Artemis I. Uma missão com tantas fases como a Lua

Já chegamos à Lua, mas o feito que decorreu na década de 60 e 70 do século passado, e que deu ao mundo uma aparência de algum avanço e facilidade científica, na verdade não foi assim tão eficaz. Prova disso mesmo são os mais de 50 anos que separam a última vez que o ser humano colocou os pés no satélite natural da Terra e uma nova tentativa de lá voltar.

Quase um quarto de século do XXI já passado, e o regresso da humanidade à Lua não passa ainda de intenções, tentativas adiadas e muitas cautelas.

A missão Artemis da NASA é a que detém, para já, luz verde para avançar com esse intuito, para poder dar novos passos de gigante. Mas, apesar dos avanços tecnológicos e da muita informação já recolhida, nem tudo corre tão rápido como se deseja.

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Voltar à Lua
Lua: satélite natural da Terra, com uma órbita elíptica de 27 dias e 8 horas. Um astro que se julga ter surgido após a colisão de um “protoplaneta” com a Terra e que sempre fascinou várias áreas humanas, desde a filosofia, à ciência, passando pela literatura, à magia e oculto.

Mas o que é que este astro, com um quarto do tamanho da Terra, composto basicamente por basaltos vulcânicos, tem de tão atrativo para lá voltarmos?

Basicamente a Lua é apenas a primeira etapa e grande intento para um futuro caminho exploratório de outros astros no Sistema Solar.

Com uma composição química e mineral à superfície muito pobre (magnésio, ferro, silício, cálcio e oxigénio), comprovada pelas amostras lunares da missão Apollo e posteriormente por diversas sondas, a Lua nunca foi teve atratividade económica, e a exploração mineira dos seus recursos implicaria gastos avultados.

Restava então o elemento geoestratégico, de ensaio, para o estabelecimento de uma base extraterrena para experiências científicas e um ponto de partida para futuras missões de exploração espacial.

Contudo, e apesar de a Lua estar a pouco mais de oito dias de distância da Terra, tempo médio estimado, colocar lá humanos requer muitos meios artificiais e económicos. Algo que seria facilmente ultrapassado caso houvesse a garantia de que a Lua fosse uma “pedra preciosa”, ainda que por lapidar.

Apesar disso este astro cinzento e empoeirado continua a ter o seu encantamento e interesse estratégico, razão pela qual não se desistiu do regresso ao inóspito rochedo.

Missão Apollo 11 (20 julho de 1969). Neil Armestrong pousava para a foto após ter plantado a bandeira norte-americana pela primeira vez num solo extraterrestre. Créditos: NASA/DR
Voar e tocar a Lua
Desde o planador de Leonardo da Vinci (sécs. XV-XVI), à passarola de Bartolomeu de Gusmão (sécs. XVII-XVIII), ao feito do primeiro voo artificial dos irmãos Wright, já no século XX, voar foi sempre uma das grandes ambições do ser humano e, até se conseguir esse intento, muito foi imaginado e construído.

E se o céu era o limite, a Lua sempre foi um sonho, só alcançado há muito pouco tempo, perante a escala da evolução humana.

As guerras podem não ser vantajosas no campo dos direitos humanos, mas foram elas que trouxeram avanços tecnológicos e científicos que permitiram hoje em dia olhar para o espaço e sua exploração.

O V-2 (Vergeltungswaffe 2), nome técnico Aggregat 4 (A4), foi o primeiro míssil balístico guiado de longo alcance./Direitos Reservados

O avanço foi tal que, desde os primeiros foguetes V2, tecnologia militar nazi de 1943, até ao foguete Saturno V, que levou o homem até à Lua, apenas decorreram 27 anos.

Agora, e decorrido cerca do dobro desse tempo, a NASA volta a apostar numa nova ida à Lua. Apesar de os meios agora utilizados serem fruto do progresso tecnológico, o tempo de paz parece ter trazido pouca evolução nesta área, deste 1969, apresentando o programa espacial Artemis a mesma forma de lançamento e a mesma estrutura de transporte humano no espaço.

NASA/DR

Apollo e Artemis – missões lunares
Objectivo: ir à Lua, pousar, explorar e regressar. Estes continuam a ser os motivos primordiais das duas missões da NASA – Apollo e Artemis.

