"As coisas podem melhorar". O último discurso de Joe Biden na ONU

por Graça Andrade Ramos - RTP
Joe Biden, no seu último discurso perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas enquanto presidente dos Estados Unidos da América Mike Segar - Reuters

O presidente dos Estados Unidos falou pela última vez perante os líderes mundiais reunidos em Nova Iorque, na sede das Nações Unidas, para a 79ª Assembleia Geral.

Joe Biden, que tem dado mostras de grande fragilidade e desconcentração nos últimos meses, centrou o discurso em apelos à unidade e à paz, especificamente no Médio Oriente e na Ucrânia, lembrando aos presentes que os líderes não podem "reagir com desespero".

Além de uma despedida, o discurso foi pretexto para um recapitular de décadas de ação política e uma oportunidade para apelar à confiança no futuro.

Biden não fugiu contudo aos dois grandes temas que centram a preocupação mundial e da sua Administração.

Os riscos de um conflito generalizado no Médio Oriente, que tem estado a centrar as alocuções da maioria dos líderes, foi um dos pontos altos do seu discurso.
Viver "um inferno"
Biden recordou, com palavras de lamento, de solidariedade e de crítica, o sofrimento gerado pela guerra, em Israel e em Gaza. E apontou um culpado.

"Ninguém pediu esta guerra iniciada pelo Hamas", frisou o presidente norte-americano, antes de desejar ao povo palestiniano do enclave um futuro livre da influência do grupo islamita apoiado pelo Irão, e cujo maior objetivo é destruir Israel.

"O mundo não pode esquecer o que sucedeu a 7 de outubro" de 2023, avisou ainda Biden, lembrando o cortejo de assassínios e atos de terror inflingidos nesse dia a milhares de civis israelitas. O mundo "tem a responsabilidade de fazer com que tal nunca se repita", afirmou.

Joe Biden mencionou as centenas de mortos civis causadas pelo ataque do Hamas a Israel há 11 meses e as dezenas de pessoas sequestradas então. "Encontrei-me com as famílias desses reféns. Lamentei com elas", referiu. "Estão a viver um inferno".

Mas a resposta israelita para destruir o Hamas em Gaza, tem igualmente semeado sofrimento atroz, sublinhou.

"Também os civis inocentes em Gaza estão a viver um inferno. Milhares e milhares mortos, incluindo trabalhadores humanitários. Demasiadas famílias deslocadas, amontoadas em tendas, perante uma situação humanitária terrível", referiu Biden.

O presidente norte-americano procurou apesar de tudo palavras de encorajamento, ao falar do acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, tão discutido e tão adiado.

"Chegou a hora para as partes concluírem os termos, fazer regressar a casa os reféns e garantir a segurança para Israel e Gaza livre do roteiro do Hamas, aliviar o sofrimento em Gaza e por fim a esta guerra", concluiu Biden.
Putin "falhou"
O discurso de Biden serviu igualmente para lembrar o peso da liderança mundial dos EUA, na defesa do direito internacional e do respeito pela soberania dos povos.

Apesar de estar de saída e de não poder comprometer a próxima Administração, venha ela a ser democrata ou republicana, Joe Biden prometeu prosseguir com o apoio à Ucrânia até à vitória na sua guerra contra a invasão russa instigada pelo governo do presidente Vladimir Putin.

"Os nossos aliados e parceiros NATO e mais de 50 nações ergueram-se" contra a Rússia, lembrou o presidente dos EUA, recuperando o repúdio pelas operações russas iniciadas há mais de dois anos.

"Mais importante, o povo ucraniano ergueu-se", sublinhou.

"As boas notícias são que a guerra de Putin falhou, assim como o seu objetivo fulcral", defendeu ainda Biden. "Ele pretendeu destruir a Ucrânia, mas a Ucrânia continua livre. Pretendeu enfraquecer a NATO, mas a NATO está maior, mais forte, mais unida do que nunca, com dois novos membros, a Finlândia e a Suécia".

"Mas não podemos baixar os braços", alertou igualmente, num recado tanto aos restantes líderes mundiais como aos Estados Unidos, que poderão eleger em novembro um novo presidente, Donald Trump, que poderá diminuir ou até retirar o apoio norte-americano a Kiev.
"Tenho esperança"
A esperança foi a tónica do último discurso de um político com uma carreira de mais de cinco décadas.

Recordando os diversos conflitos a que assistiu, e especificamente a guerra do Vietname, que dominou o início da sua vida política há meio século e que acabou em reconciliação, Biden deixou uma mensagem de confiança.

"As coisas podem melhorar", afirmou. "Nunca nos devemos esquecer disso. Tenho assistido a isso ao longo da minha carreira".

Joe Biden explicou que, graças a essa experiência, entre outras que testemunhou na sua longa carreira, confia que o mundo será capaz de ultrapassar mais um período difícil, como o atual, marcado pela multiplicidade e complexidade de crises sucessivas.

"Enquanto líderes, não nos podemos dar ao luxo" de "reagir com desespero" perante as dificuldades que o mundo vive, lembrou.

"Talvez por tudo o que vivi e tudo o que fizemos juntos aos logo de décadas, tenho esperança", acrescentou. "Sei que existem caminhos de progresso".

O presidente norte-americano aproveitou também para defender a democracia e para lembrar os seus pares que “algumas coisas são mais importantes do que manter-se no poder”, dando como exemplo a sua própria renúncia à reeleição.

"Apesar de amar o meu trabalho, amo mais o meu país", explicou. "É o nosso povo que mais importa", acrescentou Joe Biden, dirigindo-se aos restantes líderes sobre a importância de refrearem as suas ambições pessoais.

“Nunca se esqueçam, estamos aqui para servir o povo, não o inverso”, sublinhou o presidente daquela que é considerada a maior democracia do planeta. 

"Porque o futuro, o futuro, será ganho por aqueles que libertarem o pleno potencial do seu povo para respirar livremente, para pensar livremente, para inovar, para educar, para viver e amar às claras, sem medo", acrescentou.

"Essa é a alma da democracia. Não pertence a nenhum país", rematou.

Também a urgência do combate às alterações climáticas, a eliminação do flagelo da fome mundial e os desafios das novas tecnologias, incluindo a Inteligência Artificial, foram tópicos do discurso de Joe Biden, que enalteceu os esforços da sua Administração nestes temas.

"Temos a responsabilidade de preparar os nossos cidadãos para o futuro", aconselhou, prevendo para a próxima década mais mudanças tecnológicas "do que nos últimos 50 anos", apontando tanto os benefícios como os riscos da IA.
 
"Nada é certo sobre a forma como irá evoluir ou como será utilizada", advertiu.
PUB