcou um ponto de viragem importante na sociedade marroquina e consagrou novos direitos básicos às mulheres, num país muçulmano fortemente marcado pelos valores do Islão.
c/agências
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