Foi um dos homens mais poderosos dos meios financeiros de Nova Iorque, condenado pelo maior esquema em pirâmide da história conduzido por uma única pessoa.
Bernard Madoff morreu esta quarta-feira no Centro Médico da prisão federal onde estava detido, em Butner, no Estado da Carolina do Norte, de acordo com fontes locais. Iria completar 83 anos no próximo dia 29 de abril.
A agência Associated Press cita as mesmas fontes, sob anonimato, para adiantar que a morte de Madoff se deveu a causas naturais. Em 2020, os advogados do financeiro procuraram a sua libertação por causas humanitárias, alegando vários problemas de saúde, a qual foi negada.
Madoff foi condenado em 2009 pelo Tribunal Federal de Manhattan a 150 anos de cadeia, após reconhecer a culpa numa fraude de milhares de milhões de dólares que durou várias décadas.
O financeiro tinha fundado a sua fortuna num esquema de pirâmide [esquema de Ponzi], que prometia altos rendimentos desde que a entrada de dinheiro fosse contínua.
Chegou a trabalhar com bancos internacionais e multinacionais, investindo a sua liquidez disponível em fundos de pensões e em fundos de investimento.
Com o rebentar da bolha imobiliária que arrastou o mercado financeiro em todo o mundo para uma das suas mais profundas crises, em 2007/2008, o esquema de pirâmide (Esquema de Ponzi) de Madoff, que já acumulava perdas na ordem dos milhares de milhões de dólares, deixou de poder pagar-se a si próprio e ruiu, expondo um dos maiores crimes financeiros de sempre levados a cabo por um único indivíduo.
As perdas foram calculadas em 65 mil milhões de dólares.
Guru financeiro
Nascido em Queens a 29 de abril de 1938, no seio da comunidade judaica nova-iorquina, Bernard Madoff foi tido como um self made guru das finanças. Em1960 fundou uma sociedade de investimento, a quem deu o próprio nome, e que se tornou uma das importantes firmas do setor em Wall Street.
Tornou-se lenda, a história como ele, com o irmão Peter, abandonou em 1960 a casa paterna de classe média, com uns milhares de dólares no bolso, poupados em trabalhos de salva-vidas e colocação de aspersores, para depois ascender a pulso no mercado financeiro.
"Eram uns miúdos esforçados de Queens. Trabalharam no duro", lembrou um antigo colaborador, que instalou os computadores que firmaram a empresa de Bernie em Wall Street nos anos 80. "O que os irmãos Madoff diziam que iam fazer faziam, a sua palavra era a sua garantia", acrescentou numa entrevista em 2008.
A imagem de Bernie como génio com um toque de Midas, imune às flutuações de mercado, atraía uma multidão de clientes de investimento devotos, desde reformados da Florida a celebridades como o realizador Steven Spielberg ou o ator Kevin Bacon. As primeiras suspeitas quanto ao império financeiro de Bernie Madoff surgiram na última década do século XX, em 1992, mas foi a crise do sub-prime, mais de 10 anos depois, que deu a estocada final e revelou a extensão dos seus crimes financeiros.
Em dezembro de 2008, Madoff chocou a alta sociedade nova-iorquina ao ser detido pelo FBI e acusado de fraude, com o juiz federal Louis L.Stanton a congelar-lhe todos os ativos.
Em
tribunal, Bernie Madoff admitiu ter defraudado milhares de clientes em
milhares de milhões de dólares ao longo de várias décadas. Foram
recuperados mais de 13 mil milhões de uns estimados 17.5 mil milhões de
dólares que investidores confiaram a Madoff.
Quando foi detido, a contabilidade falsa de Madoff indicava-lhes que possuíam bens no valor de 60 mil milhões de dólares.
Quando foi detido, a contabilidade falsa de Madoff indicava-lhes que possuíam bens no valor de 60 mil milhões de dólares.
Entre os lesados, além de fundos de investimento e grupos financeiros, como o Banco Santander (que perdeu 2,87 mil milhões de dólares) ou o HSBC (lesado em mil milhões de dólares), estiveram fortunas privadas, organizações caritativas e fundações obrigadas a declarar a bancarrota.
De génio financeiro, Madoff passou a inimigo número 1, de tal forma que durante as suas audiências teve de usar um colete à prova de bala. Foi condenado pelos crimes de fraudes, bancária e fiscal, lavagem de dinheiro, formação de esquema em pirâmide, desvio de dinheiro e estelionato [burla].
