O gigante porta-contentores da Evergreen continua encalhado no Canal do Suez, bloqueando uma via fundamental por onde passa cerca de 12 por cento de todo o comércio mundial. A suspensão do tráfego através do canal que liga a Europa à Ásia já levou à subida dos custos de transporte e ao desvio de vários petroleiros. Os trabalhos de remoção deste enorme navio poderão demorar vários dias ou até semanas, estimam os especialistas.
É uma via marítima histórica que liga vários continentes desde o século XIX, essencial para o transporte de petróleo vindo do Médio Oriente. Agora, um petroleiro do tamanho de um arranha-céus ou de quatro campos de futebol, com cerca de 400 metros de comprimento, 59 de largura e 219 toneladas e capacidade para transportar 20 mil contentores, está a impedir a circulação e a confundir os mercados.
O proprietário do navio garantiu esta sexta-feira que a situação poderá estar resolvida até domingo de manhã, mas admite que isso pode não acontecer.
Este é um bloqueio sem precedentes nos últimos anos numa das principais artérias económicas do mundo, por onde passa cerca de 12 por cento do comércio global.
Pelo menos 150 navios que tentavam fazer a travessia entre a Ásia e a Europa, ou vice-versa, estão impedidos de circular. Os navios transportam desde petróleo a cimento, peças de automóveis, mas também bens de consumo, como roupas e móveis. Pelo menos 30 são petroleiros de ambos os lados do canal.
Como aconteceu
O porta-contentores em causa tem o nome de Ever Given é propriedade da empresa japonesa Shoei Kisen, mas é operado pela Evergreen Marine Corp, sediada em Taiwan. O navio saiu da China e era esperado em Roterdão, nos Países Baixos na próxima terça-feira.
Ainda não se sabe ao certo o que provocou este incidente, mas o navio ficou encalhado depois de uma tempestade de areia na última terça-feira, com ventos fortes (rajadas de vento de 30 nós, cerca de 56 quilómetros por hora) e pouca visibilidade.
Mas está por explicar como é que o barco encalhou, dado o enorme peso do navio, preparado para suportar rajadas de vento muito superiores.
Este é o segundo grande incidente que envolve o Ever Given. Em 2019, o navio embateu num pequeno barco atracado no rio Elba, na cidade de Hamburgo. Na altura, as autoridades explicaram que a colisão ocorreu devido a ventos fortes.
No momento em que o navio encalhou no Suez, às 7h40 locais da última terça-feira, o navio estava a ser encaminhado por dois responsáveis da autoridade do canal do Egito, refere a Bernhard Schulte Shipmanagement. Esta empresa, responsável pela gestão do Ever Given, informou entretanto que a tripulação de 25 membros já está em terra e em segurança.
Custos
A suspensão do tráfego agravou os problemas das empresas de transporte marítimo, que já enfrentavam as dificuldades provocadas pela pandemia de Covid-19.
De acordo com o jornal de transporte marítimo Lloyd's List, por cada dia que o Canal do Suez continuar inoperacional há uma perda de mais de 7,6 mil milhões de euros em mercadorias que deveriam passar naquele estreito.
Ao impedir o fluxo normal naquele estreito, as cadeias de abastecimento de todo o mundo podem ficar comprometidas.
"Se o Canal de Suez permanecer bloqueado por mais três ou cinco dias,
isso irá começar a ter ramificações globais muito sérias", afirmou Niels
Madsen, vice-presidente de produtos e operações da consultoria
dinamarquesa Sea-Intelligence, em declarações à agência Reuters.
A Autoridade do Canal de Suez (SCA) do Egito garante que está fazer todos os possíveis para desencalhar o navio com recurso a dragas e escavadoras, refere a BBC.
O estreito marítimo é uma fonte de rendimentos essencial para o Egito, que recebeu no ano passado 4,7 mil milhões de euros em taxas.
Para já, o acidente provocou um aumento do preço do petróleo Brent devido aos receios em relação ao abastecimento internacional, e já ultrapassa os 53 dólares por barril.
Contornar o continente africano é uma solução
De acordo com a Agência de Energia dos Estados Unidos, os fluxos totais de petróleo que passam através do Canal de Suez e do oleoduto SUMED (construído no próprio Golfo de Suez) representaram cerca de nove por cento do petróleo mundial total comercializado por mar e oito por cento do gás natural liquefeito.
Ainda quanto ao petróleo, outro grande impacto poderá ser sobre os produtos petrolíferos, nomeadamente as exportações de nafta (derivado de petróleo) da Europa para a Ásia.
“Cerca de 20 por cento da nafta do continente asiático é fornecida pelo Mediterrâneo ao Mar Negro através do Canal do Suez”, explica Sri Paravaikkarasu, responsável de petróleo da FGE, citado pela agência Reuters, acrescentando que os navios que fazem a rota a partir do Cabo da Boa Esperança podem demorar cerca de mais duas semanas na viagem e representam um consumo de combustível muito superior para os petroleiros.
Ao usarem o Canal do Suez para fazerem a ligação entre Europa e Ásia, as transportadoras evitam milhares de quilómetros que obrigam à passagem pelo extremo sul do continente africano.
Este é um fator importante, uma vez que o combustível é o maior custo individual no transporte marítimo e representa até 60 por cento das despesas operacionais.
Duas grandes companhias de navegação que ligam a Ásia e a Europa, a Maersk e a Hapag-Lloyd,
adiantaram que estão à procura de outras opções para evitar o Canal de
Suez. Nos últimos dias, houve uma subida de 70 por cento das taxas exigidas pelas empresas de transporte marítimo que operam entre os dois continentes, adianta a Reuters.
Mesmo assim as transportadoras equacionam agora perante a incerteza no Suez, contornar o continente africano através do Cabo de Boa Esperança, ou ainda o envio de algumas das mercadorias por comboio.
Em declarações à Reuters, um responsável adiantou que, em alguns
casos, a abordagem deverá passar apenas por aguardar a resolução da
situação, pelo menos até uma muito aguardada subida da maré no próximo
domingo.
c/ agências