Black Lives Matter pode ser o maior movimento da história dos EUA

por Joana Raposo Santos - RTP
Ao longo de todos os EUA registaram-se mais de 4700 demonstrações desde os primeiros protestos em Minneapolis, a 26 de maio. Foto: Lucas Jackson - Reuters

Desde final de maio que os protestos antirracistas motivados pela morte do afro-americano George Floyd às mãos da polícia de Minneapolis incendiaram os Estados Unidos. Sondagens recentes sugerem agora que o movimento Black Lives Matter possa ser o maior de sempre na história do país.

O pico dos protestos pela justiça racial foi atingido a 6 de junho, quando meio milhão de pessoas se manifestaram em cerca de 550 lugares diferentes por todo o território dos Estados Unidos. Esse foi apenas um único dia em mais de um mês de protestos, que até hoje continuam.

Quatro sondagens recentes sugerem que entre 15 a 26 milhões de pessoas nos EUA participaram nas manifestações desde o início das mesmas. Estes números significam que o Black Lives Matter pode ter sido o maior movimento de sempre na história norte-americana.

A sondagem da organização sem fins lucrativos Kaiser Family Foundation aponta para 26 milhões de participantes desde o início dos protestos; a empresa de dados Civis Analytics refere 23 milhões; o centro de investigação da Universidade de Chicago indica 18 milhões e, por fim, o centro de pesquisa Pew menciona 15 milhões.

“Nunca vi tanta gente a reportar a própria participação num protesto sobre um problema específico num período tão curto de tempo”, disse ao New York Times Neal Caren, professor na Universidade da Carolina do Norte e especialista em movimentos sociais nos EUA.

Mesmo que o número de pessoas que afirmaram ter participado nos protestos seja superior ao real, e que apenas metade dos inquiridos tenha dito a verdade, as manifestações terão contado com mais de sete milhões de pessoas.

As manifestações no âmbito do Black Lives Matter conseguiram, assim, ultrapassar em número de participantes a Marcha das Mulheres de 2017, em Washington, que juntou entre três a cinco milhões de pessoas num só dia. Esse evento foi, porém, altamente organizado antes de se realizar, o que nem sempre se tem verificado com os protestos antirracistas do último mês e meio.

“É realmente difícil exagerar a escala deste movimento”, declarou ao NYT a professora Deva Woodly, segundo a qual até as marchas pelos direitos civis nos anos 1960 foram consideravelmente inferiores em número de participantes. “Mesmo que juntemos todos os protestos durante esse período, estaremos a falar de centenas de milhares de pessoas, mas não de milhões”. A maioria das pessoas que disseram ter-se manifestado disse ter visto pelo menos um vídeo de violência policial contra manifestantes ou contra a comunidade negra no último ano. Dessas pessoas, metade admitiu que visualizar esse conteúdo as tornou mais empáticas para com o movimento Black Lives Matter.

O número de pessoas que participam em protestos é normalmente difícil de calcular e costuma basear-se nas estimativas de organizadores, da polícia e de meios de comunicação locais. Desta vez, as equipas de especialistas em contagem de multidões estão a revelar números a uma escala extraordinária.

No dia 6 de junho, que consideraram ser o pico dos protestos – cerca de duas semanas depois da morte do afro-americano George Floyd às mãos da polícia -, pelo menos 50 mil pessoas terão saído às ruas em Filadélfia, 20 mil juntaram-se no Union Park, em Chicago, e dez mil na Golden Gate Bridge, em São Francisco. Os números são de professores e investigadores do Consórcio de Contagem de Multidões.
Protestos alastraram a todos os Estados norte-americanos
Ao longo de todos os Estados Unidos registaram-se mais de 4700 manifestações desde os primeiros protestos em Minneapolis, a 26 de maio, o que corresponde a uma média de 140 por dia, de acordo com uma análise do NYT.

Mais de 40 por cento dos condados dos EUA – pelo menos 1360 – contaram com um ou mais protestos. E, ao contrário do que aconteceu em manifestações passadas do movimento Black Lives Matter, desta vez 95 por cento dos condados onde se realizaram desfiles são de maioria branca. Em quase três quartos dos condados, mais de 75 por cento dos habitantes são brancos.

“O alastramento geográfico dos protestos é uma característica realmente importante para ajudar a perceber a profundidade e amplitude do apoio a este movimento”, explicou por sua vez Kenneth Andrews, professor de sociologia na Universidade da Carolina do Norte.

Uma explicação para esta propagação dos protestos por todo o país reside no apoio aos manifestantes por parte de organizações como a Black Lives Matter, criada em 2013, que apesar de não dirigir cada protesto, fornece os materiais e o enquadramento para que ativistas os realizem.

Também o facto de o país estar, nos últimos anos, mais aberto à participação em protestos pode ter ajudado. A posição da Administração Trump quanto a questões como armas, alterações climáticas ou imigração tem levado à realização de mais protestos do que sob qualquer outra presidência desde a Guerra Fria.

Uma sondagem do jornal Washington Post em conjunto com a Kaiser Family Foundation revela que um em cada cinco norte-americanos participou num protesto desde o início da presidência de Donald Trump, e 19 por cento disse ter protestado pela primeira vez.

As manifestações em torno da morte de George Floyd originaram particularmente grandes mudanças nos Estados Unidos. Em Minneapolis, por exemplo, o departamento de polícia vai ser desmantelado, e em Nova Iorque legisladores revogaram uma lei que mantinha em segredo os registos disciplinares dos agentes.
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