Apesar do aviso dos EUA sobre ataques de "extremistas", no dia 7 de março, que alertava para "planos iminentes para atacar grandes ajuntamentos em Moscovo", os serviços de segurança russos ignoraram-no e negligenciaram a ameaça islâmica que alegadamente vitimou, na passada sexta-feira, pelo menos 137 pessoas numa sala de concertos nos arredores da capital russa.
O Estado Islâmico reivindicou a responsabilidade pelo ataque ao complexo Crocus City Hall e as autoridades norte-americanas afirmaram que parecia ser obra do ISIS-K, o ramo terrorista que está ativo no Paquistão, Afeganistão e Irão, e uma das forças mais violentas do autoproclamado Estado Islâmico. Os acontecimentos desde o momento do ataque parecem suportar esta afirmação.
O aviso público dos EUA, no dia 7 de março, falava de relatos de que “extremistas” tinham “planos iminentes para atacar grandes ajuntamentos em Moscovo”, especificamente concertos, e aconselhava os cidadãos norte-americanos que se encontravam na cidade para evitar grandes aglomerações nas 48 horas seguintes.
No entanto, para além do aviso aos seus cidadãos, Washington afirma que também foram partilhadas informações sobre um “ataque iminente” com o Governo russo, que ignorou o aviso. "O Governo dos EUA também partilhou esta informação com as autoridades russas, de acordo com a sua política de longa data de “dever de avisar”", afirmou um funcionário dos EUA numa declaração após o ataque, segundo a BBC.
Três dias antes do ataque o presidente russo, Vladimir Putin, classificou os avisos dos EUA como uma “tentativa de intimidar e desestabilizar a nossa sociedade” e dirigiu-se aos líderes do Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB), cuja função é defender o país, sublinhando que a principal prioridade era a operação militar especial, expressão oficial para a invasão da Ucrânia.
"Prioridades erradas"
"O FSB tinha obviamente as suas prioridades erradas. Os seus principais recursos estavam virados para a Ucrânia e para a oposição interna. Estas são as prioridades que lhes foram atribuídas a partir do topo", afirmou Mark Galeotti, especialista em serviços de segurança russos, ao jornal The Guardian.
Segundo o especialista, a troca de prioridades dos serviços de segurança da Rússia ajuda a explicar a falha de segurança por parte das autoridades russas incapazes de impedir o ataque terrorista em Moscovo, na passada sexta-feira, ao não terem reforçado as medidas de segurança para proteger locais públicos onde fossem esperadas grandes aglomerações de pessoas.
Mas também a lenta resposta das autoridades russas que permitiram que os atacantes percorressem o recinto do Crocus City Hall, matando mais de 100 pessoas, e fugissem sem serem detidos ou abatidos no local.
Necessárias 19 horas para falar à nação
Apesar de ainda não ser conhecida a natureza exata das informações que foram transmitidas a Moscovo, tudo parece indicar que a desconfiança entre os dois países tivesse levado o Kremlin a suspeitar das intenções dos EUA, considerando os avisos como uma tentativa de ameaçar ou intimidar a Rússia, relativamente ao conflito na Ucrânia.
Apesar de ainda não ser conhecida a natureza exata das informações que foram transmitidas a Moscovo, tudo parece indicar que a desconfiança entre os dois países tivesse levado o Kremlin a suspeitar das intenções dos EUA, considerando os avisos como uma tentativa de ameaçar ou intimidar a Rússia, relativamente ao conflito na Ucrânia.
Talvez por este motivo, o presidente russo Vladimir Putin tenha demorado 19 horas para se dirigir à nação, num discurso em que anunciou que os suspeitos tinham sido detidos e se preparavam para cruzar a fronteira com a Ucrânia, onde, os ucranianos tinham preparado uma “janela” para ajudá-los a escapar.
Ao não mencionar o Estado Islâmico, que já tinha reivindicado a responsabilidade pelo ataque, e relacionar o ataque com a Ucrânia, o Kremlin poderá estar a tentar desviar as culpas ou a procurar reforçar o apoio às ações da Operação Militar especial, levada a cabo em território ucraniano. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já afastou qualquer envolvimento do seu país e acusa Putin de tentar culpar os ucranianos.
Vladimir Putin condenou o ataque, considerando-o um ato terrorista “bárbaro e sangrento” e, afirmou que os terroristas seriam punidos e que ninguém que tivesse participado no ataque seria poupado. Os quatro suspeitos estão em prisão preventiva, e enfrentam uma possível pena de prisão perpétua, pelo pior ataque terrorista na Rússia nos últimos anos. Três dos quatro homens são cidadãos tajiques ou de origem tajique.
Sensação de que o terrorismo tinha diminuído
Para além da troca de prioridades do Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB), ordenada pelo presidente russo, responsável pela falha de segurança e pela resposta lenta das autoridades russas, havia também no país a sensação de que a ameaça do terrorismo islâmico interno tinha diminuído.
"Toda a gente relaxou e houve um sentimento geral de que já não havia uma ameaça séria", explicou Mark Galeotti, ao The Guardian. O especialista em segurança russa afirmou que “o terrorismo islâmico na Ásia Central continua a ser um problema real para o FSB. O FSB tem muita experiência em lidar com extremistas no Cáucaso, gastou enormes recursos nisso, mas a Ásia Central é mais um ponto cego".
"Toda a gente relaxou e houve um sentimento geral de que já não havia uma ameaça séria", explicou Mark Galeotti, ao The Guardian. O especialista em segurança russa afirmou que “o terrorismo islâmico na Ásia Central continua a ser um problema real para o FSB. O FSB tem muita experiência em lidar com extremistas no Cáucaso, gastou enormes recursos nisso, mas a Ásia Central é mais um ponto cego".
Segundo um relatório da ONU, apresentado ao Conselho de Segurança das Nações Unidas em janeiro, o grupo islâmico que reivindicou o ataque a Moscovo lançou uma campanha de recrutamento no ano passado, de militantes de outros grupos terroristas no Tajiquistão e noutros países da Ásia Central, escreve o The Guardian.