O autarca de Quelimane, Manuel de Araújo, quadro da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), confirmou hoje que a polícia disparou na quarta-feira gás lacrimogéneo contra si e a população com intenção de acabar com "marchas pacíficas" no município.
"Bloquearam-nos literalmente, lançaram gás lacrimogéneo à nossa frente, lançaram gás atrás de nós, à nossa esquerda e lançaram gás à nossa direita", disse o presidente do município de Quelimane, numa declaração enviada à Lusa.
As forças policiais moçambicanas dispersaram a população em Quelimane, na província da Zambézia (centro), com recurso a gás lacrimogéneo, após marchas convocadas para quarta-feira pela Renamo contra os resultados eleitorais de 09 de outubro, que culminariam com a receção do autarca de Quelimane no aeroporto local, após uma visita ao exterior.
Habitualmente, adiantou o autarca, quando regressa de uma viagem do exterior, a população local se faz ao aeroporto para a sua receção, altura em que faz o relatório aos munícipes sobre os resultados alcançados.
"Quando começaram disparar gás nem tínhamos por onde ir, ficamos sufocados e foi aí que a população começou a defender-se, a queimar pneus, a ir à nossa direção para nos socorrer até à altura que consegui sair do local", descreveu o político.
"O meu sentimento é que existe alguém, no comando geral da polícia, que não gosta das marchas pacíficas da cidade de Quelimane, daí que ontem [quarta-feira] não permitiram uma prática que já dura há 14 anos e sempre que regresso do exterior, a população vem-me receber ao aeroporto", apontou.
O responsável disse ainda que entrou em contacto com vários membros do governo provincial e central visando explicar a situação, entretanto, sem sucesso, mas garantiu que as marchas realizadas naquela cidade "não interferem" na atividade económica.
"A polícia lançou gás lacrimogéneo sem necessidade", lamentou Araújo, que também cabeça-de-lista da Renamo para eleição de governador da província da Zambézia nas eleições de 09 de outubro, em que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) declarou vencedor o candidato da Frelimo, Pio Matos.
Moçambique, e sobretudo Maputo, viveram paralisações de atividades e manifestações convocadas desde 21 de outubro pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados das eleições gerais, anunciados pela CNE e que dão vitória a Daniel Chapo e à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder).
Mondlane pediu um novo período de manifestações nacionais em Moçambique, durante três dias, a partir de quarta-feira, em todas as capitais provinciais, incluindo Maputo, contestando o processo eleitoral.
Um protesto que Mondlane pediu para ser alargado aos portos e às fronteiras do país, e aos corredores de transporte que ligam estas infraestruturas, apelando à adesão dos camionistas: "Não obrigamos ninguém a aderir à manifestação. Passamos os valores da manifestação e quem quiser adere".
O comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM) Bernardino Rafael, disse na terça-feira que é preciso um "basta" às manifestações e paralisações, referindo que são "terrorismo urbano" com intenção de "alterar a ordem constitucional".
Na terça-feira, os empresários moçambicanos estimaram em 24,8 mil milhões de meticais (354 milhões de euros) os prejuízos causados em 10 dias de paralisações e manifestações, durante as quais 151 unidades empresariais foram vandalizadas.
O Ministério Público (MP) moçambicano já instaurou 208 processos-crime para responsabilizar os autores "morais e materiais" da violência nas manifestações pós-eleitorais, anunciou também na terça-feira a Procuradoria-Geral da República (PGR), responsabilizando o candidato presidencial Venâncio Mondlane.
A PGR referiu que, no "âmbito das suas competências constitucionais e legais", o MP "tem estado a instaurar processos judiciais, visando a responsabilização criminal" dos autores "morais e materiais", e "cúmplices destes atos".