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Bruxelas.PT - As relações entre o Parlamento Europeu e os Parlamentos Nacionais

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 7 de julho de 2023 | Foto: Ale Conrado © European Union 2023 - Fonte: EP

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Bruno Dias Pinheiro, Membro Permanente do Secretariado da COSAC, uma Conferência Interparlamentar que reúne o Parlamento Europeu com as Comissões de Assuntos Europeus de todos os Estados-Membros da União Europeia e dos países candidatos.

As leis europeias
Que tipo de leis europeias existem?

As leis europeias que neste momento existem, de acordo com os Tratados, são as diretivas, os regulamentos e as decisões.
Além disso, há um conjunto de documentos que não são legislativos, como comunicações, documentos de orientação estratégica e consultas que também são importantes para o processo de tomada de decisão da União Europeia e ao qual os Parlamentos Nacionais prestam muita atenção.

Existe uma hierarquia entre as leis europeias e as leis nacionais?

Existe uma hierarquia entre as leis europeias e nacionais, sendo que o princípio que prevalece é o do primado das leis europeias.
Ou seja, as leis europeias têm sempre primazia sobre as leis nacionais que versem sobre as mesmas matérias, sendo que em caso de conflito prevalece sempre a lei europeia.

Mas havendo esse conflito como é que ele se resolve, será em Tribunais?

Se se chegar a isso a Comissão Europeia leva o Estado-Membro a Tribunal para que adapte a sua legislação nacional e fique conforme a legislação europeia.

Mas para evitar esse tipo de conflitos entre leis é que existe este trabalho, que é feito entre o Parlamento Europeu e a Assembleia da República. Como é que isso se processa?

O Tratado de Lisboa é frequentemente conhecido como o Tratado dos Parlamentos, não só porque trouxe ao Parlamento Europeu um conjunto de prerrogativas de codecisão – portanto, passou a ser legislador em pé de igualdade com o Conselho da União Europeia – mas também porque trouxe aos Parlamentos Nacionais um conjunto de poderes e prerrogativas, para precisamente, acompanharem o processo de tomada de decisão e de ação legislativa ao nível da União Europeia.

Os Parlamentos Nacionais o que fazem é, além da sua função tradicional, de fiscalizarem os seus Governos a nível nacional – ou seja, a Assembleia da República tem como função escrutinar, monitorizar e acompanhar aquilo que o Governo Português faz ao nível da União Europeia – os Parlamentos têm também a possibilidade de, diretamente aqui em Bruxelas, acompanhar esse processo de tomada de decisão desde uma fase o mais precoce possível.

Por isso os Parlamentos tomaram a decisão, há muito tempo, de criar uma rede de representantes em Bruxelas, pessoas como eu, funcionários dos Parlamentos, que foram destacados para estar aqui em permanência e acompanhar ao vivo e a cores aquilo que fazem as Instituições. Para quê? Para que depois, em relação a qualquer processo legislativo ou não legislativo, os Parlamentos tenham informação em primeira mão sobre aquilo que é feito em Bruxelas, sem estarem excessivamente dependentes apenas da informação que lhes é prestada a nível nacional pelos seus Governos.

Os Parlamentos Nacionais e o acompanhamento na formação das leis europeias
Isso implica acompanhar desde o início a formação de uma diretiva, implica saber o que é que ela pretende e implica também influenciar no sentido dos interesses portugueses?

Sim, isso implica primeiro desenvolver uma rede de contactos em Bruxelas que nos permita saber o que é que está a ser preparado. Quais vão ser as prioridades políticas da Comissão Europeia para o próximo ano.

Depois, e com base nessas prioridades políticas, informarmos o nosso Parlamento sobre aquilo que está a ser preparado e de acordo com a orientação política que o Parlamento nos der, acompanhamos determinados assuntos.

Por exemplo, em Portugal foi muito importante para a Assembleia da República acompanhar o desenho do instrumento de recuperação do Next Generation EU, como é que iam ser os planos nacionais, como é que ia ser desenhado. Durante o Brexit também foi muito importante acompanhar o que ia acontecer em termos de cidadãos e mobilidade. Portanto, o que nós fazemos é – por comparação – na fase em que tudo está a ser cozinhado, nós tentamos entrar na cozinha e perceber o que é que está a ser feito e quando é que os pratos são servidos. A ideia é que os nossos Deputados já saibam o que o menu contém para saber se gostam daquele menu.

Os nossos Deputados portugueses ou os Eurodeputados?

Portugueses. A função das pessoas que estão aqui a representar os Parlamentos é municiar os nossos Deputados nacionais com informação em primeira mão sobre aquilo que se faz em Bruxelas, para que eles possam, no exercício das suas funções de Deputados nacionais, acompanhar aquilo que o Governo Português faz e também interagir com o Parlamento Europeu nos dossiês que são importantes para Portugal.

