Bruxelas.PT - A Política de Migrações e Asilo: o acolhimento na União Europa
Episódio original publicado a 15 de setembro de 2023 | Foto: Hans Lucas Pictures - Reuters
Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Alfredo Sousa de Jesus, Conselheiro Político no Parlamento Europeu
Estamos a falar de condições muito difíceis. Ou seja, só para terem a noção de alguns dos valores – quando dizemos, por exemplo, que a Itália não está a acolher de forma eficiente ou que Malta não está a acolher de forma eficiente – estamos a falar de autoridades nacionais que são confrontadas com um número muito elevado de migrantes e refugiados a chegar. Estamos a falar agora, no ano em que estamos, na ordem de 800 mil pessoas por ano.
Para um país como Malta são números avassaladores, já nem se consegue imaginar o que é para um país como a Itália quanto mais para Malta.
Temos 800 mil pessoas a chegar, anualmente, e não podem simplesmente ficar em território nacional do país de entrada.
Até porque não há condições.
E é não só isso, repare, o que é importante aqui conhecer é o perfil das pessoas que fazem a travessia. Nós estamos a falar – de todos os refugiados e imigrantes que fazem a travessia – 75 por cento são homens e desses homens a esmagadora maioria tem entre 18 e 34 anos. E estamos também a falar de crianças não acompanhadas. Crianças não acompanhadas que não têm título de identidade, sequer.
Há todo um trabalho que tem que ser feito, inclusivamente um trabalho de caráter técnico com impressões digitais e etc…, para poder efetivamente fazer – a palavra provavelmente não será esta – mas uma separação, uma triagem. E porquê? Porque a realidade é que mais de 85 por cento destas pessoas, na realidade, infelizmente não preenchem as condições para permanecer em território europeu.
E é não só isso, repare, o que é importante aqui conhecer é o perfil das pessoas que fazem a travessia. Nós estamos a falar – de todos os refugiados e imigrantes que fazem a travessia – 75 por cento são homens e desses homens a esmagadora maioria tem entre 18 e 34 anos. E estamos também a falar de crianças não acompanhadas. Crianças não acompanhadas que não têm título de identidade, sequer.
Há todo um trabalho que tem que ser feito, inclusivamente um trabalho de caráter técnico com impressões digitais e etc…, para poder efetivamente fazer – a palavra provavelmente não será esta – mas uma separação, uma triagem. E porquê? Porque a realidade é que mais de 85 por cento destas pessoas, na realidade, infelizmente não preenchem as condições para permanecer em território europeu.
Ou seja, não precisam de proteção internacional.
Não precisam de proteção internacional.
Não precisam de proteção internacional.
Distinguir entre refugiados e migrantesMas isso significa que tem que haver, de facto, uma separação entre migrantes e refugiados. Os refugiados têm direito a proteção internacional e esses é que devem ser repartidos pelos outros Estados-Membros?
Tem que ser repartidos tanto os migrantes como os refugiados, para aliviar a carga que isso implica para o país de acolhimento, de primeira linha.
Depois, os países têm regras específicas que permitem integrar essas pessoas. Ou seja, alguns países exigem que o migrante, para poder entrar no seu território, tenha que ter um contrato de trabalho. Outros países não têm essa exigência. É só um exemplo.
Portugal, até hoje, tem sido relativamente imune à crise migratória, imune no sentido em que, por uma questão geográfica, não somos um país de primeira linha, de chegada de pessoas. No entanto, Portugal sempre se manifestou disponível para receber a sua quota-parte que resulta dessa redistribuição solidária dos migrantes. E há exemplos de sucesso de integração desses migrantes nas comunidades locais em Portugal.
Mas e aqueles que não têm mesmo o direito a ficar na Europa – porque não têm o contrato de trabalho, seja pelo que for – esses têm que voltar aos países de origem?
