"Ataque à democracia". Como o mundo está a reagir ao assalto ao Capitólio

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Reuters

A invasão de apoiantes pró-Trump ao Capitólio na quarta-feira está a provocar reações por parte de vários líderes mundiais. Descrevem as cenas de violência vividas na capital norte-americana como "vergonhosas", "chocantes" e um "ataque à democracia" e apelam a uma transição "pacífica e ordeira" do poder. Este será um dia que “ficará para a história” pelos piores motivos, consideram.

Presidentes e primeiros-ministros de todo o mundo acompanharam com preocupação o ataque ao Capitólio por parte de apoiantes de Donald Trump enquanto decorria a sessão de ratificação dos votos das eleições presidenciais dos EUA. Os ataques fizeram pelo menos quatro mortos.

“Hoje foi um dia sombrio na história da capital dos Estados Unidos”, disse Mike Pence, vice-presidente dos EUA, quando os trabalhos no Congresso foram retomados. “Condenamos a violência que teve lugar aqui nos termos mais fortes possíveis”, acrescentou.

O presidente eleito Joe Biden, cuja vitória foi certificada esta quinta-feira pelo Congresso norte-americano, afirmou que os violentos protestos foram “um ataque sem precedentes à democracia” e acusou Donald Trump de incitar à violência.

“As palavras de um presidente importam, por muito bom ou mau que esse Presidente seja. No seu melhor, as palavras de um Presidente podem inspirar; no seu pior, podem incitar”, disse Biden.

"Trata-se de um ataque àquilo que é mais sagrado para os norte-americanos", afirmou. "Ser americano é ter honra e tolerância", vincou o futuro Presidente norte-americano.

Barack Obama diz que vão ficar para a história as cenas de violência vividas na quarta-feira em Washington.

A história vai recordar a violência no Capitólio, incitada por um Presidente em exercício que continua a mentir infundadamente sobre os resultados de uma eleição legal, como um momento de grande desonra e vergonha para a nossa nação”, escreveu o antigo Presidente norte-americano na sua conta do Facebook. “Mas estaríamos a mentir a nós próprios se tratássemos isto como uma completa surpresa”, disse Obama, explicando que o que o mundo está a testemunhar hoje são “as consequências de uma escalada de violência”.

Outros antigos Presidentes também já reagiram. Bill Clinton escreveu no Twitter que o ataque ao Capitólio é consequência de “quatro anos de política venenosa e de desinformação deliberada, semeando desconfiança no nosso sistema e colocando os americanos uns contra os outros”. George W. Bush fala em “república das bananas” e Jimmy Carter em “tragédia nacional”.
Reações na Europa
Do outro lado do Atlântico também chegam reações aos protestos que são já descritos como a maior ameaça à democracia dos EUA desde a guerra civil.

Boris Johnson condenou as “cenas vergonhosas” a que o mundo assistiu na quarta-feira. “Os Estados Unidos representam a democracia em todo o mundo e agora é vital que haja uma transferência de poder pacífica e ordeira”, escreveu o primeiro-ministro britânico no Twitter.

“Quando, numa das democracias mais antigas do mundo, os apoiantes de um Presidente cessante pegam em armas para desafiar os resultados legítimos de uma eleição, a ideia universal de ‘uma pessoa, um voto’ é prejudicada”, disse o presidente francês num vídeo publicado no Twitter.

“O que aconteceu em Washington DC não é a América, definitivamente. Acreditamos na força das democracias. Acreditamos na força da democracia norte-americana
”, acrescentou Emmanuel Macron.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, disse ter “confiança na força da democracia norte-americana. A nova presidência de Joe Biden vai superar esta fase tensa, unindo o povo americano”.

O ministro nos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Heiko Maas, disse que Trump e os seus apoiantes “devem aceitar a decisão dos eleitores norte-americanos e deixar de pisar a democracia”.

A chanceler alemã Angela Merkel disse estar "triste" e "zangada" com a invasão do Capitólio em Washington por apoiantes de Donald Trump, considerando que o Presidente cessante tem uma parcela de responsabilidade.

