Um dia após ser conhecida a acusação, são várias as reações nacionais e internacionais à implicação do jornalista norte-americano Glenn Greewald. Num caso que o jornal
The New York Times descreve, em editorial, como um evento em que se “atira ao mensageiro e ignora a mensagem”, multiplicam-se as reações de organizações não-governamentais e do próprio repórter.
Glenn Greenwald considera que a acusação constitui uma “retaliação do Governo de Bolsonaro”.
"O Governo de Bolsonaro e o movimento que o apoia deixaram bem claro que não acreditam na liberdade de imprensa”, acusa.
Numa nota partilhada no Twitter, o jornalista acrescenta que “há menos de dois meses, a Polícia Federal, examinando todas as mesmas evidências citadas pelo Ministério Público, declarou explicitamente que não apenas nunca cometi nenhum crime, como exerci extrema cautela e profissionalismo como jornalista", indicou Greenwald em comunicado.
"A denúncia (...) é uma tentativa óbvia de atacar a imprensa livre em retaliação pelas revelações que relatamos sobre o ministro Moro e o Governo Bolsonaro. É também um ataque ao Supremo brasileiro, que determinou em julho que tenho o direito de ter a minha liberdade de imprensa protegida face a ataques de retaliação do ministro Moro”, disse Gleen Greenwald.
“Não seremos intimidados por essas tentativas tirânicas de silenciar jornalistas”, completa.
No mesmo sentido, a equipa de defesa do jornalista norte-americano disse na terça-feira que recebeu “com perplexidade” a denúncia do Ministério Público Federal.
Trata-se de um expediente tosco que visa desrespeitar a autoridade da medida cautelar concedida, (...) do Supremo Tribunal Federal, para além de ferir a liberdade de imprensa e servir como instrumento de disputa política", declarou a defesa de Glenn Greenwald.
Os advogados do jornalista norte-americano, Rafael Borges e Rafael Fagundes, indicaram ainda que estão a preparar uma resposta judicial.
"O objetivo é depreciar o trabalho jornalístico de divulgação de mensagens realizado pelo The Intercep Brasil em parceria com outros veículos dos media nacionais e estrangeiros. Os advogados de Grenwald preparam a medida judicial cabível e pedirão que a Associação Brasileira de Imprensa (...) cerre fileiras em defesa do jornalista agredido", concluiu a defesa.
“Intimidar o jornalismo”
Edward Snowden, responsável por expor os programas de vigilância do Governo norte-americano, considera que a situação constitui um “alerta vermelho absoluto”.
“Trata-se de uma retaliação inacreditavelmente nua, por revelar corrupção extrema por parte dos níveis mais elevados do Governo e é uma ameaça existencial ao jornalismo de investigação no Brasil”, afirmou no Twitter.
No mesmo sentido, a organização Repórteres Sem Fronteiras considera que a acusação é absurda.
"A denúncia afirma que houve 'clara conduta de participação auxiliar no delito', com base em diálogos que apontam para a preocupação do jornalista em proteger o anonimato da fonte. A afirmação demonstra um profundo desconhecimento sobre o que é o jornalismo investigativo”, sublinha a organização.
A organização não-governamental de defesa dos jornalistas e de liberdade de expressão considera ainda que a acusação está a ser usada “como pretexto para retaliar e intimidar o jornalismo crítico” que vá contra “os interesses daqueles que ocupam espaços de poder".
A Amnistia Internacional entende que a denúncia contra Glenn Greenwald “soma-se a uma série de agressões que o Presidente Jair Bolsonaro tem praticado contra repórteres".
“Os Estados Unidos devem condenar imediatamente este ataque ultrajante contra a liberdade de imprensa e reconhecer que estes ataques (…) a nível nacional têm consequências para jornalistas norte-americanos que estão a fazer o seu trabalho no estrangeiro”, salientam.
Também a organização sem fins lucrativos norte-americana 'Electronic Frontier Foundation' (EFF - Fundação Fronteira Eletrónica, na tradução para português), defendeu o jornalista, declarando que a denúncia que Greenwald recebeu é uma "ameaça à democracia".
"É uma ameaça à democracia quando autoridades como o Governo brasileiro usam leis de cibercrime para ameaçar críticos como Glenn Greenwald, e desencorajam todos os jornalistas de usar a tecnologia para melhor servir o público", referiu no Twitter a organização de defesa da liberdade de expressão.
