Cabelo comprido e barba grisalha caracterizam aquele que é considerado por muitos o "Rasputin de Putin" ou o ideólogo que inspira o presidente russo. A influência de Alexander Dugin, nascido em 1962 numa família militar abastada, é contudo contestada por outros tantos.
Durante anos as suas ideias nacionalistas e fascistas mantiveram-se longe da ribalta política russa, apesar de aparentemente populares entre as chefias do exército e outras forças militarizadas. Nomeadamente, a recuperação da influência russa mundial através da criação de um novo império euroasiático, rival do ocidente atlântico e baseado em acordos e alianças sob a batuta de Moscovo.
A apoiar a teoria de influenciador do Kremlin, 25 anos depois da publicação da sua obra mais conhecida, Os Fundamentos de Geopolítica, muitas destas ideias parecem estar nas entrelinhas de um ensaio de 4.000 palavras publicado por Vladimir Putin seis meses antes da invasão russa da Ucrânia.
Ao mesmo tempo, o líder russo lembrou que já a União Soviética tinha lançado estas bases, apesar de o sistema bolchevique estar ferido de morte por "bombas relógio" como a liberdade de secessão das Repúblicas e a centralização do sistema no Partido Comunista Russo.
E, na mesma frase em que reconhecia que "todo o país tem o direito de escolher o seu próprio caminho, sem problemas", afirmava que esta liberdade, tal como a de qualquer pessoa, "termina na liberdade de outra".
"É necessário considerar certos limites e autorrestrições. O mesmo se aplica aos países. Se vemos que certas ameaças estão a ser criadas, especialmente de segurança, temos certamente de decidir o que fazer quanto a isso" defendeu.
Putin afirmou então ainda que russos e ucranianos eram "uma só entidade" e acusou forças em Kiev de perseguirem e tentarem calar as vozes pró-russas do país.
"Deveríamos matar, matar,matar..."
São ideias que ecoam as expressas por Alexander Dugin desde sempre. O ideólogo nacional-bolchevique sempre se opôs à ideia de uma Ucrânia independente, a qual, nas suas palavras, não teria "qualquer significado geopolítico, nenhuma importância cultural específica ou significado universal, nenhuma singularidade geográfica, nenhuma exclusividade étnica". As "ambições territoriais" ucranianas "representariam pelo contrário um enorme perigo para a Eurásia", frisava em Os Fundamentos da Geopolítica, quando o livro foi publicado em 1997.
Em 2014, quando a Federação Russa anexou a Crimeia na esteira da Revolução Laranja pró-ocidental e lançou uma guerra civil no Donbass, Dugin foi ainda mais longe.
"Penso que deveríamos matar, matar, matar [ucranianos], não pode existir qualquer diálogo", afirmou numa mensagem vídeo aos seus seguidores na altura. Palavras que o transformaram numa das figuras russas mais odiadas em Kiev.
Alguns especialistas consideram-no o “guia espiritual” do presidente russo e acreditam que influenciou a decisão de Putin em avançar militarmente contra a Ucrânia.
Contudo, os dois homens nunca foram fotografados juntos e Dugin nunca desempenhou qualquer papel oficial na estrutura do Estado russo. Vários analistas acreditam que Dugin exagera a sua influência junto do Kremlin para ganhos pessoais. Recentemente exigiu 500 euros por entrevista a órgãos de comunicação ocidentais.
"Esta caricatura pseudointelectual não faz parte certamente do sistema decisório", considerou, há poucos dias, Leonid Volkov, um aliado do crítico do Kremlin detido, Alexei Navalny.
O peso de um atentado
A crítica desdenhosa de Volkov surgiu horas depois de um atentado à bomba em Moscovo ter assassinado sábado a filha e a neta de Dugin. Este apressou-se a acusar opositores das suas ideias de tentarem assassiná-lo, especificamente nacionalistas ucranianos, apesar de haver dúvidas quanto ao verdadeiro alvo. Putin condenou o "crime desprezível" de assassínio de Daria Dugina e o próprio Alexander considerou "cobarde" o atentado que vitimou a sua filha. Está também a extrair o máximo de publicidade do luto.
Na cena política russa Dugin foi quase sempre um ator de bastidores com ambições de estrelato, apesar de as suas ideias radicais terem tido algum eco.
Desde cedo, no final dos anos 70 e na década de 80 do século passado, participou em grupos vanguardistas onde ficou conhecido pelas suas simpatias para com a ideologia nazi alemã. A sua fama cresceu quando começou a escrever para o jornal de extrema-direita Den nos anos 90.
Na sua visão, partilhada num manifesto ultranacionalista e antiliberal em 1991, publicado pelo Den, o papel da Rússia seria resistir ao ocidente individualista e materialista. Nesses anos conturbados do fim da era soviética e conjuntamente com Eduard Limonov, Dugin fundou ainda o Partido Nacional Bolchevique, numa mescla de retórica e simbolismo fascista e comunista.
O salto de dissidente para pilar do sistema conservador deu-se com a publicação d'Os Fundamentos da Geopolítica, que se terá rapidamente tornado leitura obrigatória nas academias militares russas.
A ascensão de Putin e a sua (e dos russos) aparente conversão ao capitalismo ocidental à boleia do petróleo relegaram contudo Dugin e as suas ideias totalitárias e antiliberais para as franjas políticas durante os anos seguintes.
O nacional-bolchevique não se calou e continuou a publicitar e a desenvolver o seu conceito de um novo império euroasiático baseado numa doutrina fascista. No Ocidente encontrou eco em diversos movimentos nacionalistas e beneficiou de algum estatuto mediático que se manteve até antes da pandemia de Covid-19.
Na Rússia, a estrela de Dugin só voltaria contudo a brilhar com fulgor em 2012, quando Vladimir Putin regressou à presidência russa, desta vez com uma visão conservadora para o país, após protestos antigovernamentais massivos.
A morte de Daria Dugina, uma jornalista que defendia as ideias do pai, provocou ondas de choque na elite russa, que as vê igualmente com simpatia. As consequências futuras são contudo ainda uma incógnita.