"Lamento profundamente que o Presidente Donald Trump não tenha admitido a sua derrota desde novembro e ontem [quarta-feira]", disse a chanceler alemã aos jornalistas.

Angela Merkel considera que "as dúvidas sobre o resultado da eleição foram alimentadas e criaram a atmosfera que tornou possíveis os acontecimentos de quarta-feira em Washington".

Também os principais líderes da União Europeia deram a conhecer as suas opiniões. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, disse confiar nos EUA para garantir uma transferência pacífica de poder para Joe Biden. “O Congresso dos EUA é um templo da democracia. Testemunhar as cenas desta noite em Washington DC é um choque”, acrescentou Charles Michel.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse esperar trabalhar com o democrata que "venceu as eleições".

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, descreveu como “chocantes” as imagens que chegavam na quarta-feira da invasão ao Capitólio e reiterou que o resultado das eleições “deve ser respeitado”.

Por sua vez, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse estar “triste” e lembrou a importância de cumprir os processos democráticos.

Outros exigem medidas mais drásticas, já que muitos congressistas democratas estão a sugerir artigos de impeachment contra Donald Trump, pela segunda vez na sua presidência.

O eurodeputado e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Radek Sikorski, escreveu no Twitter: “O Gabinete dos EUA deve imediatamente, de acordo com a 25ª Emenda da Constituição, declarar Donald Trump irresponsável e suspender a sua presidência”.

Em Portugal, o primeiro-ministro António Costa escreveu na quarta-feira na sua conta do Twitter estar a acompanhar “com preocupação os desenvolvimentos em Washington”, sublinhando que “o resultado das eleições deve ser respeitado, com uma transição pacífica e ordeira do poder”.

Também o ministro dos Negócios Estrangeiros mostrou-se “estupefacto” com as imagens que chegavam de Washington na tarde de quarta-feira. "Isto não são os Estados Unidos, não são as instituições democráticas norte-americanas. É a primeira vez que uma transição entre dois presidentes não se faz de uma forma ordeira e coordenada como a Constituição e as leis americanas preveem", disse Augusto Santos Silva à agência Lusa.
“Trump explodiu com a democracia americana”
Nem todos os líderes mundiais condenaram os acontecimentos na capital norte-americana.

O Presidente brasileiro Jair Bolsonaro continua a apoiar Donald Trump e reiterou as alegações infundadas de fraude eleitoral. “Há muitas denúncias de fraude eleitoral”, disse Bolsonaro.

Já o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, Rodrigo Maia, olhou para “o terrível episódio” que ocorreu nos EUA como um vislumbre do que poderá acontecer no Brasil se Bolsonaro não for reeleito em 2022.

Trump explode com a democracia americana”, disse Eliane Cantanhêde, uma conhecida comentadora política brasileira. “Um dia que ficará para a história. Um Presidente a ser deitado no caixoto do lixo da história”, acrescentou a comentadora.

Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu descreveu as cenas de violência do Capitólio em Washington como "um ato escandaloso" e defendeu que devem ser "vigorosamente condenadas".

"Não tenho nenhuma dúvida de que a democracia norte-americana vai triunfar", acrescentou Netanyahu.

Na Rússia, o Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros do Senado considera que a democracia norte-americana anda à deriva.

"O partido que perdeu [Partido Republicano] tem razões mais do que suficientes para acusar os vencedores de falsificações. É evidente que a democracia americana 'anda de um lado para o outro'", disse Konstantin Kosatchev, em Moscovo.

O Irão encara a invasão no Capitólio como uma demonstração da “frágil e vulnerável” democracia ocidental. O Presidente iraniano Hassan Rouhani criticou ainda o "populismo", referindo-se aos apoiantes do chefe de Estado norte-americano.

No final da cerimónia formal no Congresso, o Presidente cessante prometeu uma “transição ordeira” a 20 de janeiro, mas continuou a desacreditar o resultado eleitoral.
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