Brasil vive pior momento da pandemia agravado por estirpe que preocupa o mundo

por Joana Raposo Santos - RTP
Na quarta-feira, o Brasil bateu o recorde de mortes diárias: 1840, o que representa 6,3 óbitos por milhão de habitantes. Bruno Kelly - Reuters

Quase um ano depois de um primeiro grande surto de Covid-19, o Brasil enfrenta agora uma nova vaga da pandemia. Esta semana registou um novo recorde, com mais de 1800 mortes diárias, e mantém-se no topo da lista de países mais afetados do mundo. Para piorar o cenário, os brasileiros lutam contra uma variante mais contagiosa e que consegue infetar pessoas já recuperadas de outras versões do vírus. Ainda assim, Jair Bolsonaro garante que nunca vai haver um confinamento geral.

Nenhuma outra nação que tenha experienciado um surto tão grande como o que o Brasil atravessa há já várias semanas continua ainda a lidar com números recorde de mortes ou com um sistema de saúde à beira do colapso.

O que diferencia o Brasil desses outros países é a presença de uma variante mais contagiosa, que surgiu no município de Manaus, capital do Estado do Amazonas, e que rapidamente começou a espalhar-se por outras cidades.

Estudos preliminares sugerem que esta estirpe do vírus não só é mais contagiosa como consegue infetar pessoas que já foram dadas como recuperadas de outras versões do novo coronavírus. São más notícias para o Brasil e, possivelmente, para o resto do mundo, uma vez que a variante de Manaus já passou as fronteiras e foi encontrada em mais de 20 países.

Apesar de ensaios clínicos de algumas das vacinas contra a Covid-19 indicarem que estas protegem da doença grave mesmo quando não impedem a infeção pela nova variante, a maioria da população mundial ainda não está vacinada, pelo que continua em risco. Na quarta-feira, o Brasil bateu o recorde de mortes diárias: 1840, o que representa 6,3 óbitos por milhão de habitantes. O número foi o pior do mundo nesse dia, superando mesmo o dos Estados Unidos, que registaram 5,8 por milhão de habitantes.

No Brasil, a estirpe de Manaus – conhecida por P.1 – já se encontra em 21 dos 26 Estados do país. “A aceleração da epidemia em vários Estados está a levar ao colapso dos seus hospitais públicos e privados, e isso pode rapidamente tornar-se a realidade em todas as regiões do Brasil”, alertou esta semana a Associação Nacional de Secretários da Saúde do Brasil.

Os secretários da Saúde dos vários Estados brasileiros divulgaram uma carta conjunta na qual afirmam que o país vive “o pior momento da crise sanitária” provocada pelo novo coronavírus e pedem maior rigor nas medidas, para evitar que a nação entre em colapso.

“Infelizmente, a distribuição anémica das vacinas e o ritmo lento ao qual elas ficam disponíveis ainda não permite sugerir que este cenário seja revertido a curto prazo”, lamentam.

O Brasil começou a vacinar grupos prioritários no final de janeiro, incluindo profissionais de saúde e idosos. O Governo tem, porém, falhado em conseguir garantir um número suficiente de doses. Até agora, apenas 5,8 milhões de brasileiros – o equivalente a 2,6 por cento da população total – receberam a vacina, segundo o Ministério da Saúde.

“Devíamos estar a vacinar mais de um milhão de pessoas por dia”, defendeu a pneumologista brasileira Margareth Dalcolmo, em declarações ao New York Times. “Mas não estamos, não por não sabermos como fazê-lo, mas porque não temos vacinas suficientes”, explicou, acrescentando que esta falha explica a grave situação que o país atravessa.
Bolsonaro rejeita hipótese de confinamento geral
Mesmo depois de o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ter dito na semana passada que o Governo estava a aumentar os esforços para conseguir vacinar metade da população até junho e toda a população até ao final do ano, muitos brasileiros têm pouca esperança num Executivo liderado por um Presidente sempre cético em relação à gravidade da pandemia.

Ainda na semana passada, Jair Bolsonaro voltou a desvalorizar o papel das máscaras, dizendo mesmo que estas são prejudiciais para as crianças por causarem dores de cabeça e dificuldades de concentração.

O líder continua também a opor-se a restrições que poderiam ajudar à descida da curva pandémica. “No que depender de mim, nunca teremos lockdown [confinamento geral]”, garantiu o Presidente na terça-feira, dia em que o país registou um recorde de mortes diárias por Covid-19.

“Nunca, uma política que não deu certo em lugar nenhum do mundo. Nos Estados Unidos vários Estados anunciaram que não têm mais [confinamento]”, argumentou, segundo o jornal Folha de São Paulo. “Não aguenta mais. O cara quando fecha uma empresa, 10, 12 pessoas mandadas embora, dificilmente arranja emprego novamente”.
Dezassete países limitam entrada de brasileiros
Mesmo que não venha a existir um confinamento geral, os governadores de cada Estado brasileiro podem adotar as restrições que acharem adequadas para conter o vírus. Em São Paulo, por exemplo, entra em vigor na sexta-feira a chamada “fase vermelha” do plano de combate ao SARS-CoV-2, com apenas os serviços essenciais a funcionar.

Apesar de Bolsonaro se recusar a adotar medidas mais rigorosas, o Brasil continua a ter de enfrentar também restrições externas, sendo atualmente um dos países que soma mais limitações de entrada noutros países.

Segundo a Folha de São Paulo, pelo menos 17 nações não permitem a entrada de brasileiros no seu território ou exigem quarentenas obrigatórias ou testes negativos à chegada.

O Brasil é o terceiro país mais afetado a nível de casos de infeção, com 10,7 milhões, e o segundo a nível de vítimas mortais (259 mil), sendo apenas superado pelos Estados Unidos. Até agora, 9,5 milhões de pessoas foram dadas como recuperadas.
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