Sim. E isso é um dos grandes problemas com que a União Europeia se confronta, porque na realidade é um processo muito complicado, ou porque o país de origem não está minimamente interessado em receber novamente essas pessoas, ou porque é um processo administrativo e jurídico muito longo.
E porquê? Porque há um sistema de recursos – uma vez que a entidade nacional emite uma ordem de expulsão do território, por exemplo – há vários recursos jurídicos com efeito suspensivo e que fazem com que o migrante possa permanecer em território nacional durante esse processo. Em liberdade ou não, isso já depende da jurisdição de cada país.
Tem que ser repartidos tanto os migrantes como os refugiados, para aliviar a carga que isso implica para o país de acolhimento, de primeira linha.
Depois, os países têm regras específicas que permitem integrar essas pessoas. Ou seja, alguns países exigem que o migrante, para poder entrar no seu território, tenha que ter um contrato de trabalho. Outros países não têm essa exigência. É só um exemplo.
Portugal, até hoje, tem sido relativamente imune à crise migratória, imune no sentido em que, por uma questão geográfica, não somos um país de primeira linha, de chegada de pessoas. No entanto, Portugal sempre se manifestou disponível para receber a sua quota-parte que resulta dessa redistribuição solidária dos migrantes. E há exemplos de sucesso de integração desses migrantes nas comunidades locais em Portugal.
Mas e aqueles que não têm mesmo o direito a ficar na Europa – porque não têm o contrato de trabalho, seja pelo que for – esses têm que voltar aos países de origem?
Sim. E isso é um dos grandes problemas com que a União Europeia se confronta, porque na realidade é um processo muito complicado, ou porque o país de origem não está minimamente interessado em receber novamente essas pessoas, ou porque é um processo administrativo e jurídico muito longo.
E porquê? Porque há um sistema de recursos – uma vez que a entidade nacional emite uma ordem de expulsão do território, por exemplo – há vários recursos jurídicos com efeito suspensivo e que fazem com que o migrante possa permanecer em território nacional durante esse processo. Em liberdade ou não, isso já depende da jurisdição de cada país.
E é cada país que decide?
Sim, é cada país que decide esse tipo de situações.
Sim, é cada país que decide esse tipo de situações.
Em relação aos refugiados, esses têm um processo completamente diferente que é o pedido de asilo, que agora se quer até que seja mais rápido na resposta.
Completamente diferente. É um processo à margem, digamos, com normas diferentes. O problema principal é que efetivamente o número de entradas de migrantes e refugiados está a ser cada vez mais elevado e o número de migrantes que regressam ao país de origem, esse é cada vez menor.
Isto cria uma situação em que os migrantes são literalmente estacionados em campos de acolhimento. Todos já vimos as imagens desses campos, muitos deles até estão completamente sobrelotados, e os migrantes vivem durante meses nesses campos de acolhimento, na prática durante todo o tempo em que o processo de admissão está a ser tratado e investigado.
Recordo que muitos desses migrantes viajam, muitas vezes, sem qualquer documento de identidade.
Completamente diferente. É um processo à margem, digamos, com normas diferentes. O problema principal é que efetivamente o número de entradas de migrantes e refugiados está a ser cada vez mais elevado e o número de migrantes que regressam ao país de origem, esse é cada vez menor.
Isto cria uma situação em que os migrantes são literalmente estacionados em campos de acolhimento. Todos já vimos as imagens desses campos, muitos deles até estão completamente sobrelotados, e os migrantes vivem durante meses nesses campos de acolhimento, na prática durante todo o tempo em que o processo de admissão está a ser tratado e investigado.
Recordo que muitos desses migrantes viajam, muitas vezes, sem qualquer documento de identidade.
Parcerias com países terceirosMas mesmo assim é preciso termos em atenção que existem parcerias da União Europeia com países terceiros, tanto para evitar essas travessias –que muitas vezes são mortais – como para acolher, eventualmente, migrantes que não possam voltar ao país de origem.