Controlador de fraudes
Um dos maiores ativos de Bernie Madoff foi a sua boa reputação. Era uma das grande figuras filantrópicas judaicas de Nova Iorque e ocupou cargos acima de qualquer suspeita, o que o auxiliou a manter indetetado o esquema em que baseava os seus negócios.
Participou ativamente da NASD, a National Association of Securities Dealers, reponsável por vigiar e auto-regular a indústria de ativos financeiros norte-americanos. O próprio Madoff chegou a ocupar o cargo de coordenador-chefe do mercado de valores e a sua empresa financeira esteve entre as cinco congéneres de Wall Street que impulsionaram o desenvolvimento do NASDAQ.
Tal como o próprio fundador, o grupo Madoff tinha duas faces.
Uma, a Bernard Madoff Investment Securities LLC, operava de forma legítima as funções de corretor de bolsa (broker) e formador de mercado em ações norte-americanas (market maker), e empregava a maioria dos seus funcionários, incluindo o irmão e, a certa altura, os dois filhos, em três andares de um arranha-céus de Manhattan.
A outra operava na área de Aconselhamento Financeiro e era o foco de toda a fraude. Tinha apenas uma mão cheia de funcionários e funcionava numa sala secreta. Quando reconheceu a culpa em tribunal, Bernie Madoff afirmou estar "profundamente arrependido e envergonhado". Os seus acusadores não se deixaram comover.
Apesar da "vergonha" e da prisão, Madoff foi incapaz de deixar de fazer o que toda a vida tinha feito.
Em janeiro de 2017 criou um monopólio dentro da penitenciária federal onde estava detido, ao comprar todos os pacotes de Swiss Miss, uma bebida instantânea de chocolate, às autoridades da prisão.
Revendeu-as posteriormente aos outros detidos, por um preço mais elevado do que o inicial.
Não o levarás contigo
Durante o seu julgamento, Bernard Madoff passou vários meses sob prisão domiciliária na sua luxuosa penthouse de sete milhões de dólares em Manhatan. A sua condenação foi saudada em pleno tribunal por uma chuva de aplausos de múltiplos investidores lesados.
Um destes, Tom Fitzmaurice, resumiu perante o juíz a revolta sentida por todos. "Ele roubou os ricos. Ele roubou os pobres. Ele roubou os que estão entre uns e outros. Não tinha valores. Defraudou as suas vítimas do dinheiro delas para que ele e a sua mulher pudessem viver uma vida de luxo inacreditável".
O juiz distrital Denny Chin também fez de Madoff um exemplo. "Aqui a mensagem deve ser que os crimes do sr Madoff são extraordinariamente malignos e que este tipo de manipulação irresponsável do sistema não é um mero crime financeiro sem derramamento de sangue que tem lugar apenas no papel, mas é em vez disso um que causa perdas humanas espantosas", afirmou Chin, ao condenar o financeiro e especulador a 150 anos de cadeia a 29 de junho de 2009.
Madoff foi levado para a prisão federal onde passaria os últimos 10 anos de vida, parte deles na ala hospitalar devido a diversas doenças graves de que padecia.
O seu império sofreu igualmente o impacto. Em junho de 2009, uma ordem judicial confiscou bens na ordem de 171 mil milhões de dólares, incluindo todas as suas propriedades pessoais, investimentos e 80 milhões em ativos que a sua mulher, Ruth Madoff, afirmava serem seus.
A ordem deixou-a com uns meros 2.5 milhões de dólares.
Também em termos familiares, as perdas de Madoff foram extensas. Um dos seus filhos, Mark, incapaz de aguentar o escândalo, suicidou-se em 2010, no segundo aniversário da prisão do pai. O seu outro filho, Andrew, viria a morrer de cancro em 2014, aos 48 anos.
Também o irmão de Bernard, Peter, que auxiliou nos negócios, foi condenado em 2012 a 10 anos de prisão, apesar de se afirmar ignorante do esquema liderado por Bernie. Foi libertado em agosto de 2020.
Ruth Madoff tem vivido isolada em Connecticut e numa entrevista chegou a revelar que ela e Bernie tentaram suicidar-se na véspera de Natal de 2008, depois de ser descoberta a fraude em que assentava as suas vidas.
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