Ativistas russos. Comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu pede respostas escritas a Medina

por RTP

O presidente da Comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu enviou uma carta ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, exigindo respostas escritas à alegada violação da lei europeia, por ter enviado dados privados às embaixadas. Para a Comissão, as transferências de dados pessoais violaram o direito da União.

A carta, assinada por Juan Fernando López Aguilar, refere que a situação da partilha de dado dos ativistas pró-Navalny com a Embaixada russa e outros casos dados a conhecer pela auditoria, gera preocupação à Comissão.

Esta revelação suscitou elevada preocupação entre os Membros da Comissão LIBE [Comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos] no que diz respeito às violações denunciadas do quadro europeu de proteção de dados, conforme previsto no Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD)”, pode ler-se na carta. O entendimento da Comissão é o de que "estas transferências de dados pessoais violaram o direito da União”.

Em causa a aplicação do procedimento de fornecer dados dos promotores de manifestações às embaixadas em 182 manifestações desde 2012. A auditoria à Câmara, citada nesta carta, revela que os dados pessoais foram partilhados com embaixadas de países estrangeiros 52 vezes em 2018 e 2019, incluindo as embaixadas de Israel e China.

Perante o sucedido, a Comissão LIBE pede à autarquia uma “resposta por escrito” a uma lista de exigências de esclarecimento:
- clarificar a base jurídica ao abrigo do Capítulo V do RGPD que foi utilizada na transferência dos dados pessoais para países terceiros nestes casos e se a Autoridade Portuguesa para a Proteção de Dados foi informada da prática;

- explicar a situação no terreno no que diz respeito à violação de dados ocorrida em janeiro de 2021 e as medidas de acompanhamento que foram tomadas;
- confirmar para quais outros países terceiros tais transferências foram feitas;

- fornecer o número de pessoas afetadas por essas transferências;

- esclarecer há quanto tempo esta prática já existe na cidade de Lisboa, e se já terminou;

- definir se a cidade de Lisboa ou o governo português tomaram medidas para proteger os ativistas expostos de potenciais consequências repressivas por parte de países terceiros com os quais os dados pessoais foram partilhados;

- explicar se as autoridades portuguesas tomaram medidas para assegurar o apagamento desses dados pessoais do lado da embaixada beneficiária ou se solicitaram a garantia de que não ocorreram transferências subsequentes.

Violação do direito da União
O presidente da Comissão afirma que, na sua opinião, as “transferências de dados pessoais detidos por autoridades nacionais de um Estado-Membro da UE para missões diplomáticas fora da UE nesse Estado-Membro devem ser consideradas transferências internacionais de dados pessoais, congruentes com a interpretação dada pelo Comité Europeu para a Proteção de Dados sobre o âmbito territorial do RGPD (Artigo 3)”.

Juan Fernando López Aguilar, um deputado socialista, vem afirmar que o RGPD tem normas específicas para a transferência de dados pessoais para um país que não é membro da União Europeia, com salvaguardas adequadas e na condição de que direitos executáveis e recursos legais efetivos estejam disponíveis para os visados.

“Se uma transferência de dados pessoais for considerada para um país terceiro que não seja objeto de uma decisão de adequação, e se as salvaguardas apropriadas não estiverem asseguradas, uma transferência pode ser feita com base em um número limitado de derrogações para situações específicas (por exemplo, quando um indivíduo consentiu explicitamente com a transferência proposta após ter recebido todas as informações necessárias sobre os riscos associados à transferência)”, refere a carta.

“É nosso entendimento que nenhuma das possíveis derrogações poderia ter sido utilizada nos casos comunicados, o que significa que estas transferências de dados pessoais violaram o direito da União”
, refere a carta que tem como destinatário direto Fernando Medina.

A Comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu diz que a proteção das pessoas singulares em relação ao tratamento de dados pessoais é da maior importância para e interessa saber como os Estados-Membros da UE cumprem as suas obrigações legais.
Medina ouvido na AR
Hoje mesmo, Fernando Medina é ouvido no parlamento, numa reunião conjunta das comissões parlamentares de Assuntos Constitucionais e Negócios Estrangeiros, a requerimento de PSD e CDS-PP, para prestar esclarecimentos sobre o caso da partilha de dados pessoais de ativistas russos com a embaixada da Rússia em Portugal.

Os requerimentos para ouvir o presidente da autarquia lisboeta surgiram dias depois de ter sido tornado público que o município fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.

O presidente socialista da Câmara Municipal de Lisboa pediu "desculpas públicas" pela partilha desses dados, assumindo que foi "um erro lamentável que não podia ter acontecido".

O chefe do executivo municipal reconheceu que a autarquia desrespeitou reiteradamente um despacho de 2013 assinado por António Costa, presidente do município à data e atual primeiro-ministro.

Em 2018, entrou em vigor o novo Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), mas, no "esforço substancial de adaptação" do município, o procedimento de tramitação de avisos de manifestações "não sofreu adaptações".

Fernando Medina adiantou ainda um conjunto de medidas, entre as quais a proposta de exoneração do encarregado da proteção de dados da autarquia, a extinção do gabinete de apoio à presidência e a delegação na Polícia Municipal das competências da autarquia sobre manifestações.

O autarca destacou também que será promovida "uma análise externa da robustez do sistema de proteção de dados" da Câmara.

c/Lusa

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