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Cimeira sobre Ucrânia no Reino Unido termina com aviso. "Precisamos urgentemente de rearmar a Europa"

Brexit concretizou-se há cinco anos. Estarão os britânicos arrependidos?

por Carla Quirino - RTP
Camiões de mercadorias parados na fronteira. Sevington Inland Border Facility, perto de Ashford Chris J. Ratcliffe - Reuters

A 31 de janeiro de 2020, pelas 23h00, horário de Londres - meia-noite em Bruxelas - o Reino Unido deixava oficialmente a União Europeia, após a adesão desde 1973 e o referendo de 2016. Os parlamentares britânicos deram a aprovação final ao texto que permitiu o abandono do bloco, numa votação histórica de 330 votos a favor e 231 contra.

Brexit é a abreviatura de “British Exit” ou em português “Saída Britânica”. E aconteceu, há cinco anos. O Reino Unido tinha-se divorciado da UE

A nação britânica acordou no primeiro dia de fevereiro dividida. Após quase cinco décadas de adesão que trouxeram livre circulação e livre comércio entre a Grã-Bretanha e outros 27 países europeus, regressavam as fronteiras.

Para quem apoiava o Brexit, o Reino Unido era agora uma nação soberana e dona do seu próprio destino. Para quem se opunha, considerava que o país se tornara isolado e diminuído.

Após cinco anos, muitas pessoas e empresas continuam a sentir os abalos económicos, sociais e culturais.

“O impacto foi realmente muito profundo”, sublinhou o cientista político Anand Menon, que lidera o think-tank "UK in a Changing Europe". “O Brexit mudou a nossa economia”, reiterou.

“E a nossa política também mudou bastante”, acrescentou. “Vimos uma nova divisão em torno do Brexit modificando a política eleitoral”, alegou Menon.
“Isto custou-nos dinheiro”
Ainda sob a liderança do conservador, David Cameron, um referendo em junho de 2016 sobre a permanência ou saída do Reino Unido do bloco ditou o caminho britâncio, com 52 por cento de votos a favor da separação.

Após a renúncia da primeira-ministra também do Partido Conservador, Theresa May, em 2019, Boris Johnson liderou a conclusão do processo. A 31 de janeiro de 2020, os britânicos abandonavam a UE mas sem acordo sobre o futuro do relacionamento económico com o bloco comunitário. Só ao fim de 11 meses, a concertação chegou na véspera de Natal de 2020.

O acordo comercial implicava que o Reino Unido deixasse o mercado único e a união aduaneira do bloco. Na prática, representava que embora os bens pudessem circular sem tarifas ou cotas, tinham agora que enfrentar uma nova burocracia fronteiriça, custos e atrasos para se concretizarem negócios comerciais.

Isso custou-nos dinheiro. Estamos definitivamente mais lentos e tudo é mais caro. Mas sobrevivemos”, disse Lars Andersen, proprietário de uma empresa sediada em Londres, My Nametags, que envia etiquetas coloridas para roupas infantis e materiais escolares para mais de 150 países.

Citado na agência noticiosa Associated Press, Andersen explica que teve de criar uma base na Irlanda, pela qual todos os pedidos destinados aos países da UE devem passar antes de serem enviados, isto para continuar a negociar com o bloco dos 27.

Para já, Andersen afirma que esta alteração valeu a pena, mas testemunha que outras pequenas empresas, ou mudaram a produção para fora do Reino Unido ou deixaram de negociar com a UE.
Depois veio a covid-19 e a invasão na Ucrânia
Nas contas dos defensores do Brexit (e abono da verdade, de ninguém) não estava contemplada uma pandemia seguida de uma guerra às portas da Europa. Um país que estava a reorganizar-se acabou por sofrer maiores impactos económicos com o somatório das dificuldades.

O mundo ainda se lembra das imagens que reportavam quilómetros e quilómetros de filas de camiões de mercadoria parados no acesso ao Eurotúnel, nos arredores de Folkestone e do Porto de Dover. 

