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Bruxelas.PT - Os Bancos da União Europeia

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 29 de setembro de 2023 | Foto: Heiko Becker - Reuters

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com o Rui Henrique Alves, Professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e ex-Coordenador do Núcleo de Economia e Finanças da Representação Portuguesa junto da União Europeia.

O Banco Central Europeu
Qual é o papel do Banco Central Europeu?

O papel do Banco Central Europeu é muito simples: está definido nos seus estatutos e está definido no Tratado da União Europeia que o objetivo do Banco Central Europeu é garantir a estabilidade dos preços. Garantir a estabilidade dos preços é uma expressão que, em termos mais preceptivos, se traduz em garantir que não há inflação elevada.

Os Tratados não referem um número, mas o Banco Central Europeu definiu, já há muito tempo, que a tradução prática dessa estabilidade significava termos uma taxa de inflação que deve andar pelos dois por cento. Até 2022 a expressão era “próxima, mas abaixo dos dois por cento” e em 2022 mudou, e bem, para “dois por cento”.

Isto quer dizer que é tão preocupante que esteja muito acima dos dois por cento como muito abaixo dos dois por cento. Porquê esta preocupação? Porque é que uma taxa de inflação de dois por cento pode ser considerada como boa ou normal, e uma taxa de inflação de cinco por cento ou 10 por cento já não?

A questão tem a ver com a credibilidade da moeda e pode ser posta desta maneira: imaginemos uma nota de 100 euros que hoje compra exatamente 100 euros; se daqui a um ano os preços tiverem aumentado dez por cento, a nota de 100 euros já só compra o equivalente a 90 euros de hoje; e se continuarmos a 10 por cento todos os anos é fácil fazer as contas e chegarmos conclusão de que em muito pouco tempo a nota de 100 euros compra quase zero.

Ora, a única maneira de nós aceitarmos usar dinheiro nas transações é realmente termos a garantia que o dinheiro vale para as fazermos, e com uma taxa de inflação baixa esses problemas não se levantam. É, portanto, uma questão de credibilidade e de bom funcionamento da economia.

E essa credibilidade da moeda consegue-se com uma taxa de inflação de dois por cento?

Pode depois discutir-se se dois por cento é melhor do que três ou do que um. Essa é uma outra questão. Mas o objetivo do Banco Central Europeu é o de manter a inflação, no médio prazo, em dois por cento, nem acima nem abaixo.

Portanto, o Banco Central Europeu tem de manter essa taxa de dois por cento, ou fazer com que regresse aos dois por cento, e usa a subida das taxas de juro para isso?

Interessa, provavelmente, dizer – até para as pessoas perceberem melhor – porque é que, apesar das dificuldades que se criam com esta situação de se estar sucessivamente a subir as taxas de juro, o Banco Central Europeu o faz sem preocupações com outras questões.

Por exemplo, os números mais recentes das evoluções das economias europeias mostram que, enfim, tirando alguns casos esporádicos como foi o de Portugal no primeiro trimestre de 2023, a situação a nível económico não está a correr assim tão bem, e, no entanto, o Banco Central Europeu continuou a subir as taxas de juro.

Bom, tipicamente em termos de bancos centrais europeus, há dois grandes modelos que se podem considerar. Há um chamado modelo franco-britânico, se quisermos, que é o do Banco Central da Inglaterra e sobretudo, é o do Banco Central dos Estados Unidos, que tem um objetivo que não é o único: preocupa-se com a estabilidade dos preços mas também se preocupa com o nível de emprego ou o nível de crescimento da economia ou com outros indicadores mais reais.

E depois há o modelo alemão, que era o modelo do Banco Central Alemão antes da moeda única, que tem como preocupação exclusiva a estabilidade dos preços, portanto, a taxa de inflação. É este o modelo do Banco Central Europeu.

A que é que isto nos leva? Leva-nos a que o Banco Central Europeu é obrigado, pelos seus estatutos, a reagir às mudanças na taxa de inflação se ela se afastar – não é se afastar de um mês para o outro, necessariamente – mas se a expectativa for para que se afaste muito para cima ou para baixo dos dois por cento. Por exemplo se estiver a cinco por cento e pensarmos que se vai manter muito tempo acima dos dois por cento, então – levando isto um bocadinho ao exagero – o Banco Central Europeu praticamente é obrigado a atuar nem que toda a gente esteja a morrer à fome. Porque o único objetivo do Banco Central Europeu é esse.

E é esse o modelo que tem sido seguido?

E é esse o modelo do Banco Central Europeu e, portanto, do ponto de vista legal e jurídico, o Banco Central Europeu é obrigado a atuar assim.
O modelo decidido pelos políticos
Mas há sempre uma questão que é importante esclarecer: foi o Banco Central Europeu que decidiu que tinha de atuar desta forma e com este modelo, sempre que a inflação se afasta dos dois por cento, ou foram os políticos, os Chefes de Estado e de Governo, os Estados-Membros da União Europeia?

A única coisa que o Banco Central Europeu decidiu foi que a estabilidade dos preços exigia uma taxa de inflação em dois por cento. Decidiu o número, por assim dizer. Mas quem decidiu que o único objetivo do Banco Central Europeu era a estabilidade dos preços foram os políticos quando assinaram o Tratado de Maastricht. Quem decidiu o design da União Económica e Monetária Europeia não foi o Banco Central Europeu, foram os políticos.