A grande diferença entre os dois decorre apenas no contexto geoestratégico, existente em 1969, em que russos e americanos se digladiavam para conquistarem o pioneirismo espacial. Atualmente a renovação da ida à Lua visa o ensaio para uma abertura da exploração espacial com humanos.

Programa Apollo

O programa Apollo, concebido em 1961 e de acordo com a NASA, consistia na realização de 11 voos espaciais sendo quatro deles sem tripulação, e seis dos restantes sete voos tripulados até à Lua. O primeiro voo tripulado ocorreu em outubro de 1968 (Apollo 7) e a missão final ocorreu em dezembro de 1972, com a Apollo 17.

Quando as missões Apollo chegaram ao fim, 12 astronautas tinham andado na superfície lunar, tendo realizado várias pesquisas científicas e recolhido amostras do solo para posterior análise já na Terra. Essas amostras ainda hoje são úteis para a ciência e para as futuras missões ao satélite natural.

A preparação para a Apollo veio no seguimento do programa Mercury, que decorreu de 1959 a 1963. Este programa da NASA serviu para enviar os primeiros astronautas até à órbita terrestre e testar se os humanos poderiam sobreviver e trabalhar no espaço.

Ainda em 1962 surgiu o programa Gemini, até 1966, aumentando para dois o número de astronautas a viajarem nestas missões. Foi com este programa que se iniciou uma série de procedimentos críticos com vista a uma viagem tripulada à Lua.

Com a “Guerra Fria” entre soviéticos e americanos, coincidindo com o lançamento do primeiro satélite artificial por parte dos russos (Sputnik 1), surge em 1957 a necessidade de acelerar ainda mais a conquista do espaço e chegar à Lua com seres humanos, sendo este objetivo, à época, estratégico, consolidando o estatuto de “superpotência” o país que conseguisse esse intento.

Emblemas das várias missões Apollo/Direitos Reservados

O programa Apollo (1961) exigiu assim um esforço monumental pessoal e financeiro, rondando valores totais, ajustados à inflação, de mais de 280 mil milhões de dólares.

Ir à Lua exigia muita formação humana, científica e tecnológica, onde o meio de transporte era fulcral. Apesar do rápido desenvolvimento balístico, entre mísseis e foguetes das missões Mercury e Gemini, era crucial construir um veículo suficientemente poderoso para contrariar a gravidade terrestre, romper a atmosfera e enviar uma cápsula (mas tarde tripulada), até à Lua e voltar.

Obra do engenho e arte, surge assim o foguete Saturno V, com uma altura de 110,6 metros e com uma capacidade de impulso de 3,400 toneladas, poderoso o suficiente para colocar a caminho da Lua uma cápsula tripulada, do tamanho de um carro normal, conjuntamente com um módulo lunar, essencial e com o único propósito de alcançar a superfície lunar e voltar até à órbita da Lua.

Evolução do Saturno V/Direitos Reservados

Este instrumento levou em 1969 os primeiros três humanos à superfície lunar e foi sendo readaptado e utilizado, ao longo das várias missões, até 1972 (Apollo 17), sendo criada uma ultima versão para colocação em órbita da primeira estação espacial norte-americana Skylab - um veículo que confirmou o avanço tecnológico e o esforço realizado pela vasta equipa de engenheiros e cientistas da NASA.

Apesar do sucesso de praticamente todas as missões, onde apenas a missão número 13 não concluiu o seu propósito, devido a uma explosão no tanque de oxigénio no módulo de serviço, o alto preço do programa Apollo e o declínio do interesse público levaram ao cancelamento desta tão promissora estratégia espacial.

Um custo tão elevado e de alto risco humano, que fez com que o retornar da aposta num regresso humano à Lua, demorasse mais de 50 anos.

O sonho de voltar não desapareceu, mantendo-se ativo, mas através de missões não tripuladas, com maior ênfase na exploração no espaço profundo, em outros planetas do sistema solar.

Nos últimos anos e agora com Marte na mira da NASA, acelerada também por interesses privados, a agência espacial norte-americana “reactivou” em 2017 o programa deixado em 1972, rebatizou-o, novamente com a vontade de viajar até à Lua, agora sob a sigla Artemis (deusa grega da Lua).

Esta missão é mais ambiciosa e visa levar astronautas, não só masculinos, e criar a curto prazo uma base científica, habitada, na superfície lunar, em 2028, com apoio logístico de uma pequena estação orbital.

