Apesar de os casos diários rondarem os 28 mil, no próximo dia 19 de julho, o Reino Unido vai deixar para trás a obrigatoriedade de uso de máscara em transportes públicos, os bares vão reabrir e o distanciamento físico de um metro vai deixar de ser necessário. O Governo britânico, contudo, já reconheceu que o levantamento da maioria das restrições pode levar a um aumento exponencial de casos durante o verão e até a um "inverno muito difícil". Embora muitos ingleses se mostrem ansiosos para voltar a ter alguma "normalidade", outros temem o alivio das restrições e o ter de regressar às suas rotinas antigas.
Boris Johnson confirmou, na segunda-feira, que o desconfinamento no Reino Unido vai avançar e que, por isso, o uso de máscara em espaços públicos fechados e o distanciamento social vão deixar de ser obrigatórios por lei. Estas regras serão aplicadas em Inglaterra, visto que Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte têm autonomia para desenvolver os seus próprios planos de desconfinamento.
"Temos de contrabalançar os riscos da doença, que as vacinas reduziram, mas que não eliminaram, e os riscos de manter as restrições impostas por lei que inevitavelmente terão impacto na vida das pessoas, trabalhos e saúde mental", justificou o primeiro-ministro britânico, recordando que o número de casos de covid-19 continua a aumentar no país, mas que a maioria das pessoas hospitalizadas não estava vacinada e que o número de mortes se mantém reduzido.
Na terça-feira, o Reino Unido registou mais de 28 mil novos casos de infeção. Há ainda dados que revelam que a variante Delta tem contribuído para o aumento e aceleração da transmissão da doença no país. Mas o Governo considera que dentro de duas semanas Inglaterra deve aliviar algumas das restrições em vigor.
O Reino Unido, recorde-se, foi dos países do mundo que impôs medidas mais rigorosas e confinamentos mais prolongados. Dia 19 prevê-se que abram os espaços noturnos, como bares e discotecas, que as pessoas convivam sem distanciamento social obrigatório, sem máscara e sem haver um limite de pessoas em espaços públicos. Muitos ingleses têm-se mostrado ansiosos por voltar a esta aparente "normalidade" com menos regras. Mas há quem esteja com medo de voltar à vida normal.
"Treinar" para o regresso à normalidade
Kitty Grew tem 27 anos e, desde que o Reino Unido começou a desconfinar em maio, tem tentado preparar-se mentalmente para o regresso à sua vida normal. Como contou à CNN, a sua ansiedade e agorafobia (medo ou ansiedade de estar em situações ou lugares dos quais não há como escapar facilmente) pioraram com a pandemia e durante o confinamento e, agora, tem medo de voltar às suas rotinas de sempre.
Em teletrabalho desde que foram impostas restrições, Grew decidiu, nos últimos dois meses, começar a treinar e a preparar-se para o desconfinamento. Todas as noites, depois de terminar o trabalho e desligar o computador, pega na bicicleta e faz oito quilómetros até chegar ao escritório onde trabalha, no norte de Londres.
"Tenho tentado praticar, sair todos os dias e ir um pouco mais longe", explicou Grew, que trabalha como gestora de projetos para o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, e que faz parte da organização da vacinação contra a covid-19 em Londres.
Estes treinos, que descreve como uma espécie de terapia de exposição ao risco, são a maneira que encontrou para se preparar mentalmente para o regresso ao escritório, em agosto ou setembro.
"É como treinar para correr uma maratona", acrescentou.
"Tenho tentado praticar, sair todos os dias e ir um pouco mais longe", explicou Grew, que trabalha como gestora de projetos para o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, e que faz parte da organização da vacinação contra a covid-19 em Londres.
Estes treinos, que descreve como uma espécie de terapia de exposição ao risco, são a maneira que encontrou para se preparar mentalmente para o regresso ao escritório, em agosto ou setembro.
"É como treinar para correr uma maratona", acrescentou.
