Casa Branca confirma que jornalista recebeu informações militares ultraconfidenciais

por RTP
Disparo de míssil dos EUA em operações contra os Houthi em março de 2025 US CENTCOM via X, Reuters

A Administração Trump confirmou que o editor principal da revista The Atlantic foi incluído por erro num grupo de debate ultraconfidencial, de altos responsáveis americanos, sobre as operações contra os Houthi, no Iémen.

O jornalista Jeffrey Goldberg revelou num artigo publicado esta segunda-feira, ter recebido antecipadamente, da parte do secretário da Defesa, através da rede Signal, o plano de ataque detalhado das operações realizadas no dia 15 de março pelas forças americanas contra o grupo rebelde do Iémen.

"O secretário da Defesa, Peter Hegseth, enviou-me o plano de ataque" duas horas antes do início dos bombardeamentos, incluindo "informações detalhadas sobre as armas, os alvos e os horários", escreveu Goldberg.

"Parece para já que a cadeia de mensagens mencionadas no artigo é autêntica, e procuramos saber como foi acrescentado um número, por erro", ao grupo, referiu horas depois o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, Brian Hugues. A confirmação constitui sem dúvida uma das falhas de segurança mais retumbantes da história militar recente dos Estados Unidos.


"O fio demonstra a profunda e refletida coordenação política entre os responsáveis de topo da Administração", acrescentou. "O sucesso contínuo da operação contra os Houthi demonstra que eles não são uma ameaça ao nosso pessoal ou à nossa segurança nacional".
Papel europeu questionado

O editor principal da prestigiada revista explicou que tudo começou com um contacto ocorrido a 11 de março, por parte do conselheiro da segurança nacional da Casa Branca, Mike Walts, através da aplicação de mensagens Signal, usada amiúde por reporteres e por responsáveis políticos devido às garantias de confidencialidade.

A 13 de março, Goldberg foi inadvertidamente convidado para um grupo de conversa criptografado no Signal, chamado "pequeno grupo Houthi PC". No grupo, Mike Waltz encarregou seu vice, Alex Wong, de criar uma "equipe de tigres" para coordenar a ação dos EUA contra os Houthi.

Jeffrey Golberg referiu que um total de 18 pessoas participaram na troca de mensagens, incluindo, o chefe da diplomacia de Donald Trump, Marco Rubio, o vice-presidente JD Vance e o chefe de CIA, John Ratcliffe. A diretora nacional de Informações, Tulsi Gabbard, integrava igualmente o grupo. O presidente dos EUA, Donald Trump, lançou a 15 de março uma ofensiva militar contínuaem larga escala contra os Houthi do Iémen, por causa dos ataques do grupo contra navios do Mar Vermelho, e alertou o Irão, principal apoiante dos Houthis, para a necessidade de interromper imediatamente o apoio ao grupo.

De acordo com capturas de ecrã do chat, publicadas pela The Atlantic, as autoridades presentes no grupo debateram se os EUA deveriam realizar os ataques e, a certa altura, Vance pareceu questionar se os aliados dos EUA na Europa, mais expostos à interrupção do transporte na região, mereciam ajuda dos EUA.

"@PeteHegseth, se acha que devemos fazer isso, vamos lá", escreveu uma pessoa identificada como Vance. "Eu simplesmente odeio resgatar a Europa de novo", afirmou, acrescentando: "vamos apenas garantir que nossa mensagem seja concisa aqui."

Uma pessoa identificada como Hegseth respondeu: "VP: Eu compartilho totalmente sua aversão ao parasitismo europeu. É PATÉTICO."
Crime em dúvida

Entre dias 11 e 15 de março, o jornalista acedeu a uma série de mensagens dos mais altos responsáveis do governo norte-americano, termonando com a de Pete Hegseth, a 15 de março, com os detalhes dos ataques iminentes.

Goldberg assumiu ter tido "grandes dúvidas" sobre a credibilidade do grupo de debate, até ao momento das primeiras informações sobre os bombardeamentos reais. Ficou incrédulo.

"Não conseguia acreditar que o Conselho de Segurança Nacional do presidente tinha sido tão imprudente a ponto de incluir o editor principal da The Atlantic" em tais trocas confidenciais, escreveu. O seu artigo omite contudo os detalhes do plano.

Segundo a lei dos EUA, o manuseamento, uso indevido e abuso de informações confidenciais, é crime, embora não esteja claro que estas disposições tenham sido violadas neste caso.

Mensagens que a reportagem da Atlantic referiu terem sido definidas por Waltz para desaparecer do aplicativo Signal após um período de tempo, também levantam questões sobre possíveis violações das leis federais de manutenção de registos.

A Administração Trump tem tentado impedir a divulgação de informações por parte de funcionários para jornalistas. A 14 de março, Gabbard publicou na rede X que qualquer "divulgação não autorizada de informações confidenciais é uma violação da lei e será tratada como tal".

Criado pelo empreendedor Moxie Marlinspike, o Signal transformou-se, de um aplicativo de mensagens usado por dissidentes preocupados com a privacidade, uma rede não oficial utilizada por funcionários de Washington.
Democratas querem levar caso ao Congresso

Questionado sobre o assunto, o presidente Donald Trump referiu inicialmente "não saber nada" sobre esta divulgação acidental de informações confidenciais.

“Estão a falar-me sobre isso pela primeira vez”, garantiu o presidente norte-americano à imprensa na Casa Branca sobre as revelações do editor-chefe da revista The Atlantic de ter sido incluído por erro num grupo de discussão que reunia altos funcionários da administração Trump. 

"Não sei nada sobre isso e não sou grande fã da The Atlantic", retorquiu, no seu habitual estilo irónico.

Trump "continua a ter a maior confiança na sua equipa de segurança nacional", afiançou depois o porta-voz do presidente. Um alto responsável confirmou entretanto a abertura de uma investigação, da qual Trump foi informado.

Congressistas do Partido Democrata mostraram-se chocados com o erro, que classificaram como quebra da segurança nacional norte-americana e uma violação da lei que tem de ser investigada pelo Congresso.

"Esta é uma das violações mais impressionantes da inteligência militar sobre as quais li desde já muito, muito tempo", disse o líder democrata do Senado, Chuck Schumer, acrescentando que pediria ao líder da maioria, John Thune, para investigar.

"Começamos apenas a descobrir isto. Mas, obviamente, temos que investigar e descobrir o que aconteceu lá", no grupo. "Teremos um plano", reagiu Thune, um republicano de Dakota do Sul.

A senadora democrata Elizabeth Warren disse no X que o uso do Signal para discutir questões de segurança nacional altamente sensíveis era "flagrantemente ilegal e incrivelmente perigoso".

"Cada um dos funcionários do governo nesta cadeia de texto cometeu um crime — mesmo que acidentalmente — que normalmente envolveria uma sentença de prisão", disse o senador democrata Chris Coons no X.

com agências
Tópicos
PUB