E se for aprovada uma diretiva e depois se verificar que a lei nacional contraria essa diretiva? Já me disse que a lei europeia tem a primazia, mas depois há um processo de adaptação?

Há um processo de transposição da diretiva. Imaginemos que Portugal tem uma qualquer lei que é contrária àquilo que a diretiva prevê. Ora, este processo que eu lhe estou a descrever serve precisamente para que o Parlamento Nacional, que é o órgão legislativo por excelência, possa preparar-se para, quando for a altura de transpor a diretiva, adaptar o direito interno e conformar a legislação nacional portuguesa àquilo que a diretiva prevê.

Referiu-me – nesta imagem comparativa que estamos a usar – que os Deputados podem saber o que é que se está a cozinhar, mas podem intervir? Ou seja, os Deputados portugueses podem mesmo dirigir-se ao Parlamento e dizer “não, assim não queremos”?

Sim, o Tratado de Lisboa – que pela primeira vez contém um artigo que fala precisamente sobre o papel dos Parlamentos Nacionais em que diz que devem contribuir para o bom funcionamento da União Europeia e que os Governos Nacionais são democraticamente responsáveis perante os seus Parlamentos, incluindo na condução das suas políticas europeias – prevê que os Parlamentos Nacionais podem intervir de várias maneiras nomeadamente quando a Comissão Europeia apresenta uma determinada proposta legislativa. Existe um princípio que é um dos princípios informadores da integração europeia, que é o da subsidiariedade.

Esse princípio o que diz é que as decisões só devem ser tomadas ao nível da União Europeia se não puderem ser melhor tomadas ao nível dos Estados-Membros. Portanto, quando a Comissão Europeia apresenta uma proposta, esta proposta é transmitida a todos os Parlamentos Nacionais e estas câmaras parlamentares têm um período de oito semanas para dizer o que é que pensam sobre aquela proposta.

Podem emitir aquilo que se chama um parecer fundamentado, em que digam que aquela proposta em particular não respeita o princípio da subsidiariedade.

No fundo, esse parecer vai dizer à Comissão, à União Europeia que o que nós temos é melhor?

O que vai dizer, por exemplo, é que aquilo que a Comissão Europeia está a propor extravasa o âmbito do Tratado, extravasa o âmbito daquela política em concreto e que há um conjunto de medidas que serão melhor tomadas a nível nacional do que a nível europeu.

É um conceito jurídico mas que tem sempre, naturalmente, uma carga política muito grande de apreciação, porque cabe a cada Parlamento definir qual é o seu ângulo de análise.

Há uma espécie de analogia com o futebol. Há um cartão amarelo quando um terço dos Parlamentos Nacionais – ou um quarto, se for matéria dos assuntos internos – disserem que a proposta não é conforme a subsidiariedade. Neste caso a Comissão Europeia tem de parar, reanalisar e justificar. Este é o cartão amarelo.

Se for uma maioria de Parlamentos que diga que a proposta não é conforme, a Comissão Europeia tem de reanalisar e tanto o Conselho como o Parlamento Europeu podem, por maioria simples, dizer que a proposta, dado que há tanta oposição dos Parlamentos Nacionais, não tem condições de seguir. Este é o cartão vermelho.

Portanto, sim, respondendo à questão, existe uma forma direta dos Parlamentos Nacionais interagirem com as Instituições da União Europeia para dizer que não gostam de uma determinada proposta porque extravasa as competências, porque não respeita aquilo que é a tradição nacional ou porque os efeitos que vão ser alcançados estão muito para além daquilo que é o objetivo pretendido.
A transposição das leis europeias
Mas se essa proposta tiver um OK de todos os Parlamentos, vai ser necessário que cada um faça essa transposição. Esse é um período já previsto na própria diretiva?

Imaginemos que os Parlamentos dizem que a proposta é conforme com a subsidiariedade, mas, por exemplo, um Parlamento – o Parlamento alemão ou o Parlamento checo – tem outras questões que não são de subsidiariedade, mas são questões de natureza política ou sobre o impacto que a possível lei europeia vai ter naquele país e naquela sociedade.

Podem gradualmente ir acompanhando aquilo que o seu Governo faz no Conselho e, através desta rede que existe aqui em Bruxelas, acompanharem o que o Parlamento Europeu também faz. Isto porque as reuniões no Parlamento Europeu são reuniões à porta aberta, portanto, normalmente consegue-se ter um acesso muito maior do que nas reuniões do Conselho, que são à porta fechada.