Antes da pandemia, Kitty Grew apanhava todos os dias autocarros e metros para ir para Londres, para o trabalho. A última vez que entrou num metro, assume, foi em janeiro de 2020. Desde o início da pandemia - até sair de casa e caminhar pela zona onde reside - tornou-se "assustador".
"Muitos dos meus amigos adaptaram-se", afirmou. "Assim que as medidas foram aliviadas, eles diziam: 'Mal posso esperar para ir a uma discoteca, mal posso esperar para ir a festivais ou viajar'. E eu peno: 'Oh! meu Deus, estou ansiosa apenas de ir de autocarro para o trabalho'".
"Não consigo imaginar entrar num avião e ir para um país diferente, ou mesmo ir a um bar", disse Grew, que admitiu que tem sido acompanhada por um terapeuta para conseguir arranjar mecanismos para enfrentar os seus medos e o desconfinamento.
"Não consigo imaginar entrar num avião e ir para um país diferente, ou mesmo ir a um bar", disse Grew, que admitiu que tem sido acompanhada por um terapeuta para conseguir arranjar mecanismos para enfrentar os seus medos e o desconfinamento.
Sair é uma "ameaça"
Embora muitos britânicos tenham regressado a muitos dos seus hábitos antigos, nas últimas semanas, com jantares em restaurantes e compras em lojas, nem todos se sentem preparados para a reabertura das atividades e dos espaços.
Segundo a psicóloga Emma Kavanagh, os residentes no Reino Unido foram alertados, nos últimos 18 meses, que "estar perto de pessoas e estar fora de casa era uma ameaça", ou um risco.
"O nosso cérebro agora está preparado para isso, então é normal que se desencadeie uma resposta de stress quando estivermos exposto [ao risco] novamente".
Para os que receiam não estar prontos para voltar ao normal, ou a qualquer "novo normal" que venha a seguir, Kavanagh aconselha a que "dêem um tempo".
"Um número significativo de pessoas expostas a traumas não mostra apenas resiliência, mas também crescimento pós-traumático", explicou à CNN.
Ainda assim, alguns psicólogos prevêem que os níveis elevados de ansiedade e depressão vividos durante os confinamentos não desapareçam quando as restrições forem aliviadas.
O stress e o isolamento, causados pela pandemia, podem desencadear uma "recessão social" com impactos profundos e duradouros na nossa saúde, felicidade e produtividade, advertiu o especialista Vivek Murthy .
"O nosso cérebro agora está preparado para isso, então é normal que se desencadeie uma resposta de stress quando estivermos exposto [ao risco] novamente".
Para os que receiam não estar prontos para voltar ao normal, ou a qualquer "novo normal" que venha a seguir, Kavanagh aconselha a que "dêem um tempo".
"Um número significativo de pessoas expostas a traumas não mostra apenas resiliência, mas também crescimento pós-traumático", explicou à CNN.
Ainda assim, alguns psicólogos prevêem que os níveis elevados de ansiedade e depressão vividos durante os confinamentos não desapareçam quando as restrições forem aliviadas.
O stress e o isolamento, causados pela pandemia, podem desencadear uma "recessão social" com impactos profundos e duradouros na nossa saúde, felicidade e produtividade, advertiu o especialista Vivek Murthy .
Embora os efeitos de longo prazo ainda não sejam conhecidos, os investigadores receiam que os comportamentos desenvolvidos durante os confinamentos - como hábitos de higiene compulsivos, medo de espaços públicos ou verificação constante de sintomas de Covid-19 - tornem difícil para algumas pessoas regressar à normalidade e reintegrar a sociedade.
Um estudo britânico recente revelou que a proporção de pessoas que desejam retomar a vida normal e a das que preferem ficar em casa é praticamente a mesma: 36 por cento.
A Mental Health Foundation, que está a investigar o impacto da pandemia na saúde mental no Reino Unido, descobriu que durante o terceiro confinamento do país, que começou em janeiro, houve menos pessoas a sentirem-se ansiosas, mas mais afirmaram sentir-se sozinhas e deprimidas pelo stress causado pelo ano passado.
