Carta aberta propõe "prioridade às viagens ferroviárias após as eleições europeias"

por Carla Quirino - RTP
Gare Montparnasse, Paris, França Gonzalo Fuentes - Reuters

"As viagens de comboio são de longe o meio de transporte mais amigo do ambiente", lê-se numa declaração conjunta assinada por 14 ONG e empresas de transporte europeias. A carta aberta defende que, até 2030, deve ser duplicado o número de comboios de alta velocidade e aumentado para perto do dobro o número de comboios de mercadorias. Estes são objetivos centrais na jornada da Europa para se cumprir a meta climática até 2050 de zero carbono, sustentam os signatários.

O sector ferroviário assegura cerca de 550 mil empregos e representa 50 mil milhões de euros anualmente, só na Alemanha. Em Portugal, de acordo com a Pordata, em 2022, havia pouco mais de sete mil trabalhadores.
 
Numa declaração conjunta, dirigida à próxima Comissão Europeia, o grupo de 14 organizações não-governamentais e empresas de transporte, incluindo a Germanwatch e o serviço ferroviário Deutsche Bahn, afirma que as viagens de comboio são, “de longe”, o meio de transporte mais amigo do ambiente.

"A proporção de mais transporte ferroviário de longa distância, noturno e regional deve ser significativamente aumentada", disseram os signatários. "Mais ferrovias significam mais proteção climática", acrescentam.

Defendem que o setor dos transportes é cada vez mais responsável para concretizar objetivo traçado na proposta da Comissão Europeia que tem como meta a redução de gases com efeito de estufa, em 90 por cento, até 2040.
Comboios amigos do ambiente

O caminho-de-ferro apresenta-se o modo de transporte mais amigo do ambiente na Europa e vai ao encontro das intenções, por parte da UE, de fazer deste o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050.A carta aberta argumenta que, embora os transportes sejam responsáveis por 25 por cento das emissões de gases com efeito de estufa da UE, o transporte ferroviário causa apenas 0,4 por cento destas emissões. É ainda 28 vezes mais amigo do ambiente do que o avião.

No documento, os signatários explicam que o comboio, em particular, utiliza a energia de forma muito eficiente. "É seis vezes mais eficiente em termos energéticos do que o camião e quatro vezes mais eficiente em termos energéticos do que os automóveis".

“O transporte ferroviário foi destruído em toda a UE durante décadas”, declarou Lutz Weischer, chefe do escritório da Germanwatch em Berlim.

“Agora precisamos que os políticos nos dêem um impulso quando se trata de reformar o quadro europeu para a mudança para o transporte ferroviário para alcançar os nossos objetivos climáticos”, acentua.
Modernização e harmonização

Para alcançar estes objetivos, os signatários apelam à disponibilização de mais fundos da UE para “acelerar a expansão, modernização e digitalização do transporte ferroviário”.

Em cima da mesa estão outras propostas como a “criação de um plano diretor para uma rede ferroviária transfronteiriça até 2030 e tornar a reserva de bilhetes de comboio tão fácil como a reserva de voos”.

A UE tem planos para implantar uma rede de transportes de alta velocidade até 2030, sobretudo depois de nos últimos anos os comboios terem demonstrado constituir uma importante espinha dorsal do transporte em tempos de crise.

Para aproveitar esta tendência, a rede ferroviária de alta velocidade do continente deve ser expandida dos actuais onze mil quilómetros para 32 mil até 2050, de acordo com um relatório publicado pela operadora alemã Deutsche Bahn com outras ferrovias europeias.

As empresas propuseram a constituição de uma “Rede Metropolitana” para ligar todas as 230 regiões metropolitanas e grandes cidades da UE a comboios regulares de passageiros de alta velocidade, com o objectivo de, pelo menos, triplicar o tráfego ferroviário de alta velocidade.A posição conjunta defende a promoção do transporte de mercadorias de forma a aumentar para cerca do dobro.

Para assumir "o papel de espinha dorsal da mobilidade europeia sustentável, a UE deve fazer do transporte ferroviário um foco da legislação e das decisões de investimento imediatamente após as eleições europeias de 2024".

Trata-se de aumentar significativamente a capacidade, harmonizar as políticas e a melhorar atratividade do transporte ferroviário em toda a UE
, alega-se na carta.
Por que razão os voos são mais baratos?
Um estudo dA Greenpeace publicado no ano passado concluiu que os bilhetes de comboio são, em média, duas vezes mais caros do que os voos. O relatório analisou 112 rotas na Europa e descobriu que para algumas ligações, como Londres-Barcelona, o comboio custa 30 vezes mais do que um bilhete de avião.

Para aproximar as pessoas dos comboios, “o preço é fundamental”, admite Alberto Mazzola, diretor executivo da Comunidade de Empresas Ferroviárias e de Infraestrutura Europeias (CER), um grupo de defesa que representa as empresas ferroviárias europeias.

Mazzola acredita que os comboios são tratados de forma diferente dos setores rodoviário e de aviação. Declara que “obtêm regimes fiscais diferentes” e aponta exemplos: "as companhias aéreas não têm de pagar impostos sobre o querosene e os bilhetes para voos internacionais estão isentos de IVA".
Para resolver estas disparidades, o CER pretende que a “UE crie regras que garantam a concorrência leal entre comboios, aviões” e outros tipos de transporte.
A duração das viagens também deve ser resolvida, defende Mazzola. “Se a viagem demorar 18 horas, muito poucos procurarão o comboio”, afirma. O diretor executivo diz estar a pressionar a UE a fornecer “mais financiamento para infraestruturas” com o objetivo de “criar ligações ferroviárias de alta velocidade entre as principais cidades europeias”.

Entretanto, o número de passageiros aumentou dez por cento na década que antecedeu a pandemia e atualmente os comboios noturnos estão a regressar com viajantes que anseiam por opções de viagem mais sustentáveis.

Um relatório recente da Comissão Europeia aponta que o número total de serviços transfronteiriços de passageiros de longa distância na UE permaneceu o mesmo entre 2001 e 2019 e, no geral, representa apenas cerca de sete por cento das viagens ferroviárias na Europa.

Para melhorar este resultado, o gesto para planificar uma viagem de comboio na Europa deve tornar-se "muito mais simples", adverte Victor Thévenet, gestor de política ferroviária da ONG de mobilidade sustentável Transporte e Ambiente.

À Euronews, Thévenet deixa claro que “as pessoas precisam de ter a capacidade de combinar diferentes operadores ferroviários e, para isso, é necessário ter os diferentes bilhetes num único bilhete”.

De acordo com o Eurostat, França e Alemanha foram os maiores contribuintes para o desempenho do transporte ferroviário de passageiros da UE em 2022. 

França teve um fluxo de 102,8 mil milhões de pessoas por quilómetro - 26,1 por cento do desempenho total do transporte ferroviário de passageiros da UE -, enquanto que a Alemanha registou 92,3 mil milhões de pessoas por quilómetro, representando 23,5 por cento dos números europeus.

Portugal está a meio da tabela com cerca de cinco milhões. Estónia e Lituania não ultrapassaram os dois milhões de passageiros por quilómetro.
Tópicos
PUB