O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, propôs hoje que a União Europeia utilize os bens russos congelados - e não apenas os seus juros - para ajudar a Ucrânia, se Donald Trump retirar o apoio norte-americano quando for Presidente.
O alto representante da União Europeia (UE) para a Política Externa garantiu que a ajuda que as instituições comunitárias e os Estados-membros fornecem a Kiev, no seu conjunto, excede a dos Estados Unidos, mas que se for tido em conta o apoio militar, Washington "contribui com cerca de mais 25%".
"Substituir os Estados Unidos representaria, portanto, um esforço financeiro e industrial considerável que nos obrigaria a reconsiderar questões que já discutimos, como o que fazer com o dinheiro congelado da Rússia", declarou Borrell num debate no Parlamento Europeu sobre as consequências da vitória de Trump nas eleições presidenciais de 05 de novembro.
A UE decidiu utilizar os juros gerados pelo dinheiro congelado da Rússia para financiar militarmente a Ucrânia e para garantir o empréstimo de 50 mil milhões de dólares (47,3 mil milhões de euros) acordado pelo G7 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo + UE) em julho passado, mas se Trump retirasse a ajuda dos Estados Unidos, tal "não seria suficiente", disse Borrell.
"Nesse caso, estaríamos a entrar totalmente numa questão central, debatida e não resolvida, mas que estará em cima da mesa: o que fazer não com os rendimentos do capital, mas com o próprio capital", sustentou o chefe da diplomacia europeia.
Os Vinte e Sete optaram por não utilizar essas verbas devido às dúvidas legais que essa hipótese suscita. No entanto, a possibilidade de utilizá-las foi levantada na terça-feira pela futura substituta de Borrell, a ex-primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, durante a audição a que se submeteu no Parlamento Europeu.
Borrell disse ainda que a eleição de Trump deve servir para que a UE tome "plena consciência da necessidade de reforçar" a sua própria segurança, e, depois de recordar que este objetivo já foi abordado em 2017, após a sua primeira estada na Casa Branca, espera "que desta vez se concretize".
Nesse sentido, refutou Kallas, que na terça-feira afirmou que, enquanto a NATO (Organização do Tratado do Atlântico-Norte, bloco de defesa ocidental) "é uma organização militar" que deveria assumir a cadeia de comando no caso de uma guerra da Rússia contra os Estados-membros, a UE é uma organização de cooperação económica que deve concentrar-se em impulsionar a sua indústria de Defesa.
"A UE não é uma união económica, ou não é apenas uma união económica. E não se trata certamente de dizer que, de um lado, está a NATO para garantir a segurança e, do outro, a UE para se ocupar das questões económicas. Não. Desde [o Tratado de] Maastricht, a UE tem tido a vontade e a ambição de desenvolver uma política comum de segurança e defesa. A União tem responsabilidades militares", sublinhou Borrell.
O alto representante comunitário insistiu que a guerra na Ucrânia só pode terminar com uma paz que seja "justa e sustentável" e não mediante "um acordo entre os Estados Unidos de Trump e a Rússia de Putin, passando por cima da Ucrânia e da UE para colocar em cima da mesa um cessar-fogo que adie para mais tarde as discussões políticas".
"Temos de estar preparados para o que possa acontecer, com serenidade, vigilantes, mas sem dar a impressão de que estamos paralisados como um veado na noite, diante dos potentes faróis de um carro", defendeu Borrell.
A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas pró-russas no leste e "desnazificar" o país vizinho, independente desde 1991 - após o desmoronamento da União Soviética - e que tem vindo a afastar-se da esfera de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.
A guerra na Ucrânia já provocou dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, e os últimos meses foram marcados por ataques aéreos em grande escala da Rússia contra cidades e infraestruturas ucranianas, ao passo que as forças de Kiev têm visado alvos em território russo próximos da fronteira e na península da Crimeia, ilegalmente anexada em 2014.
No terceiro ano de guerra, as Forças Armadas ucranianas confrontaram-se com falta de soldados e de armamento e munições, apesar das reiteradas promessas de ajuda dos aliados ocidentais, que começaram entretanto a concretizar-se.
As tropas russas, mais numerosas e mais bem equipadas, prosseguem o seu avanço na frente oriental, apesar da ofensiva ucraniana na Rússia, na região de Kursk.
As negociações entre as duas partes estão completamente bloqueadas desde a primavera de 2022, com Moscovo a continuar a exigir que a Ucrânia aceite a anexação de uma parte do seu território.