Baltasar Garzón pede ao Constitucional que mostre que Cabo Verde respeita direitos humanos

por Lusa
Gürtel Juan Medina - Reuters

O antigo juiz espanhol Baltasar Garzón, da defesa de Alex Saab, detido há precisamente um ano em Cabo Verde, considera que o Tribunal Constitucional pode ainda "demonstrar" que o arquipélago "respeita" o direito internacional e os direitos humanos.

"É uma luta desigual, mas a Justiça está do lado de Alex Saab e a arbitrariedade do lado daqueles que o perseguem. Esperemos que a primeira prevaleça sobre a segunda", afirmou Baltasar Garzón, que lidera a equipa de defesa internacional do empresário colombiano, considerado pelos Estados Unidos da América (EUA) testa-de-ferro do Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e que pediram a sua extradição a Cabo Verde, dependente de uma decisão do Tribunal Constitucional do arquipélago.

"Será a última oportunidade para a jurisdição cabo-verdiana demonstrar ao resto da comunidade internacional que o país respeita o direito internacional e os organismos internacionais para a proteção dos direitos humanos", disse.

Baltasar Garzón, numa declaração enviada à Lusa sobre a passagem de um ano após a detenção de Saab em Cabo Verde, acrescenta que, "acima de tudo, será uma oportunidade imbatível para Cabo Verde mostrar ao mundo que a submissão e subjugação colonial acabaram em África, e que nenhuma superpotência como os EUA pode espezinhar o Estado de direito no continente africano pelos seus interesses políticos".

Alex Saab, de 49 anos, foi detido em 12 de junho de 2020 pela Interpol e pelas autoridades cabo-verdianas, durante uma escala técnica no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, ilha do Sal, com base num mandado de captura internacional emitido pelos EUA, quando regressava de uma viagem ao Irão em representação da Venezuela, na qualidade de "enviado especial" e com passaporte diplomático, no pico da pandemia de covid-19.

"A sua missão internacional foi um sucesso e a Venezuela conseguiu canais alternativos de comércio com vários países da comunidade internacional, o que significou um fracasso para o referido bloqueio sancionatório dos EUA. Alex Saab desempenhou um papel decisivo na esfera diplomática, evitando o colapso económico do país, tal como prognosticado pelos EUA. E a resposta não demorou muito a chegar", afirma Baltasar Garzón.

A sua detenção colocou Cabo Verde no centro de uma disputa entre o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, que alega as suas funções diplomáticas aquando da detenção, e a Presidência norte-americana.

"Na sua viagem ao Irão, o seu avião foi obrigado a aterrar em Cabo Verde para fazer uma escala, depois de vários países lhe terem negado essa possibilidade, evidentemente, respondendo a um plano milimetricamente concebido para que Alex Saab acabasse na pequena ilha africana, considera Garzón.

"Assim que pisou solo cabo-verdiano, foi preso a pedido dos EUA, dando início a um processo de extradição que ainda hoje continua. Não há dúvida de que este sequestro ordenado pelos EUA é 100% político", garante o antigo juiz, afirmando que aquando da detenção "não existia qualquer Alerta Vermelho da Interpol", que foi "introduzido mais tarde" para tentar "justificar legalmente o ultraje que estava a ser cometido contra o agente diplomático".

Neste processo, os EUA, que pedem a extradição do empresário colombiano, acusam Alex Saab de ter branqueado 350 milhões de dólares (295 milhões de euros) para pagar atos de corrupção do Presidente venezuelano, através do sistema financeiro norte-americano.

Segundo Baltasar Garzón, Saab foi visado por oito acusações no pedido de extradição enviado pelos EUA, "embora ao longo do processo se tenham renunciado sete destas oito acusações, após terem sido desmontadas pela defesa".

"Algo lógico, uma vez que o objetivo da extradição é meramente político e não responde a qualquer realidade criminosa. Os EUA procuram apenas desmantelar a estratégia alternativa de abastecimento que Alex Saab conseguiu desenvolver contra o seu bloqueio económico e, por outro lado, ter um alto funcionário do Governo de Maduro nos Estados Unidos para o coagir, pressionar e tentar que testemunhe contra o principal líder da Venezuela", diz.

A defesa de Alex Saab disse anteriormente à Lusa acreditar numa decisão do Tribunal Constitucional cabo-verdiano ao recurso sobre a extradição ainda este mês.

O procurador-geral da República, José Luís Landim, afirmou que o caso será resolvido com as "leis de Cabo Verde", rejeitando pressões.

O Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ordenou em 15 de março a "libertação imediata" de Alex Saab, por violação dos direitos humanos, instando as autoridades cabo-verdianas a pararem a extradição para os EUA.

Contudo, dois dias depois, o Supremo Tribunal de Justiça autorizou a extradição para os EUA de Alex Saab, rejeitando o recurso anterior da defesa, decisão que não chegou a transitar em julgado, com a defesa a recorrer para o Constitucional.

Na terça-feira, o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas exortou Cabo Verde a "abster-se de extraditar" Saab para os Estados Unidos, pedindo que assegure "cuidados de saúde adequados".

Alex Saab esteve em prisão preventiva até janeiro, quando passou ao regime de prisão domiciliária na ilha do Sal, sob fortes medidas de segurança.

A defesa de Alex Saab indicou anteriormente à Lusa que recorreu para o Tribunal Constitucional do arquipélago, no final de março, alegando "inconstitucionalidades cometidas ao longo do processo e na aplicação de normas em matéria de aplicação de direito internacional".

Para Baltasar Garzón, trata-se de um "processo sem qualquer base jurídica", porque "não existe qualquer acordo bilateral" entre Cabo Verde e os EUA para extradição. "Além disso, sem tal acordo, nas notas verbais trocadas entre os EUA e Cabo Verde, o primeiro reconheceu que não pode garantir no futuro a reciprocidade com esta rendição. Em suma, os EUA exigem e impõem unilateralmente a Cabo Verde a rendição de uma pessoa que se encontra sob a sua jurisdição. Mais uma vez, a força dos poderosos aniquila os fracos", conclui.

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