Os primeiros resultados provisórios divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral dão 64,57% de votos ao Movimento Popular de Libertação de Angola. A oposição fala em resultados "falsos" e "forjados".
A UNITA, principal força de oposição, alcançou 1.043.255 votos (24,4%) e a CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral) obteve 371.724 votos (8,56%). A votação decorreu na quarta-feira e irá determinar, por eleição direta, os 220 deputados que vão compor o Parlamento angolano, bem como a eleição indireta do Presidente da República.
O Partido de Renovação Social (PRS) surge na quarta posição desta votação, com 59.357 (1,37%), seguida da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), com 41.034 votos, (0,95%) e por último a estreante Aliança Patriótica Nacional (APN), com 22.471 (0,52%).
O anúncio dos primeiros resultados foi feito esta tarde por Júlia Ferreira, porta-voz da CNE em Angola.
Segundo a CNE, a abstenção está, neste ponto da contagem, nos 23,17%, equivalente a 1.375.884 eleitores. A contagem de votos está a ser feita em duas fases, primeiro nas províncias e só depois em Luanda.
Abaixo da maioria qualificada
Ainda com um terço das mesas de voto por escrutinar, o MPLA está na frente da contagem, mas ainda não assegurou a maioria qualificada, o objetivo traçado pelo partido que ocupa o poder desde a independência de Angola.
José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979, vai continuar a ocupar o cargo de presidente do MPLA, mas abandona o Palácio da Cidade Alta com esta eleição. João Lourenço passa a ser o novo chefe de Estado angolano - o terceiro desde a independência, em 1975 - com Bornito de Sousa Diogo a ocupar o cargo de vice-presidente.
Durante a manhã, o MPLA já tinha anunciado que teria a "maioria qualificada assegurada" e dava como garantida a vitória de João Lourenço para a Presidência da República, uma comunicação muito contestada pelos partidos da oposição.
Ana Romeu, enviada da RTP a Angola, conta que apenas 29,39 por cento das mesas da capital foram até agora escrutinadas. Com os votos de Luanda, o maior círculo eleitoral, poderão chegar os votos que concedam maioria qualificada ao MPLA.
Na província de Cabinda, registou-se até ao momento a votação mais equilibrada. Juntos, a UNITA e a CASA-CE obtiveram mais votos que o MPLA. Num total de 98,29% das mesas de voto do enclave já escrutinadas, o partido no poder lidera com 39,81%, com a coligação CASA-CE a contabilizar 29,27% e a UNITA com 28,19%.
UNITA e CASA-CE demarcam-se de resultados
Na primeira reação aos dados provisórios, Julião Mateus Paulo, secretário do bureau político do Comité Central para as relações internacionais, sublinhou que os militantes "tudo fizeram" para alcançar o objetivo da maioria qualificada e espera que esse seja o resultado definitivo.
João Martins, secretário do Bureau Político do MPLA para questões políticas e eleitorais, disse esta quinta-feira que o partido está desde logo em condições de assegurar pelo menos 147 deputados. Um número que "configura a maioria qualificada de dois terços", disse o responsável.
Do lado da UNITA, principal partido da oposição, o mandatário nacional José Pedro Cachiungo reiterou que os resultados revelados são "falsos" e estão longe do escrutínio obtido através de uma contagem paralela que o partido está a fazer, baseando-se nas atas-síntese das assembleias de voto. "Temos contagens diferentes, muito diferentes", disse o representante durante uma conferência de imprensa esta quinta-feira, em Luanda.
José Pedro Cachiungo referiu ainda que há diferenças nos números "em todas as províncias" e que os resultados deverão apresentar uma diferença "muito renhida" e "mínima" entre o MPLA e a UNITA.
"Nenhum partido vai conseguir ganhar com uma maioria muito expressiva", disse o responsável.
Por isso, num cenário em que tanto o MPLA como a UNITA podem ganhar, reiterado pela oposição, os principais partidos da oposição não descartam coligações contra o partido no poder. “Soluções parlamentares”, admitidas pelo responsável da UNITA com que a coligação CASA-CE também já admitiu compactuar, tendo como objetivo “deslocar o MPLA”.
