Bruxelas.PT - O processo de decisão

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 22 de setembro de 2023 | Foto: Daina Le Lardic © European Union 2018 - Fonte: EP

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com o Embaixador Pedro Lourtie, Representante Permanente de Portugal junto da União Europeia

O processo de decisão
Como se constrói uma lei europeia? Que instituições participam no processo?

Na União Europeia existem leis que se chamam, na maior parte das vezes, diretivas e regulamentos.

Os projetos dessas leis são apresentados pela Comissão Europeia e, na grande maioria, o Conselho da União Europeia – a Instituição da União Europeia que reúne os 27 Estados-Membros – e o Parlamento Europeu recebem essas propostas.

Propostas que vêm da Comissão?

Essas propostas vêm da Comissão e começam a ser negociadas dentro de cada uma das duas Instituições.

Para Portugal, isto pode não parecer muito intuitivo, porque nós temos no nosso processo legislativo apenas uma câmara parlamentar que é a nossa Assembleia da República. Por isso, na prática, o Conselho e o Parlamento Europeu funcionam como duas câmaras. Cada uma chega a um acordo.

Nós, na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, representamos primordialmente os interesses portugueses no Conselho. Representamos o Estado Português porque é o Governo Português que tem assento no Conselho.

Há uma primeira negociação que é feita a nível técnico e de peritos, mas há sempre algumas matérias em que é mais difícil chegar a um acordo. Essas matérias vão para o nível superior que é o nível dos Embaixadores. Os Embaixadores tentam chegar a um acordo sobre aquelas matérias para as quais que não foi possível chegar a um acordo a um nível inferior.

Nível inferior será, portanto, o nível dos especialistas.

Sim, especialistas e conselheiros, primeiro, e só depois há intervenção dos Embaixadores. E quando o acordo não se consegue alcançar a esse nível, o tema sobe ao nível dos Ministros, ao Conselho. E o Conselho reúne em várias formações. São 10 formações, com ministros de diversas áreas: formação com os ministros da agricultura, formação com os ministros do ambiente, formação de negócios estrangeiros, entre outras.

Obviamente, este é um trabalho que tem um fluxo normal, sendo que o acordo final é sempre aquele que é atingido a nível de Ministros. Mesmo quando os conselheiros ou os peritos ou os Embaixadores chegam a acordo, esse acordo é sempre provisório, porque tem que ser validado com os Ministros.

E isto leva-nos à segunda etapa: é que o Parlamento Europeu, entretanto, também esteve a negociar - aí já não entre os Estados-Membros, porque o Parlamento Europeu negoceia entre os parlamentares eleitos diretamente pelos cidadãos – e o Parlamento Europeu também chega a uma posição sobre essa mesma diretiva, sobre esse mesmo regulamento.

Depois é preciso que as duas Instituições cheguem a acordo e, para isso, há um processo negocial entre as duas. É o acordo que sai desse processo que depois dá lugar à diretiva.
O papel do Conselho Europeu
A Comissão Europeia, Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia são as três Instituições que participam sempre num processo legislativo?

Na verdade, nós estamos aqui a ultrapassar um pouco a forma mais estruturada porque há uma outra Instituição – que não participa do processo legislativo e que já existia informalmente – que foi criada pelo Tratado de Lisboa, que é o Conselho Europeu. Os nomes são parecidos Conselho da União Europeia, por um lado, onde estão os 27 Estados-Membros, e depois Conselho Europeu.

E quais são as diferenças entre o Conselho da União Europeia e o Conselho Europeu?

No Conselho Europeu, de certo modo também estão os 27 Estados-Membros, mas antes de mais os membros do Conselho Europeu são os Chefes de Estado e de Governo dos 27 Estados-Membros. É, de facto, uma Instituição onde não é o Estado-Membro que está representado, mas sim a própria pessoa, o Chefe de Estado ou de Governo. No caso português é o Primeiro-Ministro português. No caso francês é o Presidente francês. No caso alemão é o Chanceler alemão. Essa Instituição tem uma importância crucial do ponto de vista político, mas não participa diretamente no processo legislativo. É uma Instituição que dá orientações, marca o rumo da União Europeia.

Essas orientações são dadas através de conclusões, porque cada vez que o Conselho Europeu reúne acorda um texto de conclusões – que na prática são orientações para a União Europeia, para as suas Instituições – e pode tomar certas decisões.

Porque é que tem tido um papel, hoje em dia, muito visível? Bom, por um lado, porque reúne o nível político ao seu mais alto nível, através dos Primeiros-Ministros ou dos Presidentes dos Estados-Membros, por outro lado porque tem sido tipicamente a Instituição que resolve as grandes crises da União Europeia.

Isto é verdade agora com o que se está a passar com a guerra na Ucrânia, por exemplo. Muitas das decisões mais difíceis acabam por ir ao Conselho Europeu, apesar de, por vezes, a competência ser até do Conselho da União Europeia, mas essas questões acabam por passar pelo Conselho Europeu para que tenham a chancela, o aval dos líderes executivos.

E já agora, o Conselho Europeu decide sempre por unanimidade ou quase sempre por unanimidade, com algumas exceções. Foi assim no caso da COVID-19, porque muitas das decisões que a União Europeia tomou para gerir a crise da COVID-19 também foram tomadas pelo Conselho Europeu. Foi assim no caso da crise financeira de 2009 a 2012, onde também o Conselho Europeu também foi chamado para responder.

Mas só é chamado para responder, para conseguir um acordo, quando não é possível alcançá-lo antes, ao nível dos Embaixadores, ao nível dos peritos ou dos técnicos? Ou também é chamado a intervir porque o tema impõe uma reunião dos Chefes de Estado e de Governo?

