Ausência da PR da Tanzânia da cimeira de Maputo aumenta especulações sobre "ressentimentos" - analistas
Analistas consideraram que a ausência da Presidente tanzaniana na cimeira de quinta-feira em Maputo sobre a violência em Cabo Delgado "alimenta as especulações de um ressentimento escondido", mas deve ser compreendida no "contexto da transição" em curso naquele país.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique tinha anunciado a presença da nova Presidente da Tanzânia, Samia Suluhu Hassan, na cimeira realizada na quinta-feira em Maputo para discutir o combate aos grupos armados na província de Cabo Delgado, norte do país, mas a Presidência da República de Moçambique disse depois que a estadista seria representada pelo presidente da Região Autónoma de Zanzibar, um arquipélago tanzaniano no Oceano Índico.
A Tanzânia partilha uma extensa linha de fronteira com Moçambique, principalmente na província de Cabo Delgado, e conta com uma forte presença de grupos com fortes laços etnolinguísticos com comunidades do norte de Moçambique, principalmente dos distritos mais assolados pela violência armada na região.
Por outro lado, o Governo moçambicano reiterou várias vezes que conta com a Tanzânia para estancar o movimento de combatentes estrangeiros que alegadamente fomentam "ações terroristas em Cabo Delgado".
Comentando a ausência da nova chefe de Estado da Tanzânia na cimeira de quinta-feira em Maputo, Fernando Lima, presidente do mais antigo grupo de media privado em Moçambique, disse que "intensificaram-se as especulações, fundadas ou infundas, de que há um ressentimento escondido entre as elites políticas tanzanianas com Moçambique".
"Dada a gravidade da situação que levou à convocação de uma cimeira extraordinária em Maputo, esperava-se que a nova Presidente da Tanzânia estivesse em Maputo, mas não esteve e deu razão aos que especulam que algo não está bem nas relações entre os dois governos", afirmou Fernando Lima.
A presença de Samia Suluho Hassan, prosseguiu, era dada como certa no encontro da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) de quinta-feira em Maputo, até como gesto de reciprocidade pelo facto de o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, ter participado nas exéquias fúnebres do falecido chefe de Estado tanzaniano John Magufuli, em março, e ter proferido um discurso muito aplaudido na língua local, swahili, assinalou Fernando Lima.
Calton Cadeado, especialista em Paz e Conflitos na Universidade Joaquim Chissano, instituição estatal, considerou que a ausência de Samia Suluhu Hassan se tornou "bastante ruidosa" porque o Governo moçambicano espera um papel de relevo no combate ao terrorismo em Cabo Delgado por parte da Tanzânia, devido à vizinhança entre os dois países e aos laços históricos, mas é necessário compreender o "contexto de transição de poder" em curso naquele país.
"A nova Presidente está ainda a tentar consolidar o poder, após a morte de John Magufuli, e a tentar imprimir a sua marca, pelo que pode não ter muita apetência para deslocações ao estrangeiro, mesmo em matérias tão vitais como o combate ao terrorismo", enfatizou.
Calton Cadeado assinala que há correntes nas elites de poder tanzanianas que consideram que "Moçambique ficou um vizinho arrogante com a descoberta e o início dos projetos de gás natural e ficou ingrato", depois de ter contado com a Tanzânia na luta contra o colonialismo português.
Mas Calton Cadeado vê uma "grande virtualidade" no facto de a chefe de Estado tanzaniana ter indicado o presidente da Região Autónoma de Zanzibar para a representar na cimeira de Maputo, porque esta zona é predominante islâmica, a religião com que os grupos armados que atacam Cabo Delgado se tentam conotar.
"A presença do presidente da Região Autónoma de Zanzibar na cimeira de Maputo pode ser uma forma de afirmar categoricamente que a violência armada não tem nenhum cunho religioso, que o islão está a ser maliciosamente usado para justificar a barbárie", destacou Cadeado.
Dércio Alfazema, do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD, na sigla inglesa), uma organização da sociedade civil, entende que a ausência de Samia Suluhu Hassan não deve ser "dramatizada", porque a Presidente tanzaniana enviou uma delegação a Maputo e vincula-se às decisões da cimeira.
"É preciso ter em conta que [Samia Suluhu Hassan] chegou ao poder há pouco tempo e está numa fase de transição, numa fase de dominar os cantos à casa", referiu Alfazema.
Samia Suluhu Hassan assumiu a Presidência da Tanzânia após a morte, em março, de John Magufulu, vítima de doença.
A violência desencadeada há mais de três anos na província de Cabo Delgado ganhou uma nova escalada há duas semanas, quando grupos armados atacaram pela primeira vez a vila de Palma, que está a cerca de seis quilómetros dos multimilionários projetos de gás natural.
Os ataques provocaram dezenas de mortos e obrigaram à fuga de milhares de residentes de Palma, agravando uma crise humanitária que atinge cerca de 700 mil pessoas na província, desde o início do conflito, de acordo com dados das Nações Unidas.
O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou na segunda-feira o controlo da vila de Palma, junto à fronteira com a Tanzânia, mas as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas reassumiram completamente o controlo da vila, anunciou no domingo o porta-voz do Teatro Operacional Norte, Chongo Vidigal, uma informação reiterada esta quarta-feira pelo Presidente moçambicano.
Vários países têm oferecido apoio militar no terreno a Maputo para combater estes insurgentes, mas, até ao momento, ainda não existiu abertura para isso, embora haja relatos e testemunhos que apontam para a existência de empresas de segurança e de mercenários na zona.