O antigo juiz espanhol Baltazar Garzón, intervindo numa conferência promovida pela defesa de Alex Saab, considerou que o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) de Cabo Verde relativamente ao diplomata é "uma barbaridade", sendo uma decisão mais política que jurídica.
"A decisão dos juízes do TC, com todo o respeito, é mais política que jurídica, e é uma barbaridade jurídica, não se pode dizer que os direitos são para os cabo-verdianos e não para os outros", disse o antigo juiz espanhol durante uma conferência em formato digital promovida pela defesa do empresário colombiano detido em Cabo Verde no ano passado.
"Toda esta questão é uma clara operação auspiciada por quem reclama a sua extradição", acrescentou o diplomata, responsabilizando a influência dos Estados Unidos pela detenção do também diplomata colombiano.
Antes, já a defesa tinha arrasado a decisão do TC relativa à autorização de extradição para os EUA e criticado todo o processo de detenção de Saab.
"A Constituição de Cabo Verde foi rasgada, a decisão é um suicídio constitucional que faria um estudante de Direito corar, é deplorável", disse um dos advogados que interveio na sessão.
A defesa de Alex Saab anunciou também um conjunto de iniciativas, entre as quais se contam o envio de cartas aos juízes do TC "para que reconsiderem a sua decisão à luz das incongruências e das contradições do acórdão" e ainda para o Governo dos EUA, pedindo que sigam a decisão do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental requerendo a libertação de Alex Saab.
Para além disso, será também enviada uma carta ao Presidente de Cabo Verde sublinhando que "o tribunal disse que não podia decidir sobre a imunidade porque essa é uma decisão política que tem de ser tomada pelo Governo", disse o advogado, que afirmou ainda que "um dos juízes do TC questionou a decisão, mas se calhar foi obrigado a concordar com os seus colegas juízes".
O TC de Cabo Verde rejeitou no final de agosto o recurso da defesa de Alex Saab, contra a decisão de autorizar a extradição para os EUA, conforme acórdão a que a Lusa teve acesso.
"Julgar improcedente o recurso interposto pelo senhor Alex Saab", lê-se no acórdão 39/2021, de 30 de agosto e publicado na terça-feira, com 194 páginas.
Alex Saab, 49 anos, de nacionalidade colombiana e segundo a defesa com problemas de saúde oncológicos, foi detido pela Interpol e pelas autoridades cabo-verdianas em 12 de junho de 2020, durante uma escala técnica no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, ilha do Sal, com base num mandado de captura internacional emitido pelos EUA, numa viagem para o Irão em representação da Venezuela, na qualidade de "enviado especial" e com passaporte diplomático.
A sua detenção colocou Cabo Verde no centro de uma disputa entre o regime do Presidente Nicolás Maduro, na Venezuela, que alega as suas funções diplomáticas aquando da detenção, e a Presidência norte-americana, bem como irregularidades no mandado de captura internacional e no processo de detenção.
O TC realizou em 12 de agosto, na cidade da Praia, a audiência pública de julgamento do recurso interposto pela defesa de Alex Saab à decisão de extradição para os EUA. A audiência dizia respeito ao processo de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade, em que a defesa de Alex Saab recorria da decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que em março autorizou a extradição.
Washington pede a sua extradição, acusando-o de branquear 350 milhões de dólares (295 milhões de euros) para pagar atos de corrupção do Presidente venezuelano, através do sistema financeiro norte-americano.
O Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (TJ-CEDEAO) ordenou em 15 de março de 2020 a "libertação imediata" de Alex Saab, por violação dos direitos humanos, instando as autoridades cabo-verdianas a pararem a extradição.
Contudo, dois dias depois, o STJ autorizou a extradição, rejeitando o recurso da defesa, decisão que não chegou a transitar em julgado, com o recurso da defesa para o TC, que aguardava decisão.
Sobre a admissibilidade deste recurso, os três juízes conselheiros do TC decidiram não reconhecer, por unanimidade, cinco questões levantadas pela defesa, envolvendo, genericamente, a constitucionalidade do processo de extradição. Já sobre o mérito do recurso, decidiram por unanimidade não declarar a inconstitucionalidade - pedida pela defesa - de sete normas envolvendo a Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal e a sua aplicação pelo tribunal recorrido, enquanto uma decisão sobre outra norma foi adotada por maioria (dois juízes conselheiros).
Por unanimidade, decidiram ainda "confirmar e declarar a inconstitucionalidade de norma hipotética decorrente dos artigos 15.º, número 4, e artigos 34.º, 89.º e 90.º do Tratado Constitutivo da CEDEAO e os Protocolos Relativos ao Tribunal de Justiça da CEDEAO de 1991 e de 2005", que "determinaria o cumprimento de decisão do TJ-CEDEAO, que o Supremo Tribunal de Justiça se recusou a aplicar, por desconformidade com o princípio da soberania nacional, com as regras constitucionais sobre vinculação do Estado de Cabo Verde a tratados e com o princípio de acordo com o qual não se pode privar os tribunais da sua competência".