As lutas de Maria, Lisdália e Josiane retratam desigualdades no Dia da Mulher Cabo-verdiana
Maria Lopes, cabo-verdiana de 37 anos, deixou a casa dos pais para seguir o sonho de ser bombeira, porque o pai não a queria numa profissão tradicionalmente ocupada por homens.
Mas, no Dia da Mulher Cabo-verdiana, que se celebra a 27 de março, é ela que está de serviço para salvar vidas e inspirar outras mulheres, referiu à Lusa, na ilha mais turística do arquipélago.
"Mudei-me da ilha de Santiago para o Sal para evitar conflitos com o meu pai. Até um simples bom dia ele deixou de dar. Isso fazia-me sentir muito mal", relatou Maria.
Quando um dia regressou a casa mais tarde, depois de dar assistência a um acidente rodoviário, o pai fez-lhe um ultimato: "mas eu disse-lhe que era o que eu gostava de fazer".
Maria já tinha terminado formação como bombeira e não hesitou em sair de casa para seguir o sonho que tinha desde criança.
Agora, com sete anos de experiência, é ainda uma das raras mulheres bombeiras na ilha turística do Sal.
Maria disse que enfrentou resistência e desprezo dos próprios colegas.
"Um deles disse-me: `nunca serás igual a mim porque és mulher e se dependesse de mim, ficas sentada neste sofá`. Mas, na rua, as pessoas apoiavam-me ", descreveu.
Lisdália Baió, 30 anos, é uma das quatro mulheres instrutoras de condução na capital, cidade da Praia, outra profissão dominada por homens.
Apesar do apoio familiar, enfrentou preconceitos com alunos.
"Quando um aluno soube que era eu a instrutora, questionou: `Uma mulher a ensinar-me a conduzir? Nesta terra gostam de brincadeiras`. Recusou-se a ter aulas comigo", relatou, considerando que "falta mais coragem por parte das mulheres para entrar em áreas tidas como dos homens".
Josiane Fernandes, 33 anos, lava carros há cinco anos e os preconceitos fazem parte do dia-a-dia: "Muitos estranham e perguntam: uma mulher a lavar carros?".
"Sinto-me feliz quando dou uma boa `dosa` [expressão usada em Cabo Verde para referir a lavagem] a um carro e os rapazes dizem que vão voltar", contou à Lusa, enquanto se preparava para tratar de mais um veículo.
Chega a lavar 25 carros num só dia e tem um sonho, abrir o seu próprio espaço, até porque já concluiu formação na área prestada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
O sociólogo Redy Lima disse que, ao longo dos tempos, as mulheres têm sido relegadas para o setor informal, sem fiscalidade, nem segurança social.
Nas últimas décadas, ganharam espaços tradicionalmente masculinos, no setor formal, e torna-se essencial promover o reconhecimento das mulheres nessas profissões, como concorrentes à altura, considerou.
"O machismo continua a ser uma realidade, mas a luta é para que este pensamento não se fortaleça com ideias importadas de discursos de supremacia masculina", que também circulam no exterior, apontou.
Luísa Tavares, 40 anos, é prova dessa luta, porque a mecânica automóvel é uma paixão de infância tornada profissão.
"O meu pai tinha uma oficina. Ele trabalhava na varanda de casa, eu brincava com peças e via as suas mãos cheias de óleo, mas nunca tive dificuldade em mexer nos materiais", relatou.
Mas, entre amigos, a escolha não foi bem recebida.
"Muitos duvidavam da força e capacidade pelo facto de ser mulher", mas com o tempo e provas dadas a confiança cresceu, referiu.
"A sociedade ainda diz que há trabalhos que não são para mulheres, mas nós destacamo-nos. Temos de acreditar mais em nós", concluiu.
O Dia das Mulheres Cabo-Verdianas, celebrado a 27 de março, foi instituído em 1981, assinalando a fundação da Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), primeira associação feminista do país.