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América Latina foi palco de protestos a favor da legalização do aborto

por RTP
Rodrigo Garrido - Reuters

Na terça-feira, pelas comemorações do Dia Global de Ação pelo Aborto Seguro e Legal, diversas cidades latino-americanas foram palco de vários eventos a favor da descriminalização do aborto. Milhares de mulheres manifestaram-se pelo direito ao aborto em toda a América Latina, hasteando cartazes e faixas onde se lia "É um direito meu decidir" e "Aborto legal para saúde e vida". No mesmo dia, e em consequência das manifestações, foi aprovado o projeto de descriminalização do aborto até às 14 semanas de gestação no Chile, uma iniciativa que passou agora para o Senado.

A legalização do aborto é uma exigência histórica das associações feministas da América Latina, onde apenas Argentina, Cuba, Uruguai, Guiana e quatro entidades territoriais do México descriminalizaram a interrupção voluntária da gravidez. A Cidade do México e os Estados de Oaxaca, Hidalgo e Veracruz são os únicos territórios mexicanos onde o aborto é completamente legal, mas as mulheres que se manifestaram nesta data estão a defender melhores condições sanitárias e legais, não só nestas quatro regiões, mas em todo o país.

Na Colômbia, Chile, Brasil, Equador, Paraguai, Venezuela, República Dominicana, Guatemala, Bolívia e Peru, o aborto continua a ser ilegal exceto em três casos: violação, deformação fetal ou risco para a vida da mãe.no Haiti, Nicarágua, El Salvador e Honduras, a interrupção da gravidez é totalmente ilegal, o que implica penas de prisão para a mulher que se submete ao procedimento e para o pessoal que o executa.

Em El Salvador, por exemplo, algumas mulheres chegaram a ser condenadas até 40 anos de prisão. E em algumas regiões do país foram relatados casos de mulheres condenadas e presas após sofrerem abortos espontâneos ou mesmo em casos de nado-mortos.

As manifestações de terça-feira visavam por isso pressionar os legisladores a aliviar as leis punitivas do aborto.
Latino-americanas pedem medidas que garantam "a vida e integridade" das mulheres
Em países onde o aborto é ilegal mesmo quando a gravidez representa um risco para a mãe, como em El Salvador, as manifestantes erguiam cartazes a exigir a legalização dos abortos seguros e gratuitos. Mas o presidente salvadorenho, Nayib Bukele, negou qualquer reforma da lei.

"Estamos a pedir que sejam acrescentadas ao Código Penal medidas mínimas para garantir a vida e a integridade das mulheres"
, disse à Reuters Morena Herrera, uma ativista que participou num protesto em El Salvador.

Durante a marcha realizada na capital San Salvador, as manifestantes pronunciaram-se a favor da implementação de políticas públicas sobre saúde sexual e reprodutiva e, ao mesmo tempo, apelaram aos legisladores para aprovarem a proposta de reforma do Código Penal para descriminalizar o aborto, pelo menos com base nos três motivos internacionalmente reconhecidos.

Num passeio pelas ruas de Santa Cruz de la Sierra, cidade mais populosa da Bolívia, as manifestantes exigiram a realização de abortos livres e seguros, ou pelo menos que as autoridades envolvidas respeitassem os motivos de interrupção da gravidez previstos por lei.

Já na Cidade do México, as associações feministas mobilizaram-se com um grupo a desviar-se da rota original para fazer uma paragem no Anjo da Independência, onde pintaram 'graffitis', tentando derrubar as cercas de metal que protegem o monumento.

As organizações feministas venezuelanas aproveitaram a comemoração do Dia Global de Ação pelo Aborto Seguro e Legal para apelar aos ramos legislativo e judicial do país para que façam mudanças que descriminalizem o aborto.

"A criminalização do aborto viola os direitos humanos das mulheres, jovens e adolescentes, a integridade pessoal, a saúde, o livre desenvolvimento da sua personalidade, o direito de não serem sujeitas a tortura, tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, de viverem uma vida livre de violência", disse Laura Cano, organizadora da chamada Rota Verde.

No Perú, dezenas de mulheres convocadas por grupos feministas manifestaram-se em Lima exigindo que o Governo legalize o aborto, iniciativa que o novo presidente de esquerda Pedro Castillo, conservador em temas sociais, descartou durante a campanha eleitoral. Em vez de máscaras para proteger contra a Covid-19, as manifestantes usavam os lenços verdes característicos do movimento global a favor da descriminalização do aborto.

"Um Estado que não prevê o direito ao aborto é um Estado pelo feminicídio", lia-se num cartaz.
Chile aprovou, entretanto, descriminalização do aborto até às 14 semanas
No mesmo dia em que se realizaram dezenas de manifestações, comemorando o Dia Global de Ação pelo Aborto Seguro e Legal, a Câmara dos Deputados do Chile aprovou o projeto de descriminalização do aborto até às 14 semanas de gestação, uma iniciativa que passou agora para o Senado.

"Por 75 votos a 68, e duas abstenções, a Câmara aprova o projeto para descriminalizar o aborto consentido pela mulher nas primeiras catorze semanas de gestação", informou a Câmara dos Deputados no Twitter.

A iniciativa foi aprovada, por coincidência, no mesmo dia das manifestações a favor do aborto no Chile e em outros países.

A moção, submetida ao Congresso em 2018 por deputadas progressistas da oposição, visa alterar a atual lei do aborto, em vigor desde 2017, que só o permite em três circunstâncias: risco de vida para a mulher durante a gravidez, o facto de o feto apresentar uma doença congénita ou genética de natureza letal ou a gravidez ser resultado de violação. O Código Penal chileno tipifica penas de prisão para as demais causas.

"Aprovada a descriminalização do aborto! Isto é por todas as mulheres e gestantes que foram perseguidas e criminalizadas, principalmente aquelas com menos recursos", comemorou no Twitter a deputada comunista Camila Vallejo, uma das promotoras da moção.



"Nós, mulheres, não devemos ir para a cadeia por abortarmos! A maternidade será desejada ou não", escreveu também a deputada socialista Maya Fernández.

Já o senador conservador Iván Moreira criticou a decisão da câmara.


O Governo conservador de Sebastián Piñera, presidente do Chile, opôs-se à reforma da lei do aborto aprovada na terça-feira.

"Não há motivos de saúde para inovar nesse assunto. Queremos destacar que a posição do Executivo é a de defesa da vida, e continuaremos a dizer isso", afirmou o subsecretário da presidência, Máximo Pavez.

Até há poucos anos, era impensável que o Congresso chileno debatesse um projeto de descriminalização do aborto, devido à forte oposição da Igreja Católica. No entanto, a Igreja caiu em descrédito no Chile devido a inúmeros escândalos de abuso sexual por parte de padres, o que diminuiu a sua influência no debate público.

Os deputados começaram a debater o projeto-lei em janeiro deste ano, depois de ter sido apresentado em 2018 pela oposição de esquerda para evitar a pena de prisão para as mulheres que optam por abortar. Mas para ser aprovado em definitivo, o texto votado no Dia Internacional do Aborto Seguro terá ainda de ser discutido no Senado.

Até 2017, o Chile era um dos poucos países que não permitia o aborto, fosse qual fosse a circunstância, devido a uma lei aprovada durante a o regime ditatorial de Augusto Pinochet (1973-1990). Posteriormente, e sob pressão de movimentos feministas, foi finalmente votado um texto que admitia o aborto em caso de perigo de vida da mãe ou de violação sexual.

De acordo com as associações, essas interrupções voluntárias da gravidez representam apenas três por cento dos milhares de abortos ilegais que acontecem todos os anos no Chile.
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