A NASA aquando da criação deste programa contava realizar os primeiros voos em 2020, derrapando estes até 2022. Estimava-se que, se tudo corresse bem, a nova geração de astronautas lunares colocariam os primeiros passos em 2024, mas vários factores condicionaram estas datas, continuando a surgir contratempos (técnicos, burocráticos e meteorológicos) deixando ainda o novo super poderoso foguete SLS – Artemis bem preso ao chão.

Programa Artemis

Formalmente estabelecido em 2017 durante o governo de Donald Trump, o programa Artemis foi anunciado como sendo uma nova bandeira da NASA para regressar em força à exploração espacial e espaço profundo.

Alimentando-se de uma vasta experiência no campo da construção e utilização de veículos espaciais, o programa Artemis (I, II e III) desenhou e construiu um novo e poderoso lançador/foguete (Space Launch System) escolhido para voltar a colocar na rota lunar um novo veiculo de transporte humano (Orion), até à Lua.

O primeiro lançamento da cápsula Orion, desenvolvida dentro do programa Constellation da NASA (2005-2010), agora colocada no topo do SLS, foi originalmente definida para ser lançada em 2016, mas, devido a contratempos contratuais e financeiros, o programa teve de ser redefinido, reprogramado e adaptado à missão Artemis 1, ainda com instrumentos de avaliação a bordo.

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A missão visa estabelecer, no futuro, uma presença humana e robótica duradoura na Lua e prevê a criação de novos sistemas de apoio de vida e transporte que permitam missões de maior duração, bem como a criação de um posto avançado orbital (Lunar-Orbiting Gateway).

No que diz respeito à superfície lunar, e ainda dentro deste programa, a NASA conta instalar na Lua uma zona habitável - Campo Base Artemis - com um habitat de superfície pressurizada e não pressurizada que estabelecerá a primeira base na fronteira lunar para expedições prolongadas, base onde os astronautas irão realizar experiências científicas e criar novas tecnologias.

Juntos, a Gateway e o Campo Base Artemis irão apoiar simulações de missões enquanto se prepara o próximo passo - enviar astronautas a Marte.

Esta missão já deveria ter saído da rampa de lançamento, e só em Setembro viu esse plano adiado por três vezes. Contratempos vários têm levado a adiar à presença humana na Lua, uma e outra vez.

De acordo com o plano estabelecido pela NASA, tudo está ainda programado para que o primeiro lançamento tripulado ocorra na missão Artemis 2 em 2024, e a alunagem tripulada na missão Artemis 3, em 2025.

Se tudo decorrer como o previsto, e após o regresso da Lua, a NASA lançará a missão Artemis 4, que visa acoplar, entre 2028 e 2030, com a estação espacial lunar – um programa paralelo à Artemis - que servirá de base de apoio logístico entre a exploração da Lua e a Terra. Uma gateway que também servirá posteriormente para a criação de uma base em solo lunar.

Apesar do cronograma estar já definido e ser apertado, há já observadores que alegam que o custo e o agendamento do programa ‘provavelmente’ serão ultrapassados e atrasados, devido à gestão inadequada da NASA e suas parcerias.

Não há duas sem três
Ainda não foi em setembro que a NASA viu o mais recente e poderoso foguete do mundo – SLS – Sistema de Lançamento Espacial, elevar-se no ar. E com este novo atraso o cronograma da missão Artemis, que levará novos astronautas até à Lua, pode ter de ser reajustado e anular o intento de colocar o homem em Marte até 2040.

Mas com acesso e recurso a tanta experiência e tecnologias, o que é que está afinal a atrasar o lançamento do tão desejado projéctil espacial?

A resposta da NASA baseia-se em três premissas: segurança, burocracia e meteorologia.

O foguete Artemis I Space Launch System (SLS) e a cápsula Orion encontram-se agora recolhidos e protegidos após falha na tentativa de lançamento devido à passagem do Furacão Ian. Créditos da foto: NASA/Glenn Benson

T+ Um; Dois; Três…
Esta última terça-feira, 24 de Setembro, foi a terceira tentativa oficial para lançar a missão Artemis I, que tem por objetivo abrir o caminho para o tão desejado regresso humano à Lua.