É por isso que eu, às vezes, vejo com alguma curiosidade alguns políticos a dizer que o Banco não devia atuar assim mas devia olhar para o que se passa a nível da economia, do emprego e da vida das pessoas antes de tomar as decisões. Eu não podia estar mais de acordo com eles – porque, por acaso, até defendo mais o outro modelo – mas a verdade é que o modelo do Banco Central Europeu é este e, portanto, enquanto não for mudado, é este.

Mas pode ser mudado?

Pode, mas será muito difícil. Basicamente este modelo foi imposto pela Alemanha como uma forma de aceitar a moeda única e mudá-lo poderia levar a questões da própria credibilidade do Banco e, portanto, será muito difícil.

O que eu acho que às vezes se pode fazer, e não se tem feito, é explicar melhor a situação às pessoas. A mim, custa-me a ver, por exemplo, que se faça uma pergunta à presidente do Banco Central Europeu – como até uma jornalista portuguesa já fez – sobre o que é que acontece aos portugueses e ela, quase dizer – perdoem-me a expressão – que se lixem os portugueses.

Bom, não é assim. Obviamente, tem de se mostrar que se tem noção das consequências das decisões.

Mas de acordo com este modelo, mesmo tendo noção da consequência das decisões, tem de as tomar?
 
Sim, mas pode explicá-las sem ofender as pessoas, digamos assim. Eventualmente tentar incentivar os Governos a encontrar maneiras de ajudar as pessoas a ultrapassar um momento mais complicado. Isto em vez de se dizer, como a senhora Lagarde, que os Governos devem esquecer as medidas de apoio porque são prejudiciais. É preciso ter também alguma consciência social nestas questões.
Os países da moeda única
Mas sendo um Banco Central Europeu e que tem o objetivo de manter a estabilidade da moeda única, o certo é nem todos os países da União Europeia fazem parte da moeda única. As decisões do Banco Central Europeu aplicam-se aos 27?

As decisões do Banco Central Europeu aplicam-se apenas aos 20 membros da moeda única. Claro que como o Banco Central Europeu é um banco muito importante e estamos a falar de 20 de 27, num espaço que está extremamente integrado, por isso é natural que as decisões do Banco Central Europeu também acabem por, de algum modo, afetar as decisões que outros vão tomar. Mas são mais independentes, não são obrigados.
O Banco Europeu de Investimento
Para além do Banco Central Europeu, na Europa existe o Banco Europeu de Investimento. Para que serve o Banco Europeu de Investimento?

O Banco Europeu de Investimento não é bem uma Instituição da União Europeia, mas é uma quase Instituição da União Europeia. É visto como o “braço armado” da União Europeia para apoiar financeiramente empresas, países e projetos de investimento.

Apoiar não no sentido mais tradicional – por exemplo, da política de coesão, que funciona com subsídios a fundo perdido – mas no sentido de, perante projetos que podem ser economicamente viáveis e que teriam dificuldade em encontrar financiamento por outra via, o Banco Europeu de Investimento apresentar-se como o financiador para esses projetos, ou até participar no capital, pelo menos inicialmente, das empresas que vão desenvolver os projetos.

Mas empréstimos em condições mais favoráveis?

Em condições mais favoráveis e, naturalmente, a participação no capital será feita de uma forma provavelmente mais simples do que aquela que a empresa conseguiria se tentasse arranjar outros associados.

Mas é para empresas, para o Estado, para particulares?

Tem funcionado para essas várias categorias. Ou seja, os Estados têm recorrido a empréstimos junto do Banco Europeu de Investimento. É muito frequente, por exemplo, os municípios recorrerem a empréstimos com juros favoráveis. Mas as empresas também podem apresentar projetos de investimento e serem financiadas, quer através do Banco propriamente dito, quer através de uma espécie de sucursal do Banco que é o chamado Fundo Europeu de Investimentos. Um fundo que está mais dedicado às áreas nas quais atuam, por exemplo, as pequenas e médias empresas.

Mas sempre em contrapartida da apresentação de projetos?

Sempre em contrapartida da apresentação de projetos e sempre nesta dupla vertente: ou é um empréstimo – há que o reembolsar, há que pagar juros etc, etc – ou é através de participação no capital, o que significa que parte dos lucros vão também para quem participa e tendo em conta que não é a tarefa do Banco Europeu de Investimento estar continuamente como acionista, portanto, um dia ele sairá. Mas é uma entidade com um poder de fogo bastante interessante.

Para as PMEs portuguesas tem sido interessante.

Eu julgo que quer para as PMEs portuguesas quer para o Estado Português. Já falei nos municípios, mas há também projetos interessantes que têm sido desenvolvidos graças ao Banco Europeu de Investimento. O Banco está agora mais direcionado, por exemplo, para as questões climáticas e quer ser o Banco do clima da União Europeia.

Com os tais Empréstimos Verdes?

Sim, e foi pioneiro nesse lançamento, já agora, dos chamados Green Bonds. É de facto um Banco muito interessante, muito inovador. E para aqueles portugueses – eu não os quero incentivar a fugir do país – mas, para aqueles portugueses que gostarem de uma carreira na área bancária financeira, o Banco Europeu de Investimento pode ser uma escolha interessante.


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