Apesar das divergências, Biden e Xi Jinping reconhecem progressos nas negociações

por Inês Moreira Santos - RTP
Kevin Lamarque - Reuters

Após uma reunião de cerca de quatro horas, o presidente dos Estados Unidos manifestou estar confiante com os progressos das conversações com o homólogo chinês na tensa relação entre as duas potências. Entre os acordos alcançados nas últimas horas, destaca-se o combate ao tráfico de droga, o restauro das comunicações militares e o início do debate sobre os riscos globais da inteligência artificial. Apesar de admitirem que o encontro de quarta-feira foi um dos "mais construtivos e produtivos", ambos os líderes não negam haver ainda divergências. Joe Biden ainda considera Xi Jinping um ditador e o presidente da China mantém que não quer interferência de Washington em Pequim.

Foi numa propriedade rural nos arredores de São Francisco que Biden recebeu Xi Jinping, na quarta-feira, com firmes apertos de mãos e sorrisos entre os dois líderes, segundo a imprensa internacional. Ainda antes da reunião, o presidente norte-americano afirmou que embora nem sempre estivessem de acordo, valorizava as conversas “francas, diretas e úteis” com o chefe de Estado da China.

“Nem sempre estivemos de acordo, o que não é surpresa para ninguém, mas as nossas reuniões sempre foram francas, diretas e úteis”, afirmou Joe Biden antes no início das conversações, frisando que o objetivo era “entenderem-se”.

“Como sempre, não há alternativa a discussões cara a cara”, disse o chefe de Estado norte-americano, admitindo ainda não querer “nenhum equívoco ou falha de comunicação” e que os dois líderes teriam de “garantir que a concorrência não se transforme em conflito”.

Já Xi Jinping começou por garantir que o planeta era “suficientemente grande” para que ambos os países tivessem sucesso enquanto potências, apesar de terem “pesadas responsabilidades” para o mundo.

“O planeta Terra é grande o suficiente para que ambos os países tenham sucesso. O sucesso de um é uma oportunidade para o outro”, disse o líder chinês diante das câmaras de televisão no início do encontro com Biden.

“Dois grandes países como os Estados Unidos e a China não podem virar as costas um ao outro”, afirmou ainda, acrescentando que “o conflito e o confronto têm consequências insuportáveis para todos”.

“Estamos no comando das relações entre a China e os EUA. (…) Estou ansioso para ter um intercâmbio aprofundado”, disse o líder chinês.
Acordos bilaterais
No final da reunião, que durou cerca de quatro horas, os dois líderes falaram à comunicação social. Joe Biden e Xi Jinping concordaram, num primeiro ponto, em tornar mais recorrentes as conversas telefónicas, mesmo em períodos de desentendimentos, tendo o presidente dos EUA admitido que estas negociações foram das “discussões mais construtivas e produtivas” que os dois chefes de Estado já tiveram.

“Acabei de concluir um dia de reuniões com o presidente Xi e acredito que foram algumas das discussões mais construtivas e produtivas que tivemos”, afirmou Biden numa mensagem na rede social X. “Baseámo-nos no trabalho de base estabelecido ao longo dos últimos meses de diplomacia entre os nossos países e fizemos progressos importantes".


Entre os acordos alcançados, os presidentes decidiram restaurar algumas comunicações militares entre as Forças Armadas dos dois países, comprometendo-se com uma cooperação para aproximar Washington e Pequim no âmbito do Acordo Consultivo Marítimo Militar. Os responsáveis militares norte-americanos têm vindo a manifestar repetidas preocupações sobre a falta de comunicações com a China, especialmente porque o número de incidentes entre os navios e aeronaves dos dois países aumentou.

Um funcionário dos EUA, que pediu para não ser identificado, disse após a reunião entre Biden e Xi que os acordos de comunicação militar significam que o secretário de Defesa norte-americano, Lloyd Austin, poderá reunir-se com o homólogo chinês, assim que este for nomeado. O que também abre a porta para acordos a outros níveis, incluindo permitir que o comandante das forças dos EUA no Pacífico, com base no Havai, se envolva em conversações com comandantes homólogos, disse o funcionário. O acordo provavelmente significará ainda compromissos operacionais entre os condutores de navios e outros a níveis muito mais baixos em cada país.