Portanto, a nossa função aqui é também obter informação dos dois colegisladores para que, não só no período em que há negociação o Parlamento Nacional possa ver as suas posições atendidas, mas também para que, quando se chega à fase de transposição, que é a fase última do processo, seja possível transpor algo no qual participamos.

A lógica é esta: os Parlamentos Nacionais participam para melhorar o processo de decisão e o processo legislativo para que, quando chega a altura de transpor a diretiva, essa transposição seja o mais suave possível. Isto porque no processo que levou até lá, os Parlamentos participaram ativamente e puderam já ir preparando e fazendo, até, algumas adaptações.
Os temas prioritários desta legislatura
Quais foram os temas prioritários nesta Legislatura? Porque pensou-se muito, no início, na questão ambiental, na transição ecológica. Mas depois tivemos uma pandemia, agora temos uma guerra e também questões relacionadas com a inflação. Esse objetivo climático ficou, de alguma forma, para trás ou nem por isso?

Não, acho que a questão climática é transversal. Se nós recuarmos a julho de 2019, quando foi apresentado o programa da Comissão Europeia, era um dos pilares essenciais.

Naturalmente, com a pandemia, com o Brexit, com a guerra na Ucrânia, digamos que – em termos de agenda mediática – passou para um segundo plano, mas não em termos de importância estratégica e de alcance transversal e global para o futuro.
Esta Legislatura – e no momento em que estamos a falar falta cerca de um ano para terminar – fica eventualmente marcada pela questão da COVID-19.

Houve uma participação muito ativa dos Parlamentos tanto do Parlamento Europeu como dos Parlamentos Nacionais, não só nas medidas legislativas que tiveram de ser aprovadas em tempo recorde, mas também porque os Parlamentos foram, entre aspas, afetados pelo facto de não poderem reunir diariamente – os Parlamentos são, por definição, Instituições onde as pessoas se reúnem todas juntas, diariamente – e o facto de não poderem reunir diariamente implicou uma grande transformação.

E implicou também perceber como é que a nível da União Europeia e a nível nacional, a legislação ia ser adotada de forma muito rápida, com procedimentos de urgência, e como é que os Parlamentos desempenham a sua função, sendo confrontados com decisões que têm que ser tomadas de um dia para o outro.

Depois, a seguir, o grande tema foi o Next Generation EU, portanto, como sair da pandemia, do ponto de vista económico, de uma forma mais robusta. Hoje, olhando para trás, parece que foi uma discussão pacífica, mas não foi. Foi uma discussão bastante participada e bastante dividida.

Foram até precisas reuniões que duraram 5 dias e 4 noites.

Foi muito complexo, porque nós demos um grande salto em termos de integração europeia e de financiamento conjunto para responder às consequências de uma crise. E isso foi algo que os Parlamentos acompanharam, não só o desenho do Next Generation EU, mas também, como é que a seguir os planos nacionais iam ser desenhados.

E depois, além disso, houve mais dois ou três temas que foram importantes como a Conferência sobre o Futuro da Europa que foi um exercício que decorreu durante um ano e pouco e onde se discutiram todos estes temas de uma forma mais ou menos aprofundada.

Conferência que começou aliás, durante a Presidência Portuguesa da União Europeia.

Justamente, foi Portugal que conseguiu desbloquear o lançamento dessa conferência e que deixou um conjunto de recomendações que são, digamos, um menu para o futuro sobre como transformar a União Europeia.

Depois, a questão das migrações e asilo, que não é nova, não é desta Legislatura. E depois finalmente a questão do Brexit, que ocupou também a nossa Presidência Portuguesa de 2021.

E o que é que nos vai ocupar no futuro?

O que nos vai ocupar no futuro é, sobretudo, a questão da Ucrânia. A invasão russa da Ucrânia é um acontecimento que transforma a ordem internacional de forma irreversível. Antes da invasão russa da Ucrânia falava-se da defesa europeia de uma forma bastante tímida, agora fala-se de defesa europeia de uma forma bastante arrojada e ambiciosa.

A questão da resolução do conflito, do papel da União Europeia na arquitetura de segurança internacional, as relações da União Europeia com a NATO, que país será a Ucrânia um dia que acabe o conflito - será um país membro da União Europeia, será um país membro da NATO ou será um país que vai estar na órbita das duas organizações sem ser membro? – como é que nós alargamos a União Europeia depois disto – porque há neste momento vários Estados candidatos, alguns que já são candidatos há décadas, outros que viram o seu estatuto reconhecido num prazo muito curto, como a Ucrânia e a Moldávia.

A Ucrânia tem um efeito imediato de reposicionamento estratégico da União Europeia, mas tem um efeito duradouro em termos de consolidação do projeto e de integração de novos membros no curto prazo, no curto médio prazo.

Para consulta:

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