Horas depois das duras críticas do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, que se confessou “zangado e amargurado” com o que diz ser
“uma facada nas costas” entre aliados, o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken veio tentar acalmar a fúria dos gauleses, afirmando que a França é um parceiro vital para fortalecer a cooperação transatlântica no Indo-Pacífico.
“Cooperamos de forma muito próxima com a França em muitas prioridades partilhadas no Indo-Pacífico, mas também noutras zonas do mundo. Vamos continuar a fazê-lo. Damos um valor vital a essa relação, a essa parceria”, afirmou o chefe da diplomacia norte-americana.
Blinken acrescentou ainda que as autoridades norte-americanas informaram os colegas franceses nas últimas 24 a 48 horas antes do anúncio do acordo.
Só que esse acordo fez cair um outro: um contrato lucrativo no valor de 34 mil milhões de euros firmado entre França e Austrália em 2016.
Nesse entendimento, os franceses tinham determinado o fornecimento de 12 submarinos convencionais à marinha australiana. Um responsável francês, sob anonimato, adiantava na quinta-feira à Reuters que os norte-americanos só informaram os aliados franceses quando as primeiras informações sobre o Aukus começaram a surgir na imprensa e só quando foram diretamente questionados sobre o assunto.
“É uma facada nas costas. Criámos uma relação de confiança com a Austrália e essa confiança foi traída”, reagiu esta quinta-feira Le Drian. Em declarações à rádio France Info, o ministro disse mesmo que a decisão “brutal, unilateral e imprevisível” lembrou os tempos da Administração Trump.
A decisão já teve como consequência o cancelamento de uma gala comemorativa da aliança entre Estados Unidos e França, a pretexto dos 240 anos do apoio de Paris à guerra da independência dos EUA. O evento iria decorrer na sexta-feira na embaixada francesa em Washington.
Na Europa, os responsáveis comunitários mostraram-se solidários com França. Josep Borrell, alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, considerou que o novo entendimento, em que a UE não foi ouvida, só mostra a necessidade de uma política externa europeia mais assertiva.
“Temos de subsistir por nossa própria conta, como os outros fazem. Percebo o quão desiludido deverá estar o Governo francês”, acrescentou.
“Não pedimos ao Reino Unido ou a qualquer outro país que lute em nosso nome”
Ainda que a China não tenha sido diretamente mencionada por nenhum dos parceiros quando este acordo foi conhecido, o espectro dos avanços e influência crescentes de Pequim no Mar do Sul da China é difícil de ignorar. Que o diga Taiwan, que esta sexta-feira veio agradecer, com algumas restrições, o apoio demonstrado.
Esta sexta-feira, num fórum ministerial anual entre os Estados Unidos e a Austrália, o Ausmin, ambos os países reiteraram a intenção de “fortalecer laços com Taiwan”. Na esteira do acordo anunciado esta semana, ambos descreveram o território como “uma democracia na linha da frente e um parceiro essencial para ambos os países”, criticando ainda as ações de Pequim no Mar do Sul da China.
Taiwan agradeceu desde logo pelo apoio “firme e aberto”. “Tendo por base as sólidas bases existentes, o nosso Governo vai continuar a trabalhar em estreita colaboração com Estados Unidos, Austrália e outros países com ideias semelhantes na expansão do espaço internacional de Taiwan, na salvaguarda da democracia e dos valores compartilhados e de uma ordem internacional fundada em regras, para em conjunto salvaguardar a paz, estabilidade e prosperidade na região do Indo-Pacífico”, afirmou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, Joanne Ou.
Taiwan é considerado um território em risco de ataque ou invasão por parte da China, que por sua vez considera a ilha como uma província chinesa. O acordo de Aukus é uma aparente resposta dos Estados Unidos ao expansionismo de Pequim e às ameaças chinesas a Taiwan.
Na reação imediata ao pacto Aukus, a Embaixada chinesa em Washington criticou o acordo trilateral e pediu às três nações que “deixem a mentalidade de Guerra Fria e o preconceito ideológico”, afirmou o porta-voz Liu Pengyu.
Já o porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, Zhao Lijian, afirmou que a decisão de dar tecnologia nuclear à Austrália – um país signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear – é “extremamente irresponsável”, perante a possibilidade de estar a potenciar uma “nova corrida às armas”.
Nenhuma das nações signatárias do acordo de Aukus reconhece Taiwan como um país, mas o entendimento sinaliza a predisposição de alguns países, sob a liderança dos Estados Unidos,
em contrabalançar o poder de Pequim na região, onde se encontra aquele território insular.
No Reino Unido, a decisão de participar no acordo foi criticada e escrutinada por algumas figuras centrais da política britânica. Theresa May, antiga primeira-ministra, perguntou mesmo a Boris Johnson quais seriam as “implicações do pacto para a posição do Reino Unido”, em caso de tentativa de invasão de Taiwan pela China.
O primeiro-ministro britânico não excluiu qualquer cenário: “O Reino Unido continua determinado em defender o Direito Internacional e esse é o conselho que daríamos aos nossos amigos em todo o mundo, um forte conselho que daríamos também ao Governo em Pequim”.
Em reação a estas palavras, o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Taiwan frisou que o acordo de Aukus “não significa que estejamos a pedir ao Reino Unido para se envolver no conflito”.
“
Somos responsáveis pela segurança nacional de Taiwan, não estamos a pedir ao Reino Unido ou a qualquer outro país que lute em nosso nome. É claro que apreciamos muito o apoio da comunidade internacional e de países com ideias semelhantes às nossas, mas isso não é um imperativo”, afirmou a porta-voz Joanne Ou.