Bannon denuncia traição com dedo russo. Trump chama-o louco

por Paulo Alexandre Amaral, Carlos Santos Neves - RTP
Steve Bannon (em pé, à direita na imagem) quando ainda trabalhava junto do Presidente Trump na Sala Oval da Casa Branca Jonathan Ernst - Reuters

São muitas as pontas soltas que dão oportunidade aos inimigos do Presidente dos Estados Unidos para atacar a Administração. O presumível conluio com Moscovo e o encontro de Donald Jr com elementos russos na Trump Tower é um dos pratos favoritos dos detratores. O caso ressurge agora num livro em que Steve Bannon considera disparatada a forma como foi gerido o encontro, disparando ao coração do clã presidencial. Donald Trump já contra-atacou, diagnosticando ao antigo ideólogo perda de sanidade mental.

Steve Bannon serviu Trump enquanto principal estratega na caminhada para a Casa Branca durante os últimos três meses da campanha e outros sete meses enquanto principal estratega da Administração, até que regressou à edição Breitbart News, braço informativo do altright, principal bastião da extrema-direita norte-americana.Wolff escreve que o multimilionário Thomas Barrack Jr, antigo associado do agora Presidente, terá confidenciado a um amigo, a propósito de Trump: "Ele não é apenas louco, ele é estúpido".


A questão do alegado conluio entre a campanha de Trump e os russos ocupa um espaço privilegiado num livro que revela a Casa Branca de dentro para fora. Fire and Fury: Inside the Trump White House, do antigo colunista do Guardian Michael Wolff, resulta de centenas de entrevistas com membros da equipa de Donald Trump, incluindo o próprio Presidente. Mas CNN e The Guardian preferem destacar o desempenho que Steve Bannon tem no livro.

Muitas vezes com uma linguagem crua e sem evitar o vernáculo mais rasteiro, Bannon abordou o tema da Trump Tower com desapego, dando a ideia de que todos os erros que Donald Trump Jr e restantes membros da campanha poderiam cometer foram de facto cometidos.

“Os três membros seniores da campanha pensaram que era uma boa ideia encontrar-se com um governo estrangeiro dentro da Trump Tower, na sala de conferências no 25.º andar, sem advogados. Eles não tinham nenhum advogado (…) Mesmo que se pensasse não se tratar de traição, ou [atitude] antipatriótica, ou uma merda má (sic), e acontece que eu acho que foi tudo isso, deveriam ter chamado o FBI imediatamente”, afirma Bannon no livro.

Talvez por isso o líder da extrema-direita que foi durante dez meses o braço direito de Trump tenha agora a certeza de que “vão rachar o Don Júnior como um ovo na TV nacional”.
Os “informadores”

Mas o caminho para o processo que está a ser conduzido pelo procurador especial Robert Mueller no dossier do conluio entre Trump e o Kremlin, garante Steve Bannon, não assenta tanto na questão da traição. É um e apenas esse: lavagem de dinheiro.

No rol de potenciais “informadores” de Mueller, que foi chefe do FBI por 12 anos, estão algumas das principais figuras da campanha de Trump: o próprio chefe da campanha, Paul Manafort, e o general que surgiu ao lado co candidato republicano na reta final das Presidenciais, Michael Flynn, depois conselheiro do presidente para a segurança nacional, obrigado a demitir-se após admitir ter mentido ao FBI. Em causa estará a ocultação de informação ao vice-presidente Mike Pence relativamente a contactos que mantivera com o embaixador russo nos Estados Unidos, Serguei Kisliak.

Há ainda George Papadopoulos, um dos membros da equipa que estava a trabalhar na eleição, e que terá iniciado contactos para um encontro de Donald Trump com funcionários do Kremlin e que o círculo próximo de Trump tem vindo a desdacreditar com epítetos como “mentiroso”, “rapaz dos cafés”, “nunca esteve na Trump Tower”, “ninguém sabia quem era até aparecer agora”. Também ele está às ordens do Bureau para fornecer elementos que poderão atingir o seio da própria Admnistração.