Pelas duas razões. Desde logo, o Conselho Europeu reúne sempre, no mínimo, quatro vezes por ano, duas vezes em cada semestre. Por isso tem reuniões regulares e, também por isso, é natural que os grandes temas da atualidade acabem por ser sempre discutidos pelos Chefes de Estado e de Governo nessas reuniões regulares, mesmo quando não existe uma crise iminente ou uma situação urgente.

Acontece, muitas vezes, o Conselho Europeu dar orientações ou pedir, por exemplo, que a Comissão Europeia possa apresentar uma proposta numa determinada matéria, proposta essa, que, uma vez apresentada é depois negociada no Conselho da União Europeia e no Parlamento Europeu.

A arquitetura institucional da União Europeia, não é complicada, mas é verdade que as designações das Instituições por vezes não ajudam.

Sendo que há um Presidente do Conselho Europeu e uma Presidência Rotativa do Conselho da União Europeia.

É verdade, e essa parte também não facilita o entendimento. O Conselho da União Europeia tem uma Presidência rotativa, de seis em seis meses, e provavelmente lembram-se que Portugal, em 2021, exerceu essa Presidência.

O Conselho Europeu tem, de facto, um Presidente permanente que é eleito entre os membros do Conselho Europeu. É eleito por um mandato de dois anos e meio, renovável por uma vez. Essa decisão foi tomada quando o Tratado foi revisto e por várias razões, e uma das razões é, seguramente, porque se trata de uma tarefa a tempo inteiro. O número de vezes que o Conselho Europeu é chamado a atuar implica que alguém possa organizar, gerir e presidir a tempo inteiro a essas tarefas: Mas também por uma questão de representação. O Presidente do Conselho Europeu tem responsabilidades de representação da União Europeia ao mais alto nível, nomeadamente nas áreas de política externa. E é verdade que, para os países que lidavam com a União Europeia, – os países terceiros, os países fora da União Europeia – ter um Presidente novo de seis em seis meses causava alguma instabilidade, até porque nem sempre a linha era exatamente a mesma, e no dia 31 de dezembro era uma pessoa, mas no dia 1 de janeiro já era outra.

E por isso o Conselho Europeu tem de facto um Presidente permanente.
A eleição dos Presidentes
E já nos explicou porque é que esse lugar não é ocupado, obviamente por um dos Chefes de Estado e de Governo dos 27, por ser a tempo inteiro e por questões de representatividade até da própria União Europeia.

Ajude-nos a perceber, agora, como é que se elege o Presidente do Conselho Europeu. E já agora o Presidente da Comissão, porque existe a sensação de que os cidadãos votam para o Parlamento Europeu, mas não votam para eleger os outros Presidentes das outras Instituições.

Mas isso é injusto e fala-se muito, de facto, no déficit democrático da União Europeia. A democracia pode exprimir-se de várias maneiras, e eu não digo que a forma como ela se exprime na União Europeia seja a única forma possível. Mas voltando às Instituições da União Europeia, todas elas têm um substrato democrático, todas elas.
No Parlamento Europeu isso é mais evidente. Os parlamentares europeus são eleitos diretamente nas eleições para o Parlamento Europeu.

O Conselho da União Europeia é também uma Instituição democrática, porque quem nele está representado são os Governos, e os Governos foram eleitos. Por isso, cada vez que se elege um Governo em qualquer Estado-Membro da União Europeia, está também a eleger-se os representantes no Conselho da União Europeia, ou seja, quem vai tomar as decisões no Conselho da União Europeia. Por isso também é uma Instituição democrática.

Por vezes fala-se muito da Comissão. A Comissão tem obviamente poderes importantes porque é a única Instituição que pode apresentar propostas de lei, de legislação europeia. Mas o facto é que o Presidente ou a Presidente da Comissão é também eleito, indiretamente é verdade. O Presidente, neste caso a Presidente, da Comissão Europeia é eleita pelo Parlamento Europeu.

E existe um processo para essa eleição, a começar pela indicação de um nome para a Presidência da Comissão Europeia.

Esse nome é indicado pelo Conselho Europeu, onde estão reunidos os Chefes de Estado e de Governo, e depois é o Parlamento Europeu que elege quem vai presidir à Comissão. E tanto pode aceitar esse nome como não aceitar esse nome. O Presidente ou a Presidente da Comissão Europeia tem esse voto democrático, indireto é verdade, do Parlamento Europeu.

Os Comissários também passam por um voto democrático do Parlamento Europeu. Até agora, o que existe é que há um Comissário de cada nacionalidade. Esses Comissários são indicados pelos Governos Nacionais. O Governo Português indica o Comissário ou a Comissária de nacionalidade Portuguesa, mas esse nome tem de ser aceite. Primeiro pela Presidente da Comissão Europeia, e depois pelo Parlamento Europeu, que faz audições de forma muito detalhada. Por isso, o Parlamento tem um papel de controlo muito apertado.

E pode mesmo rejeitar a pessoa indicada como aconteceu no início da formação desta atual Comissão.

Sim, e pode rejeitar. E depois, finalmente, todo o chamado Colégio de Comissários – o Colégio de Comissários é o conjunto dos comissários – vai a votos no Parlamento Europeu e também tem de ser aprovado. Por isso, mais uma vez, é verdade, não são eleitos diretamente, mas são eleitos indiretamente pelo Parlamento Europeu.

No caso do Presidente do Conselho Europeu, ele é eleito pelos membros do Conselho Europeu, e todos os membros do Conselho Europeu são pessoas que têm uma enorme legitimidade democrática, são os Chefes de Estado e de Governo dos seus próprios países e por isso passaram por eleições internas, necessariamente.

A União Europeia é uma organização diferente, única no Mundo, mas é uma organização democrática porque todos os seus processos estão baseados, obviamente, em processos democráticos.

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