Também a ONG 'Freedom of the Press Foundation' - que tem como seu membro fundador o próprio Glenn Greenwald - fala em "tática de intimidação”.
“Essas acusações falsas são uma escalada doentia dos ataques autoritários do Governo Bolsonaro à liberdade de imprensa e ao Estado de Direito. Eles não podem ficar em pé", diz um comunicado assinado pelo diretor executivo da Freedom of the Press Foundation, Trevor Timm.
Trevor Timm escreveu ainda, num artigo de opinião do jornal
The Guardian, que esta acusação “cheira a autoritarismo” por parte das autoridades brasileiras.
“Todos os jornalistas devem ficar preocupados com o que isto significa para a liberdade de imprensa no quinto maior país do mundo”, acrescenta.
No campo político, destaque para a reação de Lula da Silva. “Minha solidariedade ao jornalista @ggreenwald, vítima de mais um evidente abuso de autoridade contra a liberdade de imprensa e a democracia”, escreveu no Twitter.
"A denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald é uma ameaça à liberdade de imprensa. Jornalismo não é crime. Sem jornalismo livre não há democracia", escreveu no Twitter o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, Rodrigo Maia.
Greenwald “orientou o grupo”
De acordo com a acusação, de 95 páginas, do Ministério Público Federal (MPF), os sete visados teriam sido autores de crimes relacionados com a invasão de telemóveis de autoridades brasileiras, prática de organização criminosa e branqueamento de capitais.
Para o MPF, Glenn Greenwald “auxiliou, incentivou e orientou o grupo durante o período das invasões". Para além do jornalista norte-americano, Gustavo Henrique Elias Santos, Luiz Molição, Suelen Oliveira, Walter Delgatti, Danilo Cristiano Marques e Thiago Elizer Martins Santos também estão implicados nestas acusações.
A denúncia, assinada pelo procurador Wellington Divino de Oliveira, alega que o grupo foi autor de crimes cibernéticos por meio de fraudes bancárias, invasão de dispositivos informáticos e branqueamento de capitais. O procurador refere mesmo que três dos indivíduos implicados faziam parte de uma organização criminosa denominada “Grupo de Araraquara” desde 2017.
O MPF explica na denúncia que o jornalista Greenwald não era alvo das investigações, mas que foi encontrado um áudio de uma conversa com outro suspeito, Luiz Molição, encontrado durante a análise de um computador portátil apreendido.
Para o procurador, Greenwald essa conversa comprova o envolvimento no crime, uma vez que o suspeito pede ao jornalista norte-americano terá ordenado que as mensagens trocadas com o outro suspeito fossem apagadas, o que constitui, para o Ministério Público Federal, uma “clara conduta de participação auxiliar no delito”, em que tentou “subverter a ideia de proteção a fonte jornalística” numa “imunidade para a orientação de criminosos”.
“Operação Spoofing”
Este caso está diretamente relacionado com as investigações da polícia sobre a invasão de telemóveis de atuais e ex-membros da Operação Lava Jato, a maior investigação contra a corrupção no Brasil, um caso que levou mesmo à prisão do ex-Presidente Lula da Silva.
A investigação em causa começou cerca de um mês depois da publicação do “Vaza Jato”, em junho de 2019. O conjunto de reportagens publicado no site The Intercept Brasil e outros media parceiros do país sustentam que o juiz Sergio Moro terá orientado os procuradores da Operação Lava Jato, algo que o juiz, atual ministro da Justiça do Governo de Bolsonaro, e os procuradores em causa negam.
Na sequência da investigação, a polícia brasileira realizou a “Operação Spoofing”, em que, de acordo com as autoridades, foram encontrados indícios da prática de pirataria cibernética.
Quatro dos acusados na terça-feira pelo Ministério Público Federal - Walter Delgatti Neto, Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Oliveira e Danilo Cristiano Marques – foram detidos no verão de 2019.
Entretanto, um deles, Walter Delgatti Neto, confessou à Polícia Federal que foi o responsável por atos de procuradoria cibernética contra procuradores da Lava Jato, tendo ainda admitido que entregou esse material ao site The Intercept.
Agora, segundo a nova acusação, os investigadores acreditam que o grupo pirateou telemóveis do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e do ministro da Economia, Paulo Guedes.