"Ameaça russa" leva países nórdico-bálticos a reerguer defesas da Guerra Fria, dizem analistas
A "ameaça russa" está a levar os países da região nórdico-báltica a reconstruir infraestruturas de defesa que tinham sido abandonadas com o fim da Guerra Fria, reconhecem analistas.
Frederik Lojdquist, diretor do Instituto Sueco de Relações Internacionais, explicou que a Suécia, a partir do momento em que a Rússia invadiu a Crimeia em 2014, lançou-se a reconstruir grande parte dos mecanismos de segurança que tinham sido desmantelados com o fim da Guerra Fria, no final dos anos 80.
"A Finlândia manteve algumas dessas infraestruturas, mas a Suécia teve de as começar a reconstruir. E isso é consequência do reconhecimento da ameaça russa, que se acentuou com a recente invasão da Ucrânia", disse hoje este diplomata sueco, durante uma conferência virtual sobre a "Guerra Híbrida Russa", organizada pelo Centro para a Análise da Política Europeia (CEPA), em parceria com a embaixada dos Estados Unidos na Suécia, a que a agência Lusa assistiu.
Para Lojdquist, o conceito de guerra híbrida -- uma teoria de estratégia militar que conjuga a guerra convencional com a guerra cibernética e outros modos de influência como a diplomacia e a manipulação informativa -- obriga a que as políticas de segurança nacionais impliquem tanto a sociedade civil como o Estado, sobretudo quando a ameaça vem de potências como a Rússia.
Hana Shelest, investigadora ucraniana do CEPA e a segunda palestrante na conferência, defendeu a ideia de que a ameaça russa obriga os países vizinhos, nomeadamente os nórdicos e os do Báltico, a reinventarem o conceito de Defesa Total (uma política de defesa que combina o conceito de defesa civil e de defesa militar).
"A guerra na Ucrânia tem provado que é essencial uma boa articulação do Exército com a sociedade civil. E, no que diz respeito à sociedade civil, o conceito essencial é resiliência. Perante a fórmula da guerra híbrida que estamos a viver na Ucrânia, é crucial que a sociedade civil seja resiliente", explicou esta investigadora.
Shelest lembrou o exemplo dos proprietários de restaurantes na Ucrânia que, perante a ausência de clientes, em plena guerra, encontraram uma forma de ajudar o esforço de guerra comandando por Kiev.
"Os donos desses restaurantes disseram: `vamos começar a alimentar a população afetada pela guerra`. E isso é um exemplo de resiliência e de Defesa Total", disse a investigadora, concordando com a tese de Lojdquist de que, nos tempos atuais, tudo é cenário de guerra.
Para este diplomata sueco, os países do nórdico-báltico -- uma formação de cooperação que desde 1992 incluiu cinco países nórdicos (Finlândia, Suécia, Noruega, Islândia e Dinamarca) e três países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) -- estão a recuperar e a reinventar as infraestruturas de Defesa Total herdadas da Guerra Fria.
Um exemplo desse esforço por parte da Suécia foi a recente criação de um Conselho de Segurança Nacional, cujo objetivo é coordenar os esforços da sociedade civil e das organizações militares, no momento em que a Rússia se afirma como uma ameaça.
Contudo, este diplomata sueco concede que estes esforços de Defesa Total nunca serão eficazes de forma isolada, mas antes lembram a necessidade de cooperação regional e internacional, o que explica as intenções da Finlândia e da Suécia de integrarem a NATO.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 13 milhões de pessoas -- mais de seis milhões de deslocados internos e mais de 7,8 milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.
A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra 6.702 civis mortos e 10.479 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais.