A polícia do Estado brasileiro de Pará, no Amazonas, está a investigar a morte de um casal de pescadores e criadores de tartarugas e da filha adolescente, mortos a tiro junto de casa, na ilha da Cachoeira da Mucura, nas margens do Rio Xingu, perto da reserva indígena Apyterewa.
As vítimas são José Gomes, conhecido como Zé do Lago, de 61 anos, a mulher Márcia Nunes Lisboa, de 39, e a filha, Joane Nunes Lisboa, de 17. Os corpos já em avançado estado de decomposição foram encontrados domingo dia 9 de janeiro pelo filho e irmão dos mortos. Em torno foram encontrados 18 cartuchos de pistola 380. Imagens publicadas nas redes sociais mostram um corpo a flutuar no rio, outro caído nas margens e um terceiro descalço caído numa poça. A polícia confirma que ainda não identificou o móbil dos crimes.
O delegado José Carlos Rodrigues, da Polícia Civil, observou à imprensa que a localidade onde as vítimas moravam, a cerca de 80 km da área urbana e de difícil acesso, não é considerada uma região de conflitos rurais e que as vítimas não desenvolviam nenhuma atividade reconhecida como de risco, que “justificasse” a chacina.
As comunidades ribeirinhas mais isoladas do Amazonas complementam muitas vezes a sua dieta com tartarugas, pelo que o repovoamento realizado pelo casal Gomes e por projetos semelhantes é vital para manter a população e o habitat.
Em dezembro, num vídeo publicado pela imprensa local, Zé do Lago libertava um balde de tartarugas dentro do rio. “Estamos a repovoar o rio com estas tartarugas bebés para que no futuro os nossos filhos, netos e bisnetos possam continuam a capturar estes animais”, explicava.
A Prefeitura de São Félix do Xingu lamentou igualmente a morte de Zé do Lago, um “parceiro” do projeto Quelónios, nome igualmente dado às tartarugas, na APA [Área de proteção Ambiental] Triunfo do Xingu.
Inquérito célere
Inquérito célere
A Globo refere que estão a caminho de São Félix do Xingu equipas de
peritos e agentes da Divisão de Homicídios de Marabá, para reforçar as
investigações e que a Polícia Civil regressou ao local dia 11 e já ouviu
depoimentos e realizou apreensões. Será contudo ainda muito cedo para apontar as possíveis motivações do crime.
Uma das principais linhas de investigações é que o triplo homicídio possa ter relação com o projeto ambiental.
A SDDH, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, e a Comissão Pastoral da Terra, CPT, subscreveram um apelo conjunto a apelar ao esclarecimento atempado da chacina. Exigiram que ''todos os recursos à disposição das forças de segurança sejam utilizados para elucidar mais esse crime grave'' e que ''seja garantida a segurança de possíveis testemunhas e familiares que se sintam ameaçados''. “Fizemos um pedido à Secretaria de Segurança Pública do Estado, para que adote todas as providências necessárias, com o uso de todo o aparato institucional, a fim de identificar e responsabilizar os autores dessa barbárie, para que não seja mais um caso de impunidade aqui no nosso estado”, afirmou Nildon Deleon, advogado da SDDH, à Globo.
A CPT, organização ligada à Igreja Católica, referiu por seu lado à Folha de São Paulo que, “pelo tipo de arma, pela quantidade de tiros disparados, por não ter sido levado nenhum pertence da família, pela forma como os assassinos surpreenderam as vítimas não permitindo que ninguém corresse e tentasse escapar, trata-se de uma execução, provavelmente a mando de alguém”.
Num comunicado público, a Amnistia Internacional/Brasil exigiu que os autores da chacina sejam condenados.
“Os responsáveis pelos crimes devem ser identificados e levados à justiça com rapidez e eficiência”, defendeu a AI. “O Estado brasileiro tem a obrigação de conter a onda de violência e o ciclo de impunidade que se perpetuam na região do Amazonas e em todo o território nacional”.
Impunidade
As espectativas de identificar e de prender os assassinos de Zé do Lago e das suas mulher e filha, são muito escassas.
O Brasil foi considerado em 2020 o quarto país do mundo mais perigoso para ambientalistas e defensores de terras, de acordo com um relatório na ONG Global Witness. Quase três quartos dos 20 assassínios registados entre estes ocorreram num dos nove Estados do Amazonas. Regra geral os crimes não são resolvidos o que perpetua o ciclo de violência pela sensação de impunidade. O Governador do Estado, Helder Barbalho (MDB) interveio junto da Polícia Civil do Pará para ser aberto um inquérito ao caso dos Gomes, que chocou a comunidade.
O Pará é o Estado brasileiro mais fatal para os defensores de terras.
De acordo com a CPT, que vigia este tipo de violência, menos de cinco por cento das mortes relacionadas com conflito de terras chega aos tribunais. Em quatro décadas, 62 trabalhadores e líderes rurais foram assassinados em São Félix do Xingu, sem os crimes chegarem sequer a julgamento.
“Em maio de 2021, a CPT e a SDDH apresentaram à Segup (Secretaria de Segurança Pública) uma relação de nove líderes camponeses assassinados entre 2017 e 2021 apenas nas regiões sul e sudeste do Estado em que os crimes não tinham sido ainda esclarecidos e os responsáveis identificados e punidos. O secretário de Segurança Pública solicitou 15 dias para dar uma resposta mas, passados oito meses, nenhuma resposta foi dada”, acusou o comunicado das duas organizações.