Caminho de Santiago. Peregrinas queixam-se de assédio sexual "aterrorizante"

por Carla Quirino - RTP
Susana Vera - Reuters

Pelo menos nove mulheres revelam ter enfrentado, nos últimos cinco anos, situações de assédio sexual "aterrorizante" em áreas rurais espanholas, portuguesas e francesas do Caminho de Santiago. Contam que enquanto caminhavam sozinhas foram abordadas, assediadas e mesmo perseguidas, o que as fez "temer pela vida".

As várias rotas do Caminho de Santiago ganharam popularidade nos últimos anos. Só no ano passado registou-se um máximo histórico, com cerca de 446 mil pessoas a percorrerem-nos. Mais de metade foram mulheres, atingindo os 53 por cento, de acordo com números do Governo central espanhol na Galiza.

Embora a viagem seja geralmente combinada entre pequenos grupos de peregrinos, há também quem prefira percorrer o Caminho sozinho.

Foi o caso das nove mulheres que revelaram testemunhos perturbadores durante a caminhada. Todas iam sozinhas.
"Assédio sexual é endémico no Caminho”
Os diferentes relatos dizem respeito aos últimos cinco anos. Foram recolhidos pelo jornal britânico The Guardian. Entre os vários tipos de assédio, umas falam em ter enfrentado homens a masturbar-se e a importuná-las, outras descrevem perseguições ao longo do Caminho. Noutro caso, um homem abordou uma caminhante de carro ao longo de uma estrada insistindo para que ela entrasse. Uma outra mulher disse que se "defendeu de toques indesejados e comentários obscenos de vários homens".

Além das abordagens mais agressivas que as fizeram "temer pela vida", as mulheres também são vítimas de comentários “desagradáveis” constantes, revelam.

Os incidentes ocorreram em etapas remotas e quase desertas do Caminho, que se estende por quase 800 quilómetros de St. Jean-Pied-du-Port, perto de Biarritz, em França, até Santiago de Compostela, na Galiza, em Espanha.

Lorena Gaibor, fundadora do Camigas, um fórum online para mulheres peregrinas, afirmou que "o assédio sexual é endémico no Caminho. Durante todo o ano recebemos relatos de mulheres passando pelas mesmas coisas".

De acordo com a publicação britânica, uma mulher de 25 anos identificada como Rosie contou que estava a caminhar numa rota florestal em Portugal durante o verão quando se deparou com um homem sem calças a masturbar-se à sua frente.

Rosie descreveu o incidente como "aterrorizante" e relatou que a polícia local não atendeu o telefone quando ela ligou para pedir ajuda. "Eu senti-me completamente sozinha", acrescentou.

Para Marie Albert, jornalista e escritora feminista, existe um "tabu" em torno das alegação de que as rotas não são seguras para as mulheres. Corrobora então com a sua própria experiência reportando diversas agressões durante a jornada jacobina de 2019.

Um homem agarrou-a e tentou beijá-la, outro masturbou-se à frente de Marie. Sofreu ainda perseguições. Acrescenta que, “em algumas ocasiões, os assediadores eram companheiros peregrinos” com quem se cruzava.

“O Caminho é tão incrível, porque é tão difícil, tão desafiador fisicamente e tão desafiador mentalmente", descreve Rosie. Porém, “há este elemento extra que as mulheres peregrinas enfrentam. O problema de insegurança enorme, que afeta completamente toda a nossa capacidade de enfrentar esses outros desafios ou aproveitá-lo da maneira que outras pessoas fazem”.

Destas nove mulheres, apenas seis relataram os incidentes à polícia. Só num caso o perpetrador foi encontrado e processado.
Outros casos
Em 2018, uma mulher venezuelana de 50 anos foi alegadamente sequestrada e violada por dois homens enquanto caminhava pelo noroeste da Espanha.

No ano passado, a polícia espanhola prendeu um homem de 48 anos acusado de sequestrar uma peregrina alemã de 24 anos e de agredi-la sexualmente.

E em 2019 a polícia portuguesa deteve um homem de 78 anos que foi acusado de tentar violar uma caminhante, também da Alemanha. As autoridades nacionais garantiram que as patrulhas nas várias rotas do Caminho português foram intensificadas.
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