Cantor moçambicano tornou-se símbolo da revolta

por RTP
Azagaia durante o concerto de 29 de Agosto em Maputo António Silva, Lusa

O "rapper" Azagaia já era antes ostracizado pelas autoridades e fôra convocado, uma vez, para um interrogatório por "atentar contra a segurança do Estado". Agora é o símbolo vivo de uma revolta em que a juventude está na primeira linha.

Ainda há poucos dias, mesmo em vésperas da revolta, uma das peças cantadas por Azagaia num concerto em Maputo punha em causa o crime económico que grassa em Moçambique. Aí referia o caso do empresário Momade Bachir Suleman, que foi recentemente detido nos Estados Unidos com a acusação de narcotráfico.

Azagaia, de seu nome Edson da Luz, é um músico de 26 anos, filho de pai cabo-verdiano e mãe moçambicana, e tem tudo para se tornar um ídolo da juventude. Ele não se limita a denunciar a corrupção das esferas do poder económico e político, mas também as medidas que directamente atingem as condições de vida da população.

O cantor solidário com a revolta
Em declarações citadas pela agência Lusa, o cantor afirma que "o custo de vida subiu muito em Moçambique, tem consequências diretas sobretudo paras as pessoas que vivem com o salário mínimo ou não têm salário. Basicamente são essas pessoas que se estão a manifestar, e que se sentem excluídas, marginalizadas até certo ponto". Essas pessoas, explica Azagaia, revoltam-se porque "não têm nada a perder".

O cantor toma a defesa dos manifestantes acusados de "marginais", afirmando que "são marginais mas no sentido de acabarem por ficar de fora, e são vítimas. São pessoas que não têm nada a perder e a partir do momento em que vandalizam lojas, centros comerciais, percebe-se que são pessoas que não têm nada a perder".

O tiro no pé dos censoresUm dos slogans das manifestações de ontem, "O Povo ao Poder", já antes inquietava as autoridades quando apenas fazia parte de uma das canções de Azagaia. Por essas e por outras, o artista fora uma vez convocado a explicar-se perante a Procuradoria Geral da República, suspeito de "atentar contra a segurança do Estado",

A convocatória acabou até por reforçar a posição do cantor. Tornou-se claro que, apesar de "continuar a existir censura", é possível criar um espaço de crítica e protesto, pelo "facto de terem um Azagaia que diz o que diz e continua vivo ... E isso são as questões principais, continuo vivo, a fazer as músicas que faço, a aparecer publicamente, e isso faz as pessoas acreditarem que é possível criticar a sociedade, o governo, e sem receber represálias directas"

Uma influência difícil de medir
Perante a identificação quase automática entre o cantor e a revolta, Azagaia adopta, nas mesmas declarações citadas pela Lusa, um perfil prudente: "É difícil avaliar até que ponto poderei ter influenciado as pessoas, mas uma coisa é certa: tanto eu como Azagaia, e se calhar o fenómeno social Azagaia, e também a imprensa nacional, tudo isto combinado, faz com as pessoas se sintam mais libertas para dizer o que pensam, o que acham".

Isso não significa, contudo, que Azagaia não tenha consciência dos seus méritos, porque, ao atacar "mais abertamente os problemas, eu faço a minha parte, com a minha música, e isso estimula as pessoas a expressarem-se com maior liberdade".

O abismo entre a cidade e o caniçoAzagaia sabe que o seu sucesso lhe permite irradiar e transmitir uma mensagem, mas não deixa de assinalar o abismo que existe, apesar de toda a empatia, entre um músico de sucesso e esses que o senso comum rotula de "marginais" e que vivem no "caniço", o ghetto da pobreza suburbana em Moçambique: "estou em Maputo, e isto está a acontecer na periferia. É nos bairros suburbanos que as pessoas sentem de verdade esta subida do custo de vida. A classe média que agora se está
a desenhar, e a classe alta não sentem muito".

Da revolta, será preciso tirar ensinamentos. Uma das possiblidades encaradas pelo cantor é a mudança de atitude das autoridades: "Espero que o governo seja menos arrogante, que haja mais comunicação entre o governo e o povo. E, acima de tudo, se estamos numa crise, que haja contenção de custos. (...) Espero que o governo ponha mão na consciência e comece a comportar-se como um governo que está a passar por uma crise."

Se isso não suceder, continuará a estar na ordem do dia a palavra de ordem das manifestações de ontem e das canções de antes: "o povo ao poder".
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