Bairro português de Montreal resiste, mas líderes da comunidade alertam para desafios

por Lusa

O bairro português de Montreal continua a preservar marcas da presença lusa na cidade canadiana, mas enfrenta desafios como a dispersão comunitária, envelhecimento populacional e falta de apoio institucional, alertam figuras históricas da comunidade portuguesa no Quebeque.

Natural do concelho de Arcos de Valdevez, Joaquina Pires, que chegou de Portugal em 1966 com apenas 10 anos, considera que "a presença portuguesa no bairro continua, mas de forma cada vez mais invisível no dia a dia".

Autora do livro "Empreintes Portugaises"(Marcas Portuguesas), publicado aquando dos 70 anos da imigração portuguesa para o Canadá, Joaquina Pires defende que todos os membros da comunidade "fazem parte da história" e lamenta que muitos episódios marcantes, como o movimento de alfabetização dos anos 1970, estejam ausentes da memória coletiva: "Há histórias que não estão documentadas, mas tiveram um enorme impacto social."

A primeira vaga de imigração portuguesa para Montreal chegou em 1953. Muitos fixaram-se no Plateau-Mont-Royal, onde criaram negócios e deram vida ao bairro hoje conhecido como "Pequeno Portugal".

O restaurante "Castanheira do Ribatejo", atual "Jano", fundado em 1970 por um dos pioneiros da comunidade, é um exemplo de resiliência e é atualmente gerido pela família.

"O bairro vive um ciclo de transições geracionais. A comunidade envelheceu, muitos foram viver para os subúrbios, mas há jovens que estão a regressar às raízes", explicou Maria do Céu Castanheira, filha do fundador.

Na perspetiva da empresária, verifica-se cada vez mais um envolvimento de lusodescendentes em iniciativas culturais, como o festival português ou projetos artísticos.

"São a nossa esperança", afirmou, sublinhando que os seus estabelecimentos "mantêm-se ativos e adaptados aos novos tempos".

No espaço público, a herança lusa continua visível no `Parc du Portugal`, inaugurado em 1975, e nos murais dedicados à fadista Amália Rodrigues, ao "Hino à Emigração Portuguesa em azulejos" (2017) e ao diplomata Aristides de Sousa Mendes, este último inaugurado em 2022.

Outro projeto emblemático são os Bancos Literários: 12 bancos de pedra instalados no Boulevard Saint-Laurent, com citações que vão desde D. Dinis até José Saramago.

"É um projeto participativo que envolveu escolas, artistas e cidadãos, mas que pouca gente conhece. Está muito pouco divulgado", lamenta Joaquina Pires.

Para Carlos Moleirinho, empresário da restauração e proprietário do Café Central, o bairro continua a ser um ponto de encontro essencial para a comunidade.

O luso-canadiano, natural do concelho de Marinha Grande, está no setor desde os 24 anos e há 14 que gere este restaurante, café e bar com 52 anos de história, localizado no coração do bairro português.

"É mais do que um negócio, é um espaço de convivência. Aqui cruzam-se gerações, histórias, memórias", afirmou à Lusa.

O empresário reconhece as mudanças na comunidade, mas acredita que há caminho para renovar a ligação às raízes: "Hoje a comunidade está espalhada por toda a região de Montreal. Mas continuam a vir aqui, porque sentem que este espaço ainda é deles".

Maria do Céu Castanheira sublinha que "falta um espaço central" onde seja possível reunir as diferentes associações e iniciativas culturais.

Em vez de fragmentação, defende maior coesão: "Hoje cada um puxa para o seu lado. Precisamos de união e de não nos deixarmos levar por expressões de bairrismo."

A restauração continua a desempenhar um papel essencial na promoção da cultura portuguesa.

"A comida é o primeiro contacto com a nossa cultura. Temos casas como o Cocorico, a Casa Minhota, o Douro, o Portus 360, o Jano e muitos outros. Enquanto houver pratos típicos, há Portugal no prato e na alma", afirmou Céu Castanheira.

Apesar das dificuldades, como a pressão fiscal, os desafios da era digital e a mudança dos hábitos de consumo, há vontade de inovar.

"Estamos a lançar um novo projeto que une gastronomia e arte. Queremos continuar a contar a nossa história de forma criativa", anunciou.

A sobrevivência do "Pequeno Portugal" dependerá da capacidade de reinventar a presença lusa em Montreal e de envolver as novas gerações.

Como defende Carlos Moleirinho, "a tradição mantém-se viva enquanto houver vontade de a partilhar, uma chama que ainda não se apagou".

O bairro português em Montreal está localizado na freguesia urbana de Le Plateau-Mont-Royal, na Boulevard Saint-Laurent, entre a rua Mont-Royal e a avenida Des Pins.

De acordo com o recenseamento canadiano de 2021, viviam no Canadá 448.310 pessoas que se identificavam com ascendência portuguesa, das quais 46.535 residiam na região metropolitana de Montreal, no Quebeque.

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