E Rick Gates, fortemente ligado a Paul Manafort. Visados pela investigação de Mueller, declararam-se inocentes perante um juiz federal de Washington, mas foram confinados a prisão domiciliária com cauções de milhões de dólares.
“Conspiração”
Sobre Manafort e o seu associado recaem 12 acusações, as mais graves “conspiração contra os Estados Unidos” e “conspiração para lavagem de dinheiro”.

De facto - e talvez seja esta a tese por detrás da declaração de Steve Bannon -, Manafort deixou a equipa de Trump na sequência de acusações de que teria recebido milhões de dólares em pagamentos ilegais de um partido político ucraniano pró-russo, acusação que se estende a Gates. Em causa estará o trabalho de Manafort na Ucrânia e a sua colaboração com destacadas figuras fiéis a Putin, em particular os oligarcas russos e políticos do universo do antigo presidente Viktor Yanukovich.

Bannon diz a Michael Wolff que, com estes indícios da ligação à Rússia assente na lavagem de dinheiro, a Administração Trump “está sentada na praia a tentar parar um furacão de categoria cinco”. A própria escolha de Mueller para seu braço direito na investigação é sinal suficiente para Bannon assentar a âncora da sua tese: “Percebemos para onde isto está a ir. Isto é tudo sobre lavagem de dinheiro. Mueller escolheu [o promotor sénior Andrew] Weissmann porque ele é um tipo [investigador] da lavagem de dinheiro. O caminho deles para (...) do Trump vai ser feito através do Paul Manafort, o Don Jr e Jared Kushner. Isto é claríssimo”, propugna Bannon através da entrevista a Wolff.

Reforçando este cenário, soube-se no mês passado que os investigadores federais pediram registros do Deutsche Bank, que emprestou centenas de milhões de dólares ao império imobiliário de Kushner.

Manafort apenas orientou a campanha de Trump durante três meses, mas é bom lembrar que lhe coube a ele a escolha do companheiro do milionário republicano no caminho para a Casa Branca: foi ele quem sugeriu Mike Pence para o bilhete republicano.

Como já escreveu The Washington Post, o acordo conseguido por Papadopoulos com a equipa de Mueller pode indiciar que haverá mais gente a cooperar e que poderá ter sido entretanto ouvida pelos investigadores do procurador especial, gente importante que tudo fará para salvar a própria pele. Estamos aqui perante um cenário cheio de gente importante, protagonistas da política norte-americana como Manafort, o seu antecessor, Corey Lewandowski, Gates e Sam Clovis, o vice-presidente do comité nacional da campanha republicana. Bannon quase sugere que poderá juntar-se a eles Jared Kushner, o genro do Presidente, casado com a sua filha favorita e quase primeira-dama, Ivanka Trump.

O eterno conselheiro de presidentes americanos, Henry Kissinger, sugere que este ataque de Steve Bannon a Kushner vem de um ódio antigo do líder da altright ao que chama de Javanka – o casal Jared e Ivanka. Ou seja, diz Kissinger, “é uma guerra entre judeus (Jared Kushner e Ivanka Trump) e não judeus”.
Louco
O Presidente norte-americano fez entretanto sair um comunicado em tom azedo para com o antigo conselheiro, estimando mesmo que Steve Bannon enlouqueceu ao ser afastado da Casa Branca. A relação informal que conservaram após a demissão estará agora definitivamente quebrada.

“Steve Bannon nada tem a ver comigo ou com a minha presidência. Quando foi despedido, não perdeu só o emprego, perdeu a sanidade”, reagiu Donald Trump.

Ainda segundo o 45.º Presidente, o contributo de Bannon para a vitória na eleição presidencial de novembro de 2016 foi escasso, ao contrário da responsabilidade que teve na recente derrota do ex-senador republicano do Alabama Roy Moore, acusado de abuso de menores.

“Agora que está sozinho, Steve está a aprender que vencer não é tão fácil como eu faço parecer. Steve teve muito pouco a ver com a nossa vitória histórica, que foi conseguida pelos homens e mulheres esquecidos deste país. No entanto, Steve teve tudo a ver com a perda de um lugar no Senado no Alabama mantido pelos republicanos durante mais de 30 anos”, redarguiu Trump.

“Steve finge estar em guerra com os media, que chama de partido da oposição, mas passou o tempo na Casa Branca a passar falsa informação aos media para se fazer mais importante do que era. É a única coisa que sabe fazer”, acusou.
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