Americanos em Nuuk. Primeiro-ministro da Gronelândia denuncia "interferência estrangeira"

por Cristina Sambado - RTP
Ritzau Scanpix - Reuters

O primeiro-ministro cessante da Gronelândia, Mute Egede, denunciou esta segunda-feira a "interferência estrangeira" antes da visita de uma delegação norte-americana à Gronelândia, um território autónomo dinamarquês cobiçado por Donald Trump.

“É preciso sublinhar que a nossa integridade e a nossa democracia devem ser respeitadas sem qualquer interferência externa”, declarou na rede social Facebook, especificando que não haverá “nenhum encontro” com esta delegação que, segundo Egede, inclui o conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Mike Waltz, e a mulher do vice-presidente americano JD Vance, Usha Vance.


 

O chefe de Governo demissionário frisou ainda que a deslocação de Usha Vance e Mike Waltz “não pode ser vista como uma simples visita privada”.A Casa Branca anunciou no domingo que a delegação visitará uma base militar dos EUA e assistirá a uma corrida de trenós puxados por cães. Será liderada por Usha Vance, esposa do vice-presidente, e incluirá o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Mike Waltz, e o secretário de Energia, Chris Wright.

"Devemos permanecer unidos e manifestar-nos contra um tratamento inaceitável”, sublinhou referindo-se à atitude dos EUA.

“O único objetivo é mostrar-nos uma demonstração de poder, e o sinal não deve ser mal interpretado. Mike Waltz é o conselheiro confidencial e mais próximo de Trump, e a sua presença na Gronelândia, por si só, fará certamente com que os americanos acreditem na missão de Trump, e a pressão aumentará após a visita”.

Em declarações ao jornal local Sermitsiaq, Egede frisou que, “até há pouco tempo, podíamos confiar nos americanos, que eram nossos aliados e amigos, e com quem gostávamos de trabalhar de perto. Mas esse tempo acabou”.

“Os americanos foram claramente informados de que as reuniões só podem ter lugar após a tomada de posse de um novo governo”, esclareceu Mute Egede na sequência das recentes eleições legislativas no território autónomo.


Desde a derrota da sua formação de esquerda, o Partido Verde, nas eleições legislativas, Mute Egede é o líder interino da Gronelândia até à formação de um novo governo.O Governo da Gronelândia, Naalakkersuisut, encontra-se atualmente numa fase de gestão após as eleições parlamentares de 11 de março, ganhas pelos Democratas, um partido pró-empresarial que favorece uma abordagem lenta à independência da Dinamarca.

O provável sucessor de Mute Egede, líder do partido de centro-direita, Jens-Frederik Nielsen, descreveu recentemente como “inapropriados” os comentários de Donald Trump sobre a futura anexação da Gronelândia.

Jens-Frederik Nielsen apelou à unidade política e sublinhou que a visita da delegação americana durante as conversações da coligação, e com as eleições municipais previstas para a próxima semana, “mostra mais uma vez a falta de respeito pelo povo da Gronelândia”.

Embora todos os principais partidos da Gronelândia sejam favoráveis à independência do território a mais ou menos longo prazo, nenhum deles apoia a ideia de uma ligação aos Estados Unidos.Em meados de março, Donald Trump afirmou que a anexação pelos Estados Unidos acabaria por “acontecer” e que promoveria a “segurança internacional”.

Também a Dinamarca manifestou oposição a esta deslocação. A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, afirmou, num comentário escrito em reação à notícia da visita, que “isto é algo que levamos a sério”.

A Dinamarca pretende cooperar com os EUA, mas essa cooperação deve basear-se nas “regras fundamentais da soberania”.

O diálogo com os EUA sobre a Gronelândia será efetuado em estreita coordenação com o governo dinamarquês e o futuro governo de Nuuk.
"Oportunidade para construir parcerias"
Brian Hughes, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, afirmou que a visita da delegação dos EUA “representa uma oportunidade para construir parcerias que respeitem a autodeterminação da Gronelândia e promovam a cooperação económica”.

“Esta é uma visita para aprender sobre a Gronelândia, a sua cultura, história e povo e para assistir a uma corrida de trenós puxados por cães que os Estados Unidos se orgulham de patrocinar, pura e simplesmente”, realçou Hughes.
Waltz e Wright planeiam visitar a base espacial de Pituffik, a base militar norte-americana na Gronelândia. A Casa Branca frisou que receberiam no local instruções de membros do serviço dos EUA.

Depois, juntar-se-ão a Usha Vance para visitar locais históricos, conhecer o património do território e assistir à corrida nacional de trenós puxados por cães, informou a Casa Branca. A delegação regressará aos EUA a 29 de março.

A segunda-dama dos EUA afirmou num vídeo publicado pelo consulado dos EUA na Gronelândia que a sua visita tinha como objetivo “celebrar a longa história de respeito mútuo e cooperação entre as nossas nações”.


Dois aviões de transporte militar Hercules dos EUA chegaram à capital da Gronelândia, Nuuk, no final do domingo, transportando pessoal de segurança e veículos à prova de bala.

Cerca de 60 polícias da Dinamarca também chegaram a Nuuk no domingo, acrescentou a emissora estatal KNR.A localização estratégica da Gronelândia e os seus ricos recursos em petróleo, gás e minerais poderão beneficiar os EUA. A Gronelândia situa-se ao longo da rota mais curta entre a Europa e a América do Norte, vital para o sistema de alerta de mísseis balísticos dos EUA.

Trump, que lançou pela primeira vez a ideia de comprar a Gronelândia em 2019, renovou os seus apelos para que os EUA tomem conta das ilhas desde o seu regresso à Casa Branca em janeiro, e não excluiu o uso da força para atingir esse objetivo.

O presidente norte-americano fez da anexação da Gronelândia pelos EUA um ponto de discussão, depois do filho mais velho, Donald Trump Jr., ter efetuado uma visita privada à vasta ilha, rica em minerais, em janeiro. Desde que tomou ocupou o cargo pela segunda vez, afirmou que o país passará a fazer parte dos EUA “de uma forma ou de outra”.

c/ agências
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