Nem os pedidos de desculpa do presidente israelita, Isaac Herzog, nem as justificações do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu calam a indignação internacional face à morte de sete trabalhadores da organização não-governamental World Central Kitchen (WCK) num ataque das forças israelitas. A Polónia, de onde era oriunda uma das vítimas, já anunciou um inquérito ao ataque do início da semana contra três veículos da WCK e os Estados Unidos, maiores aliados de Telavive, manifestaram-se “indignados” com os acontecimentos.
Face ao coro de críticas que chegaram da comunidade internacional após a notícia da morte dos sete trabalhadores humanitários, o presidente israelita apressou-se a apresentar desculpas pelo sucedido: “O presidente Herzog expressou a sua profunda tristeza e sinceras desculpas pela trágica morte dos membros da WCK na noite passada na Faixa de Gaza e enviou condolências às suas famílias e entes queridos”, referiu em comunicado.
A estas desculpas juntou-se o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que admitia na terça-feira ter-se tratado de uma ação não intencional que será alvo de profunda investigação. Netanyahu não deixou de referir entretanto que “são coisas que acontecem numa guerra”, como pode ler-se na sua conta da rede social X.
“Infelizmente, no último dia houve um acontecimento trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente não combatentes na Faixa de Gaza. São coisas que acontecem na guerra (…). Tudo faremos para evitar que se repita”, escreveu o primeiro-ministro.
Trata-se contudo de justificações que não calam a revolta de interlocutores de peso que Israel ainda mantém na comunidade internacional. Os Estados Unidos, através do porta-voz da Casa Branca, John Kirby, dizem-se “indignados”: “Ficamos indignados ao tomar conhecimento do ataque das IDF que matou vários trabalhadores humanitários da World Central Kitchen”.
De Berlim chegou também o pedido para que Israel esclareça os acontecimentos. A ministra dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, instou Telavive a “realizar uma investigação rápida e exaustiva”.
“Os trabalhadores humanitários devem poder fazer o seu importante trabalho em total segurança em todo o mundo, e também em Gaza (...). Incidentes como este não podem acontecer”, escreveu Annalena Baerbock no X.
Enquanto isso, o Reino Unido, que contava com três britânicos na equipa atingida pelo bombardeamento israelita, convocou já o embaixador de Israel em Londres para expressar “condenação inequívoca” pela morte dos sete trabalhadores humanitários.
E o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que já antes havia entrado em rota de colisão com a orientação seguida por Telavive na Faixa de Gaza, considerou que as explicações israelitas são insuficientes e inaceitáveis.
Durante uma conferência de imprensa conjunta durante a visita realizada ao Qatar, Sánchez considerou que a explicação avançada por Netanyahu para os trágicos acontecimentos que envolveram a WCK “é inaceitável e insuficiente e aguardamos um esclarecimento mais consistente e detalhado, após o que veremos que ação tomar”.
No ataque de segunda-feira morreram sete membros da WCK com cidadania da Austrália, Polónia, Reino Unido, um cidadão com dupla nacionalidade norte-americana e canadiana e três palestinianos, de acordo com a própria ONG fundada pelo chefe espanhol e celebridade televisiva José Andrés.
A WCK assinalou a sua morte no X chamando-os de "heróis": Saifeddine Issam Ayad Aboutaha, 25 anos, palestiniano; Lalzawmi (Zomi) Frankcom, 43 anos, australiana; Damian Sobol, 35 anos, polaco, Jacob Flickinger, 33 anos, americano-canadiano; e John Chapman, 57 anos, James (Jim) Henderson, 33 anos e James Kirby, 47 anos, britânicos.
A existência de um cidadão polaco entre as vítimas do ataque israelita já abriu entretanto um incidente entre a Polónia e Israel, com Yacov Livne, embaixador israelita em Varsóvia a acusar os polacos de antissemitismo.
No recurso à rede social X, Yacov Livne fazia saber que a extrema-direita e a esquerda da Polónia estavam a acusar Israel de assassínio intencional. Acrescentava depois: “Os antissemitas serão sempre antissemitas”.
“Israel expressou repetidamente profundo pesar, tristeza e condolências pela trágica morte dos trabalhadores da World Central Kitchen, incluindo Damian Sobol, um cidadão polaco. É lamentável que pessoas de extrema-direita e extrema-esquerda na Polónia usem esta tragédia humana para atacar Israel, um país que luta contra o terrorismo jihadista do Hamas para defender a nossa civilização e os nossos valores comuns”, acrescentou o embaixador Livne num comunicado enviado à Reuters.
Numa resposta na rede social X, Donald Tusk, agora primeiro-ministro polaco, garantia a Netanyahu que não era esse o caso: “Senhor primeiro-ministro Netanyahu, senhor embaixador Livne, a grande maioria dos polacos mostrou total solidariedade com Israel após o ataque do Hamas (…). Agora vocês estão a colocar essa solidariedade perante um teste muito difícil. O trágico ataque a voluntários e a sua reação (de Netanyahu) provocaram uma raiva compreensível”.
Diatribes diplomáticas à parte, procuradores de Przemysl, onde residia Damian Sobol na Polónia, anunciaram já a abertura de uma investigação própria à morte do cidadão polaco.
As circunstâncias do acidente, com os veículos blindados a serem destruídos pela artilharia israelita, suscitam ainda muitas dúvidas até entre os aliados naturais de Israel e Rishi Sunak, primeiro-ministro britânico, reiterou os pedidos internacionais para uma investigação total e transparente.
Sunak terá feito o pedido pessoalmente a Netanyahu numa conversa telefónica que teve lugar esta terça-feira: “Ele (Sunak) disse estar chocado com a morte de trabalhadores humanitários, incluindo três cidadãos britânicos, no ataque aéreo em Gaza e exigiu uma investigação completa e transparente sobre o que aconteceu”, avançou um porta-voz de Downing Street. “O primeiro-ministro disse que demasiados trabalhadores humanitários e civis perderam a vida em Gaza e que a situação é cada vez mais intolerável”.
Sabidas as mortes do grupo da WCK, também as Nações Unidas vieram lamentar os acontecimentos de segunda-feira, considerando-os como “um resultado inevitável da forma como esta guerra está a ser conduzida”.
Uma consequência imediata face a esta nova tragédia na Faixa de Gaza é o agravamento das condições de subsistência no território palestiniano com o regresso ao Chipre de um navio que se encontrava perto da costa de Gaza com cerca de 240 toneladas de alimentos que se destinavam à população palestiniana.