Apreensão internacional não demove Lula da Silva de viajar até à China

por Inês Moreira Santos - RTP
Ueslei Marcelino - Reuters

O presidente brasileiro vai estar na China entre os dias 12 e 15 de abril, depois de uma primeira viagem ter sido anulada por motivos de saúde. Lula da Silva parte acompanhado por uma comitiva de quase 300 pessoas e uma agenda ambiciosa na qual prevê a celebração de alguns acordos, apesar das divisões cada vez mais acentuadas a nível internacional e da apreensão dos Estados Unidos.

A agenda de Lula da Silva para a viagem de três dias a Pequim prevê o debate de temas económicos e diplomáticos, assim como a demonstração de intenção do Brasil em retomar uma cooperação mais ampla com países em desenvolvimento e expandir influência do país no mundo, após o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro que foi marcado pelo grande isolamento internacional.

E segundo alguns diplomatas brasileiros, citados pela imprensa internacional, a Presidência do Brasil planeia a assinatura de cerca de 20 acordos de cooperação com a China, nesta que é a terceira viagem do seu mandato - esteve já na Argentina e nos Estados Unidos. Em declarações à comunicação social, o secretário de Ásia e Pacífico do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil, Eduardo Paes Saboia, afirmou que cerca de dez dias antes da viagem de Lula da Silva à China, estavam a ser negociados muitos acordos bilaterais. Embora 20 já estejam confirmados, “esse número pode aumentar.”

Um dos acordos da área económica que gera espectativa diz respeito a ativação de um fundo de financiamento chinês de 20 mil milhões de dólares para investimentos em projetos no Brasil.

"Um dos temas da visita é o desenvolvimento, que envolve tecnologia, mudança do clima, transição energética e o combate à fome, e será um momento em que o Brasil e a China também falam para o mundo", resumiu Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty.

A visita de Estado de Lula inclui um encontro Xi Jinping e uma receção no Congresso Nacional do Povo. O presidente brasileiro vai aproveitar ainda para estar presenta na cerimónia de tomada de posse de Dilma Rousseff, ex-chefe de Estado do Brasil, como presidente do Novo Banco do Desenvolvimento (banco dos BRICS), que tem sede em Xangai.

O encontro bilateral inclui, ainda, discussões sobre a guerra na Ucrânia - dias depois de Xi Jinping ter reunido com Vladimir Putin em Moscovo - e a situação dos BRICS - bloco que inclui os dois países, a Rússia, a Índia e a África do Sul.
Comitiva alargada

É claro que a visita de Estado à China marca o regresso da diplomacia brasileira ao diálogo e à arena internacional. Mas o tema que tem gerado mais polémica, na imprensa brasileira, é o número de elementos que constitui a comitiva desta viagem da Presidência.

A dimensão da comitiva de Lula da Silva à China contrasta com a recente passagem do presidente brasileiro por Washington, onde esteve menos de 48 horas para um encontro rápido com Joe Biden.

"Essa disparidade é uma prova do peso que a China assumiu nas últimas décadas e das oportunidades potenciais que o país representa, num contexto em que os EUA têm dificuldade de fazer aportes e propostas viáveis e alternativas para o desenvolvimento na América Latina", explicou a coordenadora de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Fernanda Magnotta, à BBC Brasil.

É de salientar que a China é o principal destino das exportações dos negócios do setor brasileiro da agricultura e no ano passado absorveu 31,9 por cento das vendas do setor ao exterior, segundo dados do Ministério da Agricultura do país sul-americano. Entre os dez produtos mais exportados, a China foi o principal destino de seis: soja, carne bovina, carne de frango, celulose, açúcar de cana em bruto e algodão.

Por isso não é de estranhar que Lula da Silva participe, nesta visita, num evento de negócios que reunirá pelo menos 240 empresários brasileiros, com forte presença de pessoas ligadas ao agronegócio que acompanham a comitiva governamental na viagem, além de empresários e representantes do Governo chinês.

A China é também, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil e uma das principais origens de investimentos em território brasileiro. Em 2022, a corrente de comércio entre os dois países atingiu recorde de 150,5 mil milhões de dólares (139,4 mil milhões de euros).

“Não me lembro de uma comitiva oficial ter essa robustez, a gente vê empresários de todos segmentos”, disse à Lusa o consultor de agronegócio Luciano Vacari, destacando ainda o facto de os empresários de proteína animal estarem em peso representados.

“O Brasil está buscando uma reaproximação”, considerou Luciano Vacari, referindo-se às relações políticas conflituosas entre o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o seu homólogo chinês, Xi Jinping. “Com um comprador deste tamanho temos de ter uma relação mais saudável possível”.
Apreensão internacional

A visita de Estado, segundo os especialistas em Relações Internacionais, extrapola a relação comercial e pretende restabelecer novas relações políticas no panorama internacional.

Para além da relação pragmática, no campo da política externa brasileira o objetivo é que a relação Brasil-China seja consolidada “como uma relação central para se perceber como é que o Brasil se projeta na política internacional e principalmente num contexto de disputa entre Estados Unidos e China”, explicou a professora do curso de Relações Internacionais e Integração na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) Karen dos Santos Honório.

Tentar reconquistar uma relação de prestígio com a China que aconteceu nos antigos governos de Lula”, consolidando-se na aliança de formação dos BRICS, agrupamento de países de mercado emergente como China, Rússia, Índia, Brasil, que “perdeu força durante o Governo Bolsonaro”, frisou a especialista em relações internacionais.

Para além disso, a diplomacia brasileira compreende que o papel da China na América Latina, nos últimos 20 anos ganhou robustez.

“A China aumentou muito a sua influência nos países latino-americanos”, num primeiro momento meramente comercial, mas ultimamente até na compra de dívida pública e investimento em infraestrutura.

O Brasil está, portanto, a entrar no "jogo da política internacional para ter ganhos políticos” e potencializar o Brasil como uma ator relevante.

Mas depois da curta visita de Lula a Biden, os Estados Unidos "estão preocupados com essa aproximação do Brasil com a China”.

À BBC Brasil, um dos integrantes da comitiva presidencial brasileira à China foi direto ao assunto: "se os dois gigantes quiserem brigar para saber quem será o melhor parceiro para o Brasil, só temos a ganhar".


C/ agências
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