Ambição republicana sobe nas Caraíbas britânicas após morte da rainha

por Lusa

Um pano negro cobre o retrato da rainha Isabel II no parlamento de Antígua e Barbuda, em sinal do luto observado no arquipélago caribenho, mas também como símbolo -- involuntário -- de um possível futuro fora da monarquia britânica.

A morte da monarca deu alento aos movimentos republicanos nesta região que já fez parte do Império Britânico e onde continuam a fazer-se ouvir apelos para que a Coroa apresente um pedido de desculpas pelo seu papel na escravatura e na colonização daqueles territórios.

Esta ideia "entrou no discurso normal, de `senso-comum`, à medida que uma parte maior da sociedade se confronta com tais questões e pergunta `O que é que a monarquia alguma vez fez por nós?`", explicou Kate Quinn, professora associada de História das Caraíbas na University College de Londres.

Antígua e Barbuda é um país independente do Reino Unido desde 1981, mas continua a ser uma monarquia constitucional, com um sistema de governo parlamentar, integrada na Commonwealth. A chefe de Estado era a rainha Isabel II, representada localmente por um Governador-geral, e o chefe do Governo é o primeiro-ministro eleito em legislativas realizadas a cada cinco anos.

O republicanismo já era uma realidade caribenha antes do fim da segunda era isabelina, precisou Kate Quinn, "mas a sua morte e a subida ao trono de Carlos deram um impulso adicional ao debate".

O país, cuja economia depende sobretudo do turismo, foi o primeiro da Commonwealth a discutir a ideia de se tornar uma república após a morte da rainha - que morreu a 08 de setembro, aos 96 anos -- quando o seu primeiro-ministro, Gaston Brown disse à imprensa esperar que fosse realizado um referendo sobre essa questão num prazo de três anos.

O seu homólogo das Bahamas, sem indicar uma data, disse ter um projeto semelhante: "Para mim, está sempre em cima da mesa (...) Terei de organizar um referendo, e que o povo bahamiano diga `Sim`", declarou Philip Edward Davis, um dia após a morte de Isabel II, segundo o jornal local Nassau Guardian.

E a Jamaica está igualmente a equacionar "virar a página", como disse o seu primeiro-ministro, Andrew Holness, ao príncipe William durante a sua digressão pelas Caraíbas, alvo de algumas críticas, no início deste ano.

Todos seguem as passadas de Barbados, outrora chamado "Pequena Inglaterra", cujo Partido Trabalhista, no poder, aprovou no ano passado uma revisão constitucional retirando à rainha o seu estatuto de chefe de Estado.

Em 1966, Barbados tornou-se um Estado independente e reino da Commonwealth, com Isabel II como rainha. Em outubro de 2021, Sandra Mason foi eleita pelo parlamento do país como primeira Presidente de Barbados, tendo esta substituído Isabel II como chefe de Estado a 30 de novembro, assim se fazendo a transição de Barbados para uma república.

Para os habitantes de Antígua e Barbuda, este exemplo é, ao mesmo tempo, uma fonte de inspiração e de ponderação.

"Barbados acabou de se tornar uma república e está a sair-se bastante bem", disse Kelly Richardson, estilista na capital, Saint John`s.

Para ela, as Caraíbas seriam "mais unidas, mais fortes" se os outros reinos -- Jamaica, Bahamas, Granada, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda e Belize -- se tornassem repúblicas.

Mas outros perguntam-se se Antígua e Barbuda seguiria esse caminho se Barbados não o tivesse tomado.

"Isso estava na agenda antes de Barbados dar esse salto? Parece-me que simplesmente não estava e, por isso, isso preocupa-me", comentou outro habitante, Reul Samuel.

A difícil digressão do príncipe William, em março, foi seguida de uma visita do filho mais novo de Isabel II, o príncipe Eduardo, que teve de cancelar uma etapa da viagem a Granada na sequência de manifestações pró-republicanas.

Uma sondagem realizada em Barbados antes da mudança de regime mostrou que, à exceção do príncipe Harry (com 41% de opiniões favoráveis), o resto da família real britânica (não incluindo Isabel II) tinha um nível de popularidade no país abaixo dos 20%.

O recente questionamento da monarquia britânica "deve ser entendido no contexto mais abrangente das exigências de indemnizações, da ausência de pedidos de desculpas da família real pelo papel desempenhado pela monarquia nos crimes históricos da escravatura e do colonialismo e suas atuais consequências", entre outras razões, explicou a historiadora Kate Quinn.

O Rei Carlos III condenou "a hedionda atrocidade" da escravatura, acrescentando: "Manchará para sempre a nossa história".

Na Jamaica, William fez eco das palavras do pai, expressando a sua "profunda tristeza" perante essas práticas "odiosas", frisando que "não deveria ter sido permitido que alguma vez tivessem acontecido".

Mas nenhum pedido de desculpas oficial foi feito, até agora.

As tendências republicanas parecem mais pronunciadas nas nações caribenhas que já se tornaram politicamente independentes do Reino Unido.

Na opinião de Kate Quinn, parece improvável que a morte da rainha faça com que os territórios ultramarinos britânicos -- as ilhas Caimão, as ilhas Virgens britânicas, Anguila, as ilhas Turcas e Caicos, Monserrate e as Bermudas -- queiram a independência.

De qualquer forma, a decisão "deve ser tomada pelo povo, não pelos responsáveis políticos", disse o primeiro-ministro das Bermudas, John Swan, que abandonou a liderança do seu partido após uma esmagadora rejeição da independência num referendo em 1995.

A Rainha Isabel II morreu a 08 de setembro, aos 96 anos, no castelo de Balmoral, na Escócia, após 70 anos e 214 dias como chefe de Estado do Reino Unido e de mais 14 países.

Elizabeth Alexandra Mary Windsor nasceu a 21 de abril de 1926, em Londres, e tornou-se Rainha de Inglaterra em 1952, aos 25 anos, após a súbita morte do pai, Jorge VI, que subiu ao trono após a abdicação do irmão, Eduardo VIII, para poder casar com uma divorciada norte-americana, Wallis Simpson.

Após a morte de Isabel II, o seu filho primogénito, de 73 anos, tornou-se rei como Carlos III.

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