No mesmo sentido, Cesinanda Xavier, mandatária nacional da CASA-CE, referiu que a coligação "não está de acordo" com os resultados revelados, que não correspondem com a contagem paralela. "Possivelmente os dados foram forjados", considerou.
Já ao final da noite de quinta-feira, os dois partidos demarcavam-se dos resultados provisórios divulgados pela CNE. Em conferência de imprensa, os comissários da UNITA e da CASA-CE reiteravam que a posição foi tomada devido ao procedimento para elaborar e avaliar o documento onde foram divulgados os dados provisórios.
O grupo de comissários, com membros técnicos do escrutínio, sublinhou que não se revê na comunicação da CNE, uma vez que esta "não foi feita com base nos termos legais". Argumentam que a lei estabelece que é a Comissão Nacional de Eleições que deve congregar os resultados eleitorais e apurar cada uma das candidaturas nas mesas de voto com base nas informações enviadas pelas comissões municipais e provinciais.
"Nenhuma comissão provincial eleitoral, de Cabinda ao Cunene, reuniu-se para produzir-se os resultados que foram anunciados. Aqui estão membros que fazem parte da coordenação técnica do centro de escrutínio, igualmente eles não participaram na produção daqueles resultados", reiterou o comissário da UNITA, Cláudio da Silva, citado pela agência Lusa.
Também o comissário da CASA-CE, Miguel Francisco, referiu que o apuramento de resultados não foi feito com "lisura e transparência".
"Não nos revemos na forma como foi produzido o documento, porque nós não fomos tidos nem achados e tivemos a oportunidade de reiterá-lo ainda mesmo hoje na reunião plenária", referiu o comissário.
Críticas à CNE
Os dados provisórios divulgados esta tarde pela Comissão Nacional Eleitoral foram os primeiros números conhecidos das eleições em Angola. A eurodeputada Ana Gomes deixou críticas à forma como a informação chega e disse que é “preocupante não estarem a ser divulgados os resultados parciais”.
Em declarações à agência Lusa, a eurodeputada que é presença frequente como observadora em escrutínios internacionais, incluindo Timor-Leste, refere que “a agregação e tabelação das votações é absolutamente fundamental” para que as eleições possam ser validadas.
Precisamente porque, afirma, "é na fase da contagem que muitos truques se fazem".
"Nunca tive a mais pequena dúvida de que o MPLA arranjaria maneira de ganhar", disse Ana Gomes.
Tal como nas eleições de 2012 - e ao contrário do que aconteceu em 2008 - o escrutínio desta quinta-feira não contou com observadores da União Europeia. As autoridades angolanas rejeitaram acordos específicos com organizações convidadas para observar as eleições e recusaram-se a assinar um memorando de entendimento com Bruxelas.
A Comissão Nacional de Eleições autorizou apenas a presença de quatro "peritos" europeus, desmentindo qualquer desentendimento ou conflito com a UE. Na argumentação de Luanda, os compromissos de Angola em matéria de observações eleitorais para com entidades regionais, nomeadamente a União Africana.
Os principais partidos da oposição criticaram a decisão da CNE, sublinhando que os quatro enviados não estariam em condições para fazer uma observação efetiva do processo eleitoral. Manuel Fernandes, vice-presdiente da CASA-CE, considerou que a postura "envergonha" os angolanos, considerando a decisão um sinal em como as autoridades têm algo a esconder.
"Alto grau de maturidade política"
Ângelo da Veiga Tavares, atual ministro do Interior. elogiou esta quinta-feira o processo eleitoral em Angola e considerou que o escrutínio foi sinal de "alto grau de maturidade política". O governante referiu ainda que os políticos devem manter-se distantes de influências externas.
"Sobretudo alguns cidadãos estrangeiros com espírito de neocolonialismo e que vêm sentindo alguma frustração, que não escondem, pelo facto de nós, angolanos, virmos mostrando bastante maturidade política", sustentou.
O ministro felicitou ainda "todos que participaram na organização" do processo eleitoral nas suas diferentes fases. "Aqui, muito particularmente aos membros das assembleias e mesas de voto e parabéns também, de forma bastante acentuada, a todos os membros dos órgãos de defesa, segurança e ordem interna pela entrega e sacrifício", acrescentou.
c/ Lusa