O assassínio do casal imperial austríaco, centenário em 28 de junho, foi pretexto para uma Guerra Mundial com dezenas de milhões de mortos. Mas o atentado em si mesmo foi uma sucessão de fiascos, dignos de uma ópera bufa. Acabou finalmente por concretizar-se graças ao amadorismo da segurança imperial e à sorte dos conjurados.
Um atentado com efeitos desastrosos
O assassínio do arquiduque Franz Ferdinand não tinha, à primeira vista, suficiente matéria explosiva para desencadear uma hecatombe de tais dimensões. O arquiduque devia ainda fazer alguma tarimba até herdar o trono austro-húngaro e não era, além disso, pessoa tão estimada na corte de Viena que se pudesse prever, da parte desta, uma reacção fulminante.
Mas o calculismo imperial austríaco entendeu fazer do atentado um verdadeiro casus belli, para meter na ordem as nações balcânicas renitentes a aceitarem a hegemonia de Viena. Apresentou por isso um ultimato que a Sérvia só podia recusar, precisamente para provocar a guerra. Ao mesmo tempo, tratou de proteger os seus flancos, assegurando-se secretamente do apoio alemão no caso de a Rússia intervir a favor da sua protegida Sérvia.
Quando a guerra austro-sérvia tornou inevitável a guerra germano-russa, a França decidiu envolver-se, a pretexto dos compromissos que lhe criava a aliança franco-russa. E, ao atacar a França violando a neutralidade belga, a Alemanha forneceu à Inglaterra o pretexto para também ela intervir no conflito a pretexto das garantias de protecção que tinha dado à Bélgica.Alvo fácil para qualquer atentado
Como numa tragédia grega, o desastre global desenvolveu-se a partir do atentado que agora completa precisamente 100 anos. Mas as peripécias do atentado propriamente dito assemelham-se muito mais a uma comédia. E os seus protagonistas, agora homenageados pelo novo nacionalismo sérvio, desempenham o papel de autênticos anti-heróis, diletantes e desastrados.
Sucedeu que, na sua visita a Sarajevo, o arquiduque e sua mulher Sophie dirigiram-se ao edifício da Câmara em cortejo automóvel que se deslocava quase a passo de tartaruga. Como se se pretendesse facilitar a vida a qualquer conspiração, o percurso tinha sido anunciado na imprensa com todos os detalhes e o carro em que viajavam Sophie e Franz Ferdinand estava assinalado com um estandarte.
Pelo caminho, esperavam-no ao longo do percurso seis jovens sérvios com planos A, B, C e assim por diante, para algum deles conseguir matar o símbolo do império opressor - esquema semelhante ao planeado para o regicídio português de seis anos antes.Os anti-heróis da conjura
Mas todos foram falhando. Assim, o primeiro conjurado, Muhamed Mehmedbašic, deixou passar o cortejo automóvel. Justificou-se mais tarde com a presença de um polícia mesmo atrás de si, na multidão.
Um segundo conjurado, Vaso Cubrilovic, nem deu justificação nenhuma. Deixou passar o cortejo tendo perdido nesse momento a coragem de atentar contra o par imperial.
Já o terceiro, Nedeljko Cabrinovic, lançou uma bomba sobre o carro do par arquiducal. Mas a bomba, por motivos que hoje permanecem controversos, acabou por ressaltar e ferir alguns circunstantes, mas ninguém dentro do carro.
Este conjurado, o mais resoluto dos três referidos até aqui, passa contudo, doravante, a fracassar sucessivamente em tudo o que faz.
Fracassou, desde logo, no lançamento da bomba, mas vai fracassar também numa primeira tentativa para se suicidar ingerindo veneno. Como o veneno não fez o efeito pretendido, lançou-se ao rio para se afogar - mas caíu num lugar pouco profundo, em que tinha pé. Finalmente, foi retirado do rio por polícias e por civis, ainda com vida.
Nesse momento, a segurança do arquiduque fez parar o cortejo para ver o que se passava, em vez de o fazer seguir e de o afastar do local, como a prudência teria aconselhado.
O conjurado Vaso Cubrilovic, que atrás vimos a deixar passar o cortejo sem nada fazer, ficou inesperadamente com o arquiduque ao alcance da sua arma. Mas, novamente, nada fez - explicando mais tarde que, cavalheirescamente, não quis ferir também a arquiduquesa.
Graças à inesperada paragem do cortejo, um outro dos seis conjurados, Cvetko Popovic, teve também nesse momento o arquiduque ao seu alcance, mas também ele ficou paralizado.Êxito do atentado que já parecia abortado
Depois de todas estas peripécias, o par imperial chegou incólume à Câmara. Decorrido algum tempo, decidiu-se que voltaria para trás, embora mudando o percurso. Mas a segurança do herdeiro do trono apenas transmitiu a alteração de percurso a uma parte do cortejo, deixando precisamente de fora o carro dos arquiduques e os que lhe eram mais próximos.
Estes puseram-se portanto a caminho com um roteiro errado e desacompanhados do restante cortejo. Ao fim de algum tempo, deram pelo erro e decidiram fazer meia volta.
Tomaram a decisão em frente de uma loja de iguarias em que, por mero acaso, tinham entrado dois outros conjurados, Gavrilo Princip e Trifko Grabež, para comerem alguma coisa num momento em que já davam o atentado por abortado.
E, desta vez, Princip não hesitou em aproveitar a oportunidade. Disparou a pistola, matando o arquiduque e a arquiduquesa.
Nesse sentido, o atentado de Sarajevo, com as inúmeras inabilidades dos seus hesitantes protagonistas, mais parece a "Crónica de uma morte anunciada", de Garcia-Márquez, do que um acto terrorista calculado friamente e executado com precisão.