Ana Gomes acusa instituições portuguesas de conivência e "cumplicidade" com Isabel dos Santos

por Inês Moreira Santos - RTP
Esam Al-Fetori/Reuters

A ex-eurodeputada reagiu à informação divulgada por um consórcio internacional de jornalismo de investigação e acusou, este domingo, algumas instituições portuguesas de serem "coniventes" com os esquemas alegadamente fraudulentos da empresária angolana.

A investigação jornalística "Luanda Leaks" divulgou, este domingo, que foram investigados mais de 700 mil documentos que comprovam que Isabel dos Santos desviou um valor superior a 100 milhões de euros, enquanto esteve à frente da petrolífera angolana Sonangol.

Em reação à informação revelada por um consórcio de jornalismo de investigação (ICIJ) que integra mais de 30 órgãos de comunicação mundiais – incluindo a SIC e o Expresso – Ana Gomes acusou o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Procuradoria-Geral da República de serem "cúmplices" com a "cleptocracia que espolia o povo angolano".


Na rede social Twitter, Ana Gomes perguntou ainda se Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal e Teixeira dos Santos, do Eurobic, já tinham apresentado a demissão, depois dos seus nomes terem sido associados na investigação.

"Obviamente que as autoridades não podem continuar não só cegas, mas coniventes, porque é isso que tem acontecido. Sucessivos governos e governantes, alguns, em particular o Banco de Portugal e a CMVM, autoridades políticas e judiciais deveriam ter atuado", disse Ana Gomes, citada pela Lusa, estendendo as críticas à Procuradoria-Geral Portuguesa.

A ex-eurodeputada garante que "muita desta informação já se sabia" das suas "denúncias concretas”. As "autoridades portuguesas não podem continuar a ser vistas como cúmplices por omissão", acrescentou.

Segundo Ana Gomes, as autoridades portuguesas "decidiram não agir porque isto era sancionado pelo Estado e pelos governos portugueses", permitindo dessa forma a entrada em Portugal de "tanto dinheiro desviado do desenvolvimento que merece e tanto precisa o povo angolano".

"É completamente imoral, a título pessoal ou no quadro de empresas, que portugueses colaborem" na transformação de Portugal numa "lavandaria da criminalidade que rouba Angola", acrescentou.
"Cúmplices ativos" portugueses
A informação divulgada este domingo pelo ICIJ identifca mais de 400 empresas a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.

Ana Gomes aponta como "cúmplices ativos" e "testas de ferro" da empresária angolana os advogados Mário Leite Silva e Jorge Brito Pereira.

Para além de um esquema de ocultação, de Isabel dos Santos, na petrolífera estatal angolana Sonangol, que permitiu o desvio de mais de 100 milhões de dólares (ou seja, 90 milhões de euros) para o Dubai, os dados divulgados indicam quatro portugueses alegadamente envolvidos diretamente nos esquemas financeiros: Paula Oliveira (administradora não-executiva da Nos e diretora de uma empresa offshore no Dubai), Mário Leite da Silva (CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido), o advogado Jorge Brito Pereira e Sarju Raikundalia (administrador financeiro da Sonangol).

A verdade é que a ex-eurodeputada já tinha feito queixas à justiça portuguesa por alegadas operações financeiras da empresária angolana.

Os processos sobre a compra da empresa portuguesa Efacec, transferências feitas para o Dubai por parte da Sonangol e a origem dos fundos para pagar a bancos de direito português relacionados com a joalharia suíça De Grisogno, adquirida com o marido, Sindika Dokolo, são algumas das acusações, assim como as alegadas transferências fraudulentas da Sonangol.
Isabel dos Santos processa Ana Gomes sem sucesso

O Tribunal de Sintra rejeitou, esta sexta-feira, uma ação cível contra Ana Gomes por considerar que "o direito à liberdade de expressão e informação da requerida [Ana Gomes] deverá prevalecer sobre os direitos de personalidade (reputação e bom nome) da requerente [Isabel dos Santos]".

Em causa no processo estão acusações da antiga eurodeputada, através das redes sociais, à empresária angolana por lavagem de dinheiro, em outubro passado.

"Isabel dos Santos endivida-se muito porque, ao liquidar as dívidas, ‘lava’ que se farta! E (…) o Banco de Portugal não quer ver…", disse Ana Gomes, reagindo a uma entrevista da empresária à agência Lusa.

Isabel dos Santos disse à Lusa, na altura, que trabalhava com vários bancos e que não tinha sido favorecida por ser filha do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.

"Tenho muitas dívidas, tenho muito financiamento por pagar, as taxas de juros são elevadas, nem sempre é fácil também ter essa sustentabilidade do negócio, para conseguir enfrentar toda a parte financeira dos negócios, mas também boas equipas e trabalhamos para isso", afirmou a empresária.

Em resposta às acusações de Ana Gomes, Isabel dos Santos, por considerar que tal ofendia o seu "bom nome, imagem, honra", tentou uma ação com Forma de processo Especial de Tutela de personalidade contra a ex-eurodeputada, apelando à eliminação das publicações online, assim como uma sanção pecuniária de cinco mil euros por cada dia de atraso no cumprimento dessa decisão.

No entanto, o Tribunal de Sintra rejeitou, esta sexta-feira, a ação cível. A decisão do Tribunal foi anunciada por Ana Gomes, através do Twitter, que esclareceu que o Tribunal de Sintra entende que ambas "são pessoas influentes da sociedade portuguesa" sendo "indubitavelmente" Isabel dos Santos pessoa sujeita ao escrutínio público "por ter investimentos avultados em diversas empresas portuguesas com importância crucial no setor financeiro, designadamente na banca".

O Tribunal sustentou ainda que a ex-eurodeputada é "pessoa informada e com competências na área de branqueamento de capitais e corrupção" e por isso, "deve-lhe ser reconhecido o direito de expor as situações que considera suscetíveis de lesarem o interesse público".

Segundo a sentença, prevalece o direito à liberdade de expressão "sobre os direitos de personalidade (reputação e bom nome), indeferindo-se por isso a providência requerida".

"Não lhe sendo exigível provar completamente a verdade dos factos, mas apenas a plausibilidade racional desses indícios, visando pressionar as entidades de supervisão e de investigação a averiguarem a génese do património e dos investimentos da requerente nas empresas portuguesas, não deve ser limitado o seu direito de expressão", referiu Ana Gomes.

O julgamento, que começou em dezembro passado, terminou ainda com a decisão de exigir o pagamento de 30 mil euros, a Isabel dos Santos, por custo processuais.

c/ Lusa
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