Uma contagem ‘crescente’ de tentativas, que foram surgindo após vários problemas técnicos, não muito agradáveis para a NASA, procurando a agência espacial norte-americana reconciliar-se com os fans, contribuintes e políticos, pressionada agora com um crescendo de grupos privados a quererem ganhar ‘espaço’ nesta área.

Mas analisemos com maior pormenor o porquê do não lançamento do SLS nestes últimos 30 dias de Setembro.

Primeira tentativa (1 setembro)

Chegara o grande dia. A NASA apresentava este dia 1 de Setembro como o momento em que a humanidade voltava a enviar um grande foguete para regressar à Lua.

O lançamento era solene, a NASA apresentava-se engalanada e convidara ilustres figuras do mundo espacial, políticos nacionais e alguns internacionais.

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Mas, a 40 minutos do lançamento, momento em que se faz uma paragem obrigatória e normal na contagem decrescente, não houve consenso no lançamento do foguete do SLS devido a duas anomalias - uma no arrefecimento de um dos motores RS-25 e outra devida a uma pequena fuga de hidrogénio na válvula de enchimento de hidrogénio no tanque principal.

Segunda tentativa (3 Setembro)

Nova tentativa de lançamento, mas desta vez os engenheiros da NASA não tiveram dúvidas ao não avançar com a contagem até ao “Check out” final (T-40).

Apesar da resolução, ainda que pouco convencional, do arrefecimento existente no motor RS-25, número 3, os engenheiros não conseguiram estancar a fuga de combustível de hidrogénio liquido no tanque principal.


NASA/DR

A fuga continuava a registar-se no selo da manga de abastecimento, e todas as três tentativas de recolocar o selo foram infrutíferas, após um comando enviado inadvertidamente e que elevou temporariamente a pressão no sistema. O erro tinha causado uma ainda maior fuga do líquido gelado do que o apresentado no dia 2 de setembro.

Uma tentativa de lançamento com tal problema poderia desencadear numa ignição involuntária, ao contacto do hidrogénio libertado com as chamas dos motores, e resultar numa explosão e perda total do veículo.

Após o cancelamento do lançamento, os engenheiros ainda equacionaram devolver o SLS ao edifício de montagem do foguete – VAB (Vehicle Assembly Building) –, mas o tempo que demoraria entre o regresso, reparação e voltar à rampa de lançamento 39B, localizada no Kennedy Space Center, da NASA, na Flórida, comprometia a licença de lançamento dada pela Federal Aviation Administration (FAA) norte-americana. Assim, o SLS foi reparado e permaneceu até à nova janela de lançamento prevista para 27 de Setembro.

Terceira tentativa (24 setembro)

Os engenheiros deitavam as mãos à cabeça e arrancavam os cabelos. Tudo tinham feito para fazer subir o pesado e poderoso SLS e ouvir o roncar dos poderosos motores do SLS. Mas os “deuses” não deixaram os humanos e inteligentes mortais verem a sua obra de engenharia e ciência ‘rasgar os céus, seus redutos e domínios celestiais’.

Tudo apontava para finalmente existir a tão desejada luz verde para o lançamento, mas agora uma tempestade tropical, de nome Ian, que se formara no Golfo do México, estava a deitar tudo a perder.

O mau tempo e o furacão Ian não ajudaram ao lançamento/ NASA-DR

As previsões não eram animadoras e rapidamente se comprovou as previsões de que a tempestade ganharia força e se transformava em furacão, um furacão que atingiu a costa da Florida com o maior grau de força já registado pelas entidades meteorológicas.

Sem licença de lançamento da FAA, sem meteorologia a favor, e em breve sem baterias no foguete e instrumentos da Cápsula Orion, restava agora devolver o SLS ao VAB, facto esse que veio a verificar-se no dia 27 de setembro.

A modernizada plataforma 39B, no Centro Espacial Kennedy da NASA, na Flórida, está de novo vazia e a aguardar pelo SLS para uma nova tentativa de lançamento. Crédito da foto: NASA/Frank Michaux

Agora as novas janelas de lançamento apontam para 17 de outubro, muito embora exista a hipótese muito estreita de uma nova tentativa ligeiramente mais cedo. Mas que não deve acontecer.

E, se tudo apontou para o não lançamento, é caso para dizer que “o céu pode esperar”, muito embora a NASA não esmoreça e tenha bem presente a frase "Nós vamos!"

Créditos foto: NASA/DR


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