Catherine Seymour, chefe de pesquisa da fundação, explicou que quanto mais tempo alguém "se sente sozinho, mais crónico se torna e, na verdade, mais difícil é voltar a envolver-se em atividades".
"Para pessoas que estiveram protegidas ou evitaram oportunidades de socialização - o que inclui muitos adolescentes que não puderam ir à escola e não tiveram atividades disponíveis - pode ser muito mais difícil regressar. Perdemos uma certa confiança na nossa capacidade de sair para o mundo".
Um estudo britânico recente revelou que a proporção de pessoas que desejam retomar a vida normal e a das que preferem ficar em casa é praticamente a mesma: 36 por cento.
A Mental Health Foundation, que está a investigar o impacto da pandemia na saúde mental no Reino Unido, descobriu que durante o terceiro confinamento do país, que começou em janeiro, houve menos pessoas a sentirem-se ansiosas, mas mais afirmaram sentir-se sozinhas e deprimidas pelo stress causado pelo ano passado.
Catherine Seymour, chefe de pesquisa da fundação, explicou que quanto mais tempo alguém "se sente sozinho, mais crónico se torna e, na verdade, mais difícil é voltar a envolver-se em atividades".
"Para pessoas que estiveram protegidas ou evitaram oportunidades de socialização - o que inclui muitos adolescentes que não puderam ir à escola e não tiveram atividades disponíveis - pode ser muito mais difícil regressar. Perdemos uma certa confiança na nossa capacidade de sair para o mundo".
"Conviver" e viver com a Covid-19
O Governo britânico pretende levantar a maioria das restrições em vigor atualmente, nomeadamente o uso obrigatório de máscara em espaços públicos fechados, o limite nos ajuntamentos de pessoas e capacidade em salas fechadas e retoma de atividades como discotecas. O ministro da Saúde reconheceu, contudo, que esta quarta e última etapa do plano de desconfinamento em Inglaterra pode resultar num novo aumento de infeções.
"Quando chegarmos a 19 de julho, estimamos que o número de casos então seja pelo menos o dobro do que são agora, cerca de 50 mil novos casos por dia", disse na terça-feira em declarações à BBC Sajid Javid.
"Quando chegarmos a 19 de julho, estimamos que o número de casos então seja pelo menos o dobro do que são agora, cerca de 50 mil novos casos por dia", disse na terça-feira em declarações à BBC Sajid Javid.
Nos últimos sete dias, entre 30 de junho e 6 de julho, a média diária foi de 20 mortes e 26.632 casos, o que corresponde a uma subida de 20,3 por cento no número de mortes e de 49 por cento no número de infeções relativamente aos sete dias anteriores.
"À medida que aliviamos e entramos no verão, estamos à espera que [os contágios] aumentem significativamente e possam chegar a 100 mil casos [por dia]", acrescentou.
No mesmo dia, o jornal britânico The Guardian publicou uma análise que concluiu que podem vir a ser infetados, durante o verão, até dois milhões de pessoas no Reino Unido.
O Governo vai adotar uma "nova abordagem", em que se dá ênfase às recomendações sobre o comportamento, mas caberá às pessoas tomar uma "decisão informada" sobre como se proteger.
"Esta pandemia está longe de terminar e vamos continuar com cautela. Mas estamos cada vez mais confiantes de que o nosso plano está a funcionar e que em breve podemos começar um novo capítulo, com base nos fundamentos da responsabilidade pessoal e do bom senso, em vez da imposição de regras e regulamentos", afirmou na terça-feira Javid.
Boris Johnson já disse: "Devemos, na medida do possível, aprender a conviver com esta doença como vivemos com outras doenças".
Mas esta é uma perspetiva assustadora para muitos ingleses.
"É o meu maior medo", disse Penny, que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome. "Não tenho ideia de como posso sair e viver com a Covid e viver com esse medo constante de ficar doente".
Mas esta é uma perspetiva assustadora para muitos ingleses.
"É o meu maior medo", disse Penny, que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome. "Não tenho ideia de como posso sair e viver com a Covid e viver com esse medo constante de ficar doente".