Isso é fundamental, é um dos pilares da Política de Desenvolvimento. E não é só numa lógica de assistência aos países mas também de ajudar na origem do problema.
A União Europeia tem obviamente, acordos com vários países que estão na origem do problema dos migrantes – como é o caso da Síria e da Líbia – e depois fez acordos específicos com alguns países, que é o caso, por exemplo, da Turquia e, mais recentemente, da Tunísia. Nesses casos existe uma política para ajudar esses países a efetivamente diminuir, digamos, a necessidade pela qual as populações locais recorrerem às migrações.
Um ponto talvez de um certo paradoxo é que apesar de todas as críticas que ouvimos dentro da União Europeia, como é que a União Europeia funciona o nosso nível de vida etc., na realidade, continuamos a ser um exemplo e quase como que uma espécie de paraíso para esses migrantes que estão dispostos a perder a vida, a pagarem e a alimentarem um sistema de contrabando também impressionante e muito lucrativo, simplesmente para poder chegar e terem a oportunidade de entrar em território da União Europeia.
Isso é fundamental, é um dos pilares da Política de Desenvolvimento. E não é só numa lógica de assistência aos países mas também de ajudar na origem do problema.
A União Europeia tem obviamente, acordos com vários países que estão na origem do problema dos migrantes – como é o caso da Síria e da Líbia – e depois fez acordos específicos com alguns países, que é o caso, por exemplo, da Turquia e, mais recentemente, da Tunísia. Nesses casos existe uma política para ajudar esses países a efetivamente diminuir, digamos, a necessidade pela qual as populações locais recorrerem às migrações.
Um ponto talvez de um certo paradoxo é que apesar de todas as críticas que ouvimos dentro da União Europeia, como é que a União Europeia funciona o nosso nível de vida etc., na realidade, continuamos a ser um exemplo e quase como que uma espécie de paraíso para esses migrantes que estão dispostos a perder a vida, a pagarem e a alimentarem um sistema de contrabando também impressionante e muito lucrativo, simplesmente para poder chegar e terem a oportunidade de entrar em território da União Europeia.
Nova Lei de Migrações e AsiloO Conselho chegou à conclusão e ao acordo de que, eventualmente, aqueles países que até agora nunca quiseram receber migrantes e refugiados sobretudo – e que dizem que de futuro não o vão fazer – que podem optar por uma espécie de solidariedade flexível, ou seja, não os recebem, mas por cada um que não recebe pagam vinte mil euros (que vão para um fundo da União Europeia para trabalhar com a questão das migrações). Poderá esta ideia avançar, sobretudo aqui no Parlamento Europeu?
Esse valor é alvo de muitas críticas. Inicialmente a proposta que a Comissão Europeia tinha apresentado e que o Parlamento tinha aprovado, era uma proposta de redistribuição obrigatória, ou seja, basicamente com base no número de entradas era criado um critério, uma matriz, com base na capacidade de absorção, por exemplo, no mercado de trabalho dos 27 e definia-se uma percentagem de redistribuição para cada Estado-Membro. Ou seja, se entrassem 800 mil por ano, Portugal ficava com X Espanha ficava com Y e assim sucessivamente. Era um regime obrigatório que os Estados-Membros tinham que respeitar.
Mas ouve um não categórico por parte dos países a este sistema obrigatório e avançou-se para uma solução voluntária, ou seja, Portugal informa que está disposto a receber um X número de pessoas, os outros países fazem o mesmo, e os países que não querem receber migrantes acabam por contribuir financeiramente. É um mecanismo que, não sendo ideal, obriga todos os países a contribuir e a ajudar a aliviar a pressão dos países em primeira linha, contribuindo ou financeiramente ou recebendo os refugiados e os migrantes no seu território.
As negociações estão em curso, muito provavelmente até ao final deste ano poderemos chegar a um acordo. Um acordo que, basicamente, se estrutura em
três grandes partes. Primeiro, há um texto que define regras e a gestão de asilo e migrações, que é um texto basicamente assente na confiança mútua entre os países e que na realidade é uma atualização da Convenção de Dublin – que é conhecida porque é a Convenção que define qual é o país responsável para tratar do pedido de asilo em primeira instância.