Joe Biden e Xi Jinping chegaram também a acordo para que o Governo chinês controle a saída do território de produtos químicos que os cartéis de droga mexicanos utilizam para fabricar fentanil e vendê-lo ilegalmente nos Estados Unidos, disse aos jornalistas um responsável norte-americano no final da reunião de mais de quatro horas entre os dois líderes.
Divergências entre líderes
Apesar de terem chegado a acordo em vários temas, outros ainda são assuntos de discórdia entre Biden e Xi Jinping. Taiwan é um dos temas por resolver entre Washington e Pequim, tendo Biden dito que deixou "claro não esperar qualquer interferência" nas próximas eleições presidenciais de Taiwan, agendadas para janeiro, e frisou o compromisso com a política de "Uma Só China".

"Reiterei o que disse desde que me tornei presidente, e o que todos os presidentes anteriores disseram recentemente: mantemos um acordo de que existe uma política de 'Uma China'", disse Biden, acrescentando que "isso não vai mudar".

De acordo com a Casa Branca, Joe Biden também aproveitou para levantar preocupações sobre os “abusos dos direitos humanos” da China em Xinjiang, Tibete e Hong Kong.

Concordaram “manter abertas as linhas de comunicação”, mesmo em época de crises políticas, mas o presidente norte-americano mantém a mesma posição sobre o homólogo chinês: “É um ditador”.

Questionado pelos jornalistas sobre se confia em Xi, Biden disse: "Confie, mas verifique, como diz o velho ditado. É onde estou", descrevendo a relação entre as duas potências como competitiva.

"Eu conheço o homem, conheço o seu modus operandi, olhei-o nos olhos - temos divergências. Ele tem uma visão diferente da minha sobre muitas coisas, mas tem sido honesto. Não quero dizer que seja bom, melhor, indiferente, apenas direto", considerou.

"Ele é um ditador no sentido de que é um homem que lidera um país que é comunista",
disse Biden, acrescentando que o Governo chinês "é totalmente diferente" do norte-americano.
Xi pede construção de “mais pontes” com EUA
O presidente chinês apelou à construção de "mais pontes" com os Estados Unidos, num jantar com empresários norte-americanos em São Francisco, no qual participaram Elon Musk e Tim Cook, entre outros, após as conversações com o homólogo dos EUA.

"Temos de construir mais pontes e pavimentar mais estradas para que os povos dos dois países interajam. Não devemos erguer barreiras (...)", afirmou o líder chinês, citado pela agência de notícias oficial chinesa Xinhua.

Xi considerou que Washington não devia ver a China como o principal concorrente e garantiu que o país está pronto para ser um "parceiro e amigo" dos EUA, com base nos princípios fundamentais do "respeito, coexistência pacífica e cooperação para benefício mútuo".

"Se uma das partes encarar a outra como o principal concorrente, desafio geopolítico e ameaça, isto só conduzirá a políticas desinformadas, ações mal orientadas e resultados indesejáveis", afirmou.

O líder chinês instou ainda os Estados Unidos a “não apostarem contra a China” e a "não interferirem nos assuntos internos” do país.

“A China nunca aposta contra os Estados Unidos e nunca interfere nos seus assuntos internos. A China não tem qualquer intenção de desafiar os Estados Unidos ou de destituir o país. Pelo contrário, ficaremos felizes por ver os Estados Unidos confiantes, abertos, em constante crescimento e prósperos”, afirmou.

Xi expressou a esperança de que Washington “dê as boas-vindas a uma China pacífica, estável e próspera”.

O líder chinês considerou que é um “erro” ver a China, que está “empenhada no desenvolvimento pacífico”, como uma ameaça, e alinhar num pensamento de “tudo ou nada” contra o seu país.

A reunião entre os dois líderes foi a primeira no espaço de um ano, depois de um encontro de cerca de três horas, em novembro de 2022, em Bali, na Indonésia, à margem da cimeira do G20. A última vez que Xi se deslocou aos Estados Unidos foi em 2017, altura em que se reuniu com o então presidente Donald Trump (2017-2021), na mansão do empresário em Mar-a-Lago, na Florida.
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