Os controlos fronteiriços tinham voltado e exigiam que os motoristas apresentassem os passaportes e comprovativos do destino e tempo de permanência. A alfandega também passou a verificar alimentos, bebidas e produtos agrícolas, em ambas as direções.

O Gabinete de Responsabilidade Orçamental do Governo estima que as exportações e importações do Reino Unido serão cerca de 15 por cento menores a longo prazo, às que se verificariam se o Reino Unido tivesse permanecido na UE, assim como a produtividade económica, que será 4% menor.
Viagens com prazo e mais entraves

A liberdade de movimento acabou com o Brexit, afetando também turistas e viajantes de negócios.

Os portadores de passaporte britânico não podem mais usar as faixas "UE/EEE/CH" nos pontos de passagem de fronteira da UE.

Os brtânicos podem visitar a UE como turistas durante 90 dias em qualquer período de 180 dias sem precisar de visto, desde que tenham validade no passaporte, de pelo menos três meses, no momento do retorno.

Os cidadãos da UE podem permanecer no Reino Unido até seis meses sem precisar de visto, mas têm que ter o passaporte em dia, pois o Cartão de Cidadão deixou de servir em 2020.

Porém, em 2025 surgiram novas regras com mais entraves.

A partir de 8 de janeiro, os viajantes de países não pertencentes à UE, que até aqui não precisavam de visto para entrar no Reino Unido, passaram a precisar de pedir uma autorização pré-viagem – a ETA (Electronic Travel Authorisation) - Autorização Eletrónica de Viagem.

Mas as barreiras também aumentam para os cidadãos da União. A partir de 2 de abril de 2025, precisarão de obter este documento para entrar no Reino Unido.

O custo é de 10 libras (11,95 euros) não reembolsáveis e de acordo com a informação na página do Governo, o cidadão pode inscrever-se através da aplicação oficial online.  
Imigração
Foi o tema imigração que desencadeou o Brexit. A vontade de travar ou mesmo reduzir a entrada de mão-de-obra na Ilha foi uma das principais razões pelas quais muitos britânicos votaram para deixar a UE, mas curiosamente, hoje, a imigração é muito maior do que antes do Brexit porque o número de vistos concedidos para trabalhadores de todo o mundo disparou na Grã-Bretanha.

Entretanto, recentes sondagens à opinião pública demonstrou azedume face o Brexit, com a maioria das pessoas a acharem que foi um erro.

As eleições de julho de 2024 terão sido um sinal, ao darem ao Partido Trabalhista uma clara maioria sobre o Partido Conservador.

O primeiro-ministro, Keir Starmer, já  prometeu "reiniciar" as relações com a UE, mas descartou a possibilidade de voltar a aderir à união aduaneira ou ao mercado único. 

Starmer propôs-se a implantar algumas alterações mais simples como facilitar a circulação a artistas e o reconhecimento de qualificações de profissionais, bem como uma cooperação mais estreita em termos de aplicação da lei e segurança.
Amigos outra vez
De acordo com o Ministro do Comércio Douglas Alexander, citado na France24, o Brexit causou "perturbação significativa" no comércio do Reino Unido. 

É urgente uma recalibração da perspectiva global alega Alexander e para isso encontrou-se com o chefe da Organização Mundial do Comércio, em Genebra, esta semana. Em cima da mesa está uma estratégia comercial renovada do Reino Unido, com lançamento previsto para a primavera de 2025.

"Estamos muito interessados, como novo governo, em redefinir nosso relacionamento com os nossos amigos e parceiros na UE e também em continuar a celebrar acordos de livre comércio e novas oportunidades com mercados por todo o mundo", acentuou o ministro britânico.

"Os números continuam muito difíceis em termos das consequências comerciais imediatas pós-Brexit. A realidade é que 47 por cento do comércio do Reino Unido ainda é com a UE. Por isso, há uma urgência em redefinir o nosso relacionamento", concluiu Alexander.

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