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Alterações climáticas. Himalaias perdem um terço do gelo até 2100

por Nuno Patrício - RTP
Estima-se que 36 por cento das calotes do Hindu Kush e dos Himalaias desapareçam até 2100 Shrimpo1967/DR

Os dias estão mais quentes e não é por causa do advento da primavera. A razão está identificada - as alterações climáticas fazem-se sentir em todo o planeta e as consequências espelham-se em fenómenos extremos como os ciclones ou grandes períodos de seca, cada vez mais frequentes. As grandes massas de gelo do planeta já refletem estas mudanças.

Se a atenção da comunidade científica se centra sobretudo no degelo dos polos, com registo de fracionamento das placas geladas, não menos grave é o degelo das calotes da grande cordilheira montanhosa dos Himalaias.A cordilheira do Hindu Kush-Himalaya é considerada o terceiro polo planetário.

Um relatório recentemente publicado pelo Centro Internacional para o Desenvolvimento Integrado da Montanha (Icimod) estima que pelo menos um terço das camadas geladas da cadeia montanhosa asiática está condenado a derreter devido às alterações climáticas.

Mesmo que houvesse um forte travão nas emissões de carbono e fosse possível limitar o aquecimento global a 1,5 graus centígrados, 36 por cento das calotes do Hindu Kush e dos Himalaias desapareceriam até 2100.

Se nada for feito e as emissões não forem reduzidas, a perda sobe drasticamente para dois terços, podendo ir, no pior cenário, até à presença residual de gelo nos pontos mais altos da cordilheira, revela o mesmo relatório.


Philippus Wester, investigador que liderou o trabalho do Icimod, afirma que "esta é a crise climática de que o mundo ainda não ouviu falar. No melhor dos mundos possíveis, se formos realmente ambiciosos, mesmo assim perderemos um terço dos glaciares e ficaremos em apuros. E este resultado, para nós, é chocante".

A cordilheira do Hindu Kush-Himalaya (HKH) é considerada o terceiro polo planetário, devido à reserva gelada que apresenta.

Com uma dimensão superior a 3500 quilómetros, comportando os famosos Monte Evereste (com 8842 metros), K2, Kangchenjunga e Lhotse, a água ali congelada serve 250 milhões de pessoas da região e cerca de 1,65 mil milhões fortemente dependentes dos grandes rios que correm para a Índia, Paquistão, China e outras nações circundantes.


Este relatório foi pedido pelos oito países - Afeganistão, Bangladesh, Botão, China, Índia, Myanmar, Nepal e Paquistão - abrangidos pela cadeia montanhosa, que procuram agora encontrar uma solução para o problema.

Foram mais de 200 os cientistas a trabalhar no relatório ao longo de cinco anos, com outros 125 especialistas a realizar análises ao trabalho efetuado. Até há pouco tempo, o impacto das alterações climáticas sobre o gelo na região era tido como incerto, afirmou Philippus Wester.

"Mas agora sabemos realmente o suficiente para agir e é urgente agir", acrescentou o líder do projeto.
  No relatório, estima-se que a partir de 2060 os fluxos fluviais entrem em declínio, por falta de gelo.
Desde a década de 70, cerca de 15 por cento do gelo na região HKH desapareceu com o aumento das temperaturas. Mas o impacto do aquecimento é variável.

Alguns glaciares no Afeganistão e no Paquistão estão estáveis e alguns até estão a ganhar gelo, muito provavelmente devido ao aumento da cobertura de nuvens e à mudança de ventos, que traz mais neve.

Todavia, Wester acredita que mesmo estes vão começar a derreter com o aquecimento futuro, apesar dos tetos de emissões de gases com efeito de estufa impostos por diferentes tratados climáticos.

O derretimento das calotes geladas aumentará os fluxos fluviais até 2060, refere o investigador, aumentando assim o risco de que os lagos de alta altitude não consigam reter as águas e surjam ruturas nas margens. Formar-se-ão enormes massas de água que acabarão por afetar as comunidades a jusante.

Por outro lado, após o degelo, o efeito inverso é acentuado. O investigador estima que a partir de 2060 os fluxos fluviais entrem em declínio, por ausência de gelo. Os rios Indo e da Ásia Central serão os mais afetados.

Philippus Wester afirma que "essas áreas serão duramente atingidas", com evidentes quebras na produção de energia nas centrais hidroelétricas que geram grande parte da eletricidade da região. Mas o impacto mais grave será sobre os agricultores no sopé das montanhas e a jusante, que dependem de um abastecimento previsível de água.

Este novo relatório destaca ainda a vulnerabilidade de muitos habitantes da região, onde um terço das pessoas vive com menos de dois euros por dia, longe da ajuda em caso de desastre climático.

Por outro lado, as tensões políticas entre Índia e o Paquistão, podem mesmo aumentar. "Há tempos difíceis pela frente na região. Como muitos dos desastres e mudanças repentinas acontecerão além das fronteiras, o conflito entre os países da região pode facilmente aumentar", refere Eklabya Sharma, vice-diretor geral da Icimod.

Perante o quadro que se desenha no horizonte - instabilidade política, migrações em massa, crescimento populacional e uso incessante de recursos fósseis -, os próximos anos não prometem trazer boas novas. As alterações climáticas farão parte desta equação.
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