O projecto etíope da mega-barragem no Nilo Azul, que hoje vai ser analisado numa reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, levanta tensões regionais, particularmente com o Egito, que depende do rio para 97% do seu abastecimento de água.
+++ Dez países +++
Com os seus 6.695 quilómetros, o Nilo é, a par do Amazonas, o rio mais longo do mundo e uma fonte vital de água e de energia hidroelétrica numa região largamente árida de África.
A Bacia do Nilo cobre mais de três milhões de quilómetros quadrados, ou 10% da superfície do continente africano, passando por dez países: Burundi, República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Quénia, Ruanda, Sul do Sudão, Uganda e Tanzânia.
O seu fluxo anual está estimado em 84 mil milhões de metros cúbicos.
O Nilo Azul, que se eleva na Etiópia, junta-se ao Nilo Branco em Cartum para formar o Nilo, que flui através do Sudão e do Egito antes de desaguar no Mediterrâneo.
+++ A maior barragem em África +++
Lançado em 2011 pela Etiópia e com um custo de quatro mil milhões de dólares (cerca de 3,4 mil milhões de euros), o projeto visa construir a maior barragem hidroelétrica de África, com uma capacidade de geração de quase 6.500 megawatts.
Localizada no Nilo Azul, a cerca de 30 quilómetros da fronteira sudanesa, a Grande Barragem do Renascimento (GERD) tem 1,8 quilómetros de comprimento e 145 metros de altura.
A Etiópia iniciou a primeira fase de enchimento da barragem em meados de 2020.
+++ Abastecimento de água +++
O Egito, um país árido de quase 100 milhões de pessoas, depende do Nilo para cerca de 97% das suas necessidades de água, incluindo para a agricultura.
O Cairo evoca um "direito histórico" sobre o rio, garantido desde o tratado assinado em 1929 entre o Egito e o Sudão representado pela Grã-Bretanha, a potência colonial.
O Egito obteve, nessa altura, o direito de veto sobre a construção de projetos no rio.
Em 1959, após um acordo com Cartum sobre a partilha da água, foi atribuída ao Egito uma quota de 66% do caudal anual do Nilo, contra 22% para o Sudão.
Mas em 2010, foi assinado um novo tratado pelos países da bacia do Nilo, apesar da oposição do Egito e do Sudão, retirando o veto egípcio e permitindo projetos de irrigação e de barragens hidroelétricas.
+++ O que está em causa +++
A Etiópia, uma potência regional emergente, considera o projecto essencial para o seu desenvolvimento e assegura que a barragem não perturbará o fluxo de água.
O Egito está preocupado com a taxa e a velocidade de enchimento do gigantesco reservatório da GERD, que tem uma capacidade de 74 mil milhões de metros cúbicos, considerando que se for enchido durante um curto período de tempo, o fluxo de água do Nilo através do Egito pode cair drasticamente.
O Egito vê o projeto como uma ameaça "existencial" e o Sudão alertou para "grandes riscos" para as vidas de milhões de pessoas.
Após nove anos de negociações paradas, os Estados Unidos e o Banco Mundial patrocinaram conversações a partir de novembro de 2019 para encontrar um acordo, que fracassou.
Outras negociações, lideradas pela União Africana (UA), têm estado paradas desde abril. O Egito e o Sudão asseguraram que não descartarão qualquer opção para defender os seus interesses.
No início da semana, o Egito e o Sudão anunciaram que tinham sido informados por Adis Abeba do início da segunda fase de enchimento, uma operação que a Etiópia não confirmou oficialmente.
De acordo com a Etiópia, o enchimento do reservatório é um processo natural, especialmente durante a estação das chuvas.
O Conselho de Segurança da ONU reúne-se hoje para analisar o diferendo a pedido da Tunísia, membro não permanente do Conselho e representante do mundo árabe, em nome do Egito e do Sudão.
+++ Tensões regionais exacerbadas +++
Outra fonte de tensão regional é o conflito desde novembro na região etíope de Tigray (Norte), que levou ao afluxo de 60.000 pessoas que fugiram da guerra para o Sudão, num país já em crise económica.
Os exércitos sudanês e etíope remilitarizaram recentemente a região de Al-Fashaga, uma faixa fértil de terra reivindicada por ambos os países, suscitando receios de conflito na área.