Depois há também um regulamento sobre o processo de asilo, porque é importante que todos os países tenham um processo similar, porque senão –se os imigrantes se apercebem que seria mais fácil entrar por Portugal do que entrar por Espanha, por exemplo – passava a haver uma mudança dessa rota, porque as condições seriam mais favoráveis usando outras. Ou seja, tem que haver uma harmonização, uma uniformização da forma como cada Estado-Membro recebe e trata dos processos de asilo.
E por fim, há um chamado regulamento de crises. Ou seja, o fluxo é constante, mas para determinadas situações que são específicas, momentâneas ou temporárias…
Esse valor é alvo de muitas críticas. Inicialmente a proposta que a Comissão Europeia tinha apresentado e que o Parlamento tinha aprovado, era uma proposta de redistribuição obrigatória, ou seja, basicamente com base no número de entradas era criado um critério, uma matriz, com base na capacidade de absorção, por exemplo, no mercado de trabalho dos 27 e definia-se uma percentagem de redistribuição para cada Estado-Membro. Ou seja, se entrassem 800 mil por ano, Portugal ficava com X Espanha ficava com Y e assim sucessivamente. Era um regime obrigatório que os Estados-Membros tinham que respeitar.
Mas ouve um não categórico por parte dos países a este sistema obrigatório e avançou-se para uma solução voluntária, ou seja, Portugal informa que está disposto a receber um X número de pessoas, os outros países fazem o mesmo, e os países que não querem receber migrantes acabam por contribuir financeiramente. É um mecanismo que, não sendo ideal, obriga todos os países a contribuir e a ajudar a aliviar a pressão dos países em primeira linha, contribuindo ou financeiramente ou recebendo os refugiados e os migrantes no seu território.
As negociações estão em curso, muito provavelmente até ao final deste ano poderemos chegar a um acordo. Um acordo que, basicamente, se estrutura em
três grandes partes. Primeiro, há um texto que define regras e a gestão de asilo e migrações, que é um texto basicamente assente na confiança mútua entre os países e que na realidade é uma atualização da Convenção de Dublin – que é conhecida porque é a Convenção que define qual é o país responsável para tratar do pedido de asilo em primeira instância.
Depois há também um regulamento sobre o processo de asilo, porque é importante que todos os países tenham um processo similar, porque senão –se os imigrantes se apercebem que seria mais fácil entrar por Portugal do que entrar por Espanha, por exemplo – passava a haver uma mudança dessa rota, porque as condições seriam mais favoráveis usando outras. Ou seja, tem que haver uma harmonização, uma uniformização da forma como cada Estado-Membro recebe e trata dos processos de asilo.
E por fim, há um chamado regulamento de crises. Ou seja, o fluxo é constante, mas para determinadas situações que são específicas, momentâneas ou temporárias…
Como a questão da Ucrânia?
Precisamente. Para esses casos tem que haver procedimentos que permitam, na prática, gerir a situação de uma forma mais acelerada. E esse regulamento de crise também faz parte deste pacote.
Precisamente. Para esses casos tem que haver procedimentos que permitam, na prática, gerir a situação de uma forma mais acelerada. E esse regulamento de crise também faz parte deste pacote.
Para consulta:
- https://home-affairs.ec.europa.eu/policies/migration-and-asylum/common-european-asylum-system/temporary-protection_en
- https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/eu-migration-policy/
- https://eurocid.mne.gov.pt/politica-de-imigracao
- https://op.europa.eu/webpub/eca/special-reports/readmission-cooperation-17-2021/pt/index.html
- https://commission.europa.eu/eu-regional-and-urban-development/topics/cities-and-urban-development/priority-themes-eu-cities/inclusion-migrants